O vinte e cinco de novembro, pois…
É evidente que Carlos Moedas, enquanto pessoa, tem todo o direito de comemorar as datas que lhe são queridas. Já como autarca não tenho a certeza de que, sem consultar a edilidade, possa tomar, de rompante, a responsabilidade de decidir que a cidade que governa rejubile com e como ele com semelhante data.
Residente que sou do Barreiro, dir-me-ão: o que é que tens a ver com isso? Ao que eu responderei, tudo!
Ao contrário do doutor Moedas afirmo que nem todas as datas deverão ser comemoradas. Querem exemplos? Apenas dois para não sobrecarregar o texto. O primeiro nacional, o segundo internacional. Algum democrata deseja celebrar o 28 de maio? Ou o rebentamento das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasaki? No entanto são datas e, no pensamento de Moedas, como o são deverão ser comemoradas. Pois eu, muito ingenuamente, digo-lhe que não. Comemorar é relembrar em festa e, para mim, nenhuma festa habita estas datas. Espero justificação do Presidente da Câmara de Lisboa para a sua afirmação: “todas as datas devem ser comemoradas”. Talvez se tivesse precipitado. Preocupado em criar um facto político que o projetasse, possivelmente, à futura direção do partido e quiçá ao almejado posto de primeiro-ministro, não teve tempo de pensar maduramente na questão e vá de aliciar votos da direita tramontana. Bem, isso é lá com ele. Não sou eu quem escolhe os seus amigos e apoiantes…
Posto isto, venho aqui para dizer qualquer coisa, daquilo que penso e sinto sobre a questão em causa. É claro que há muito trabalho de historiadores sérios a fazer sobre a complexidade do que foi o 25 de novembro, já que ele representa coisas diferentes para diferentes pessoas ou grupos sociais.
O Vinte e cinco de Abril trazia três D’s. como objetivo sumário. O primeiro D era Democratizar; o segundo e o terceiro eram Descolonizar e Desenvolver. Se o primeiro teve aceitação generalizada os outros dois levantaram muitos problemas e desentendimentos. Deste modo o Movimento das Forças Armadas, bem como a sociedade civil, quebraram a harmonia existente em relação ao primeiro D e subdividiram-se em vários grupos de maior ou menor intransigência em relação aos objetivos enunciados. Assim se deu o Vinte e oito de setembro e o Onze de março. (Caro Moedas, porque não celebrar também estes dias? Afinal não deixam de ser datas!)
Situemo-nos pois, para o nosso propósito, no Quinto Governo Provisório. O primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, cujo entendimento dos três D’s era bastante profundo e popular, desagradava, pelas medidas que tomava a uma burguesia, não muito endinheirada, mas numerosa, que temia ver perdidos os seus pequenos privilégios. Inquietos inquietaram os partidos do PS para a direita, o que levou ao Verão quente com atos de terrorismo por parte do ELP e MDLP, a que a esquerda reagiu, especialmente através do Copcon. A instabilidade foi-se acentuando em todo o País, principalmente após a Greve da Construção Civil que redundou no cerco à Assembleia da República, o qual veio a ser motivo mobilizador para a reação da direita, levando a confrontos cada vez mais violentos no interior do Movimento das Forças Armadas. Contar como tudo isto evoluiu está para além deste projeto. Por isso vou, o mais direto possível, para o culminar deste processo em vinte e cinco de novembro.
Antes de me debruçar sobre algumas particularidades desse dia quero desafiar os meus amigos a recordarem uma viagem de Álvaro Cunhal, durante o Quinto Governo, a países do Leste. Dizia ele, na sala VIP do Aeroporto da Portela, e cito de memória, o Quinto Governo é o governo do Povo. Se a reação o quiser derrubar “nós seremos a muralha de aço” a defendê-lo. Lembram-se? Até deu azo a uma canção, muito popular na altura. Passadas duas a três semanas, na mesma sala VIP, retornado da viagem, a mesma RTP pergunta-lhe de novo pelo destino do Quinto Governo. Aí, para espanto geral ele respondeu que o Povo era soberano e que se não queria esse governo deveria cair. Estaríamos perante alguma inconsistência do Dr. Cunhal? Longe disso! Vão ver os jornais da época e detenham-se um pouco sobre o encerramento da Conferência de Helsínquia. Poderão aí aperceber-se de que as potências mundiais fizeram uma espécie de Tratado de Tordesilhas. A África, sobretudo Angola, ficariam sobre tutela da URSS; a Europa, Portugal incluído, pertenceriam ao Ocidente e à Nato. Quem não for distraído perceberá, facilmente, que os destinos da Revolução e de Portugal estavam traçados. Iria, não para onde fosse sua vontade, mas para onde a geografia o colocara. Estava a começar novembro.
Novembro começou, não como um ato de “reposição” da Democracia puro e simples, mas como o aproveitamento de forças democráticas moderadas utilizadas, como se fossem idiotas úteis, para um golpe sangrento da direita revanchista. Desmascarou-se, nessa noite, felizmente, Jaime Neves o qual, na RTP, após os sangrentos combates na Polícia Militar, dizia que os seus homens não estavam satisfeitos e que não sabia se poderia ter mão neles. E ó Potestades, mesmo confessando-se impotente para comandar, não foi destituído???!!!
Então porque abrandou a sanha sanguinária da direita?
Quanto a mim – e longe estou de pensar ser a única interpretação dos factos – três pessoas estiveram no travamento do contragolpe. Duas, como todos sabem, foram Mário Soares e Melo Antunes; a terceira, como se calhar é menos conhecido, foi, mais uma vez, Salgueiro Maia. Passada a sua coluna pelo RALIS sem confronto entre as duas Unidades, mandou parar a coluna junto ao Quartel de Beirolas onde, como me foi várias vezes, por diversas pessoas, referido, terá dito ao comandante do aquartelamento, se te quiseres render, rende-te; atacar não ataco. Vou parar aqui a Força até perceber bem o que se passa. Não alinho em pinochetadas.
E pronto! Muito mais coisas haveria e podia contar, no entanto, penso que isto basta para perguntar: Sr. Dr. Moedas, ao certo, ao certo, o que vai comemorar?
Publicado in “Rostos Online”
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1 comentário
De zé onofre a 06.10.2023 às 20:25
Permita-me que lhe responda à pergunta
"Sr. Dr. Moedas, ao certo, ao certo, o que vai comemorar?"
em vez do Sr. Moedas, que por vergonha não será sincero certamente na resposta - O regresso ao passado a que o 25 de Novembro nos trouxe, onde quem mais ordena, contra o 25 de Abril, já não é o Povo, mas os Monopolistas Capitalistas dos quais os capitalista portugueses são meros lambe-botas.
Bebem do leite e do mel e nem reparam que não é propriamente "leite e mel que bebem", mas sangue quente da exploração de todos os povos.
"Quanto a mim – e longe estou de pensar ser a única interpretação dos factos – três pessoas estiveram no travamento do contragolpe. Duas, como todos sabem, foram Mário Soares e Melo Antunes; a terceira, como se calhar é menos conhecido, foi, mais uma vez, Salgueiro Maia."
Se Soares pôs travão ao contragolpe, tarde piou depois de ter abrigado atrás do seu PS quantos reacionários havia, incluindo os golpistas spinolistas, do ELP e do MDLP.
Como o senhor disse em cima -"longe estou de pensar ser a única interpretação dos factos" - sigo o seu pensamento, é apenas a minha interpretação dos factos.
Zé Onofre