Sobre o direito ao posicionamento próprio
Andava muito tranquilo, algo distanciado de políticas partidárias – que não da Política da qual não me demito – quando sou confrontado com o discurso violento, destrutivo, do PS contra o Bloco de Esquerda, fundamentando-se sobretudo em duas acusações: - desertou da Esquerda, vai votar ao lado da Direita - por este ter decidido votar, na generalidade, contra o Orçamento para 2021,
Não sou tão ingénuo que espere dos partidos políticos qualquer análise racional sobre o comportamento dos outros partidos. A racionalidade é pesada, a emoção, mesmo que desvirtue a realidade, vende melhor as propostas partidárias. Peço que, antes de rebentarem em desaforos impensados, tenham a bondade de reparar que falei “nos partidos” não tendo excluído nenhum. Estes, tal como as nações não têm amigos, têm interesses e aliados. Os partidos regem-se por programas e vontades de eleitores. A esses têm de responder.
Postos estes prolegómenos entremos no âmago da questão.
Fui, desde o princípio, apoiante do Governo do PS, com o apoio da Esquerda. É meu desejo que tal continue a ser possível por muito tempo, no entanto, não desejo, nem espero, que essa unidade seja feita a qualquer preço. Mais, aguardo que, com respeito e interesses mútuos, se fortaleçam laços, se procurem caminhos comuns. Tais opções, como é evidente, supõem cedências mútuas tendo em vista os propósitos dos partidos e as conjunturas sociais.
Assim, após a lua de mel na “Geringonça”, com o início do Governo atual, sentiu-se que as posições, sobretudo do primeiro ministro, começaram a ser, no mínimo, pouco simpáticas para o Bloco. Era como se dissesse, fizemos um bom trabalho, mas agora, ganhei as eleições, nada tenho a negociar convosco, passem muito bem, vão à vossa vida. Perfeito! Nada a obstar. Apenas este discurso pressupunha uma coisa que não aconteceu. O PS não obtivera maioria absoluta. No entanto, comportava-se como se a tivesse tido. Recusou a renovação dos acordos à Esquerda, decidindo-se por um sistema de navegação à vista e de alianças deslizantes. Tudo bem, estava no seu direito. Talvez até conseguisse levar o barco a bom porto, não fora o inesperado da pandemia lhe ter desabado em cima. Sem rebuços aceito que, perante a gravidade do caso, o Governo se esforçou para fazer frente ao perigo e, pese embora cada um pensar que poderia ter feito mais ou melhor, desempenhou as suas funções com capacidade e sensibilidade bastantes. Afirmo mesmo que seria um pesadelo esta situação com o Governo anterior.
No entanto, voltemos à vaca fria, o PS, o Governo, confrontados com a enormidade da tarefa, iniciaram uma mudança de discurso, um jogo de sedução à esquerda, bem nítido com o PCP, balançante com o Bloco. As questões trazidas pela Covid-19 obrigaram a um orçamento retificativo no qual, o Bloco apoiou o Governo.
Para o orçamento de 2021 as conversações foram longas e quanto me apercebi difíceis. Tão difíceis que não foi possível o acordo, pelo Governo requerido ao Bloco e este, considerando serem insuficientes as medidas que considera como inultrapassáveis, decidiu votar contra o Orçamento, na especialidade. Que crime cometeu o Bloco, ao proclamar esta posição, explicando divergências de fundo com opções que reputava intransponíveis nesse documento? Negociaram, discutiram, não houve acordo. Se o Governo têm o direito de dizer não, porque quer recusar o mesmo ao Bloco? Será que pensa ser este Partido de tal menoridade que não poderá ter como vontade e expressão senão aquilo que o PS, ou o Governo, quiserem permitir? Será esta decisão de não alinhar em algo com que se não concorda alguma Heresia?
Se não é – e não é mesmo – tal não parece ao ouvir os discursos inflamados, durante a discussão do OE, nestes dois dias de debate na Assembleia da República. O PS, que tem votado tantas vezes, mesmo nesta legislatura, ao lado da Direita, esqueceu-se disso e veio reprovar moralmente o facto de o Bloco votar contra, ombreando com a Direita, ficando, para todo o sempre, na fotografia com ela. Senhores! Será que o Governo já mandou queimar o álbum onde está de pé, contra a Esquerda, a votar ao lado da Direita?
Outra acusação é de “ter desertado da esquerda”. Fico estupefacto! Querer mais condições para o Serviço Nacional de Saúde; garantir o mínimo de dignidade a desempregados e precários, bem como a possibilidade de poderem superar os perigos que a pandemia acrescenta a quem tem falta de meios; retirar do pescoço de quem trabalha o cutelo das leis antiemprego da Troika , é desertar da Esquerda ou manter a coerência perante as promessas feitas, não só pelo Bloco, mas pela “ideia” da “Geringonça”?
Haja decência senhores! Deixem a demagogia culpabilizante de lado. Aproveitem este período até à votação na especialidade e sejam de “esquerda” nos atos, não só nas imerecidas palavras e pérfidas intenções trazidas aos ouvidos das gentes, sobretudo neste dois últimos dias. Não se pode afirmar: há sempre alternativas, e pensar, mas só a minha é válida!
Publicado in Rostos on line