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Xadrez

Quinta-feira, 03.11.11

 

Nunca fui bom jogador de xadrez. Autodidata na arte, mero conhecedor da movimentação das
peças, ia-me safando enquanto a luta era entre peões e cavalos. Quando entrava
em cena a deslocação mais complexa de bispos, torres, dama e rei, a coisa fiava
mais fino e perdia-me nas complicações de ataques e defesas com muitos
desenvolvimentos possíveis. Chegado o momento de armar um xeque ao rei, então,
só por mero acaso me surgia um alumiamento e, ainda mais raro, cúmulo da sorte,
lá conseguia um cheque mate. Por isso sempre admirei qualquer jogador capaz de
conduzir, premeditadamente, o adversário para o terreno adverso.

 

Daqui o meu respeito pelo gambito perpetrado por Papandreou, pequeno e detestado David, à poderosa
burocracia europeia (bem como ao diretório franco-alemão) Golias de arrogância,
desprezadores de direitos e humanidades, funcionários de impérios financeiros
sem rosto e sem alma. Sujeitados ao terror da dívida, os gregos já perderam
percentagens de rendimento que passam os cinquenta por cento. Benemérita a
Europa decidira agora perdoar parte da dívida grega, contra mais um esmagamento
da já parca capacidade de recurso desse povo. Poderosos mas pouco inteligentes,
os diretórios, nunca se terão apercebido que o poder existe na proporção direta
da expectativa, em relação e ele, tida. Explico melhor. Se o meu chefe na
empresa, de quem dependo e de quem depende o meu progresso, me exige algo eu
sou tentado a corresponder num exercício de custo/benefício a esse requisito. Se
porém, eu estou de saída desse emprego, o seu poder vai diminuindo na razão
direta do tempo que falta para a minha saída. Na Grécia chegou-se a este
estádio. Os sucessivos e desalmados apertos que a “ajuda” foi introduzindo
levaram à perda de qualquer esperança por parte dos gregos. Colocados entre
dois males maiores, sacudiram o jugo e, com a primeira arma da democracia,
ouvir o povo, puseram em pânico os democratas de novo estilo, receosos de
qualquer ato democrático por si não dominado e manipulado.

 

A decisão do governo grego vai criar um “tsunami”
de proporções desconhecidas mas presumivelmente catastróficas. Cá estaremos
para ver e, como sempre para aguentar o esforço necessário à sobrevivência em
tempos de cólera. No entanto, que tinham eles a perder? Com ajuda ou sem ajuda
foram colocados numa posição em que o resultado será sempre ruinoso. Então,
caíamos levando connosco quem a tal nos obrigou. Decisão terrível mas
perfeitamente compreensível. Nem todos dão a outra face, nem a isso são
obrigados caso não professem a passividade frente à agressão propalada pelo
cristianismo.

 

E como é que isto nos toca a nós? A esta pergunta capital correm os fazedores de poeira a
mostrar, solícitos, que nada neste país se assemelha à prevaricadora Grécia.
Pois não. Não temos buracos nas contas – a não ser o pequeno caso da Madeira –
a nossa banca está segura, embora tenhamos BPN e BPP, a banca não financie as
empresas, o desemprego não caminhe em passo acelerado, as condições de vida da
população não estejam a degradar-se rapidamente, a recessão não seja agravada
pela ajuda, os velhos não comecem a morrer por falta de apoios médicos e
medicamentosos, os jovens não andem a pensar onde, no mundo, está o seu futuro.

 

De tal modo vamos em alegre aceleração para o aviltamento que um qualquer secretário de
estado foi capaz de, por pura inabilidade, desvendar parte do jogo afirmando
que os nossos jovens devem sair do seu local
de conforto???
e procurar a resolução dos seus problemas na emigração. O
facto de não ter sido demitido de imediato, nem sequer sido sujeito a censura
pública do governo demonstra como está em consonância com os restantes
governantes. Se acrescentarmos a isto as palavras do nosso primeiro-ministro
sobre a necessidade de empobrecermos em prol de um distante enriquecimento – de
quem? - mais a inspirada declaração do ministro Relvas para o aplanamento das
remunerações, por sonegação dos subsídios de Natal e férias, gentilmente
chamando a nossa atenção para o facto de em países, onde se ganha três vezes
mais que aqui, não haver tais subsídios, perceberemos a profunda inversão a que
as nossas sociedades chegaram.

 

No principio a economia surgiu como uma forma de servir as pessoas. O capitalismo
neoliberal, em pura prestidigitação, alterou a ordem dos fatores e agora são as
pessoas que servem a economia, ou, mais precisamente, a sua forma degradada em
financeirismo ou, como muito bem alguém chamou, economia de casino. Assim, as
pessoas, tal como os povos, são divididos em duas classes, os produtivos que,
com exceção de um muito pequeno grupo dirigente, deverão ser utilizados pelo
menor custo possível e os outros – velhos, desempregados, jovens sem
experiência no campo do trabalho – que deverão ser descartados do modo mais
rápido e eficaz possível.

 

É o que está a acontecer na Grécia, é o que já começou a acontecer aqui. Como é costume
dizer-se, os jogos estão feitos! Agora há que aguardar as consequências. Ou
então vamo-nos aperfeiçoar no xadrez e façamos, de surpresa, cheque ao rei, melhor
à rainha que, neste caso, passou para segundo plano o rei.

 

 

Publicado in “Rostos
on line” – http://rostos.pt

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 13:03