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Levanta-te Liberdade! ou a Oficina da Palavra

Sábado, 05.05.07
Fui convidado ontem para uma tertúlia, na Escola Secundária de Stº André, designada por “O Barreiro na palavra dos artistas”.

Numa sala bem composta de público e decoração leve e notavelmente requintada para os meios financeiros que sabemos as escolas disporem para tais actividades, decorreu uma memorável sessão de convívio intergeracional que, como viria a dizer Sousa Pereira, Director do Jornal On-Line Rostos, nos fazia sentir que o “Barreiro respira”.

Na mesa, moderada pela Dr.ª Fernanda R. Afonso, tomaram lugar D. Olga Costa Mano, antiga funcionária na biblioteca desta cidade; D. Rosa Guerreiro, em representação do pai José Vicente, poeta popular já falecido; o Dr. Artílio Baptista, dinamizador e professor da Universidade da Terceira Idade e os artistas plásticos Kira e Camarro. A organização da tertúlia coube a um grupo de professoras da Secundária de Stº André, formado pela moderadora e pelas doutoras Carolina André, Fátima Correia, Maria Manuel Dias e Liliete Parada Monteiro.

Este grupo é dinamizador de um fórum designado por Oficina da Palavra que nos últimos anos tem desenvolvido, com os seus alunos, actividades muito interessantes nos campos do debate, da escrita e do teatro, interessando e abrindo perspectivas aos jovens às quais, de outra forma, provavelmente, poucos teriam acesso ou para tal teriam alguma vez sido despertados. No entanto, segundo sei, na contagem para o concurso para professores titulares são actividades consideradas sem qualquer peso ou relevância.

Malhas que o Ministério tece…!


Voltemos à tertúlia onde a palavra foi redonda e circulou da mesa para a assistência e da assistência para a mesa, criando uma densidade humana fascinante, indo das memórias anedóticas às trágicas, da rememoração individual à inesperada poética, construindo um inolvidável serão que apenas pecou por não se puder estender mais no tempo. E pecará se não voltar a reorganizar-se, proporcionando a todos o vivenciar de factos e costumes, alguns ainda vivos outros só história, que refundaram a contemporaneidade desta terra onde habitamos e que no dizer do Kira “é melhor madrasta que mãe”.

Alunos da Drª Alzira Nobre recitaram poemas de alguns poetas presentes e ausentes. Dentre eles apraz-me ressaltar o poema “Querem saber? Eu conto“ do meu amigo Monginho, que, mais uma vez, viajou para outra cidade, deixando saudades da sua presença e palavras: Eis o seu poema que me autorizo a transcrever:


Antigamente eu ouvia as sirenes
Das fábricas de cortiça e os meus gestos de esperança
Despedaçavam-se contra as cortinas da minha impotência

Mais tarde deambulei por lojas
E escritórios com uma panóplia
De sonhos na algibeira

Hoje sou um funcionário que só
Funciona por fora. A rotina é
Uma excrescência de que intento
Despojar-me

Sou cada vez mais pescador de
pérolas por haver

Deixo aos outros as cinzas dos
Braseiros

Que não me fujam as rosas!




Termino esta minha já longa parlenda com uma das história que gostaria de ter contado na tertúlia e que não contei por falta de tempo; tem a ver com o nosso já falecido Mestre Cabanas.

Fazia ele, salvo erro 72 anos e, na cave de uma sociedade recreativa de que já não me recordo o nome, um alargado grupo de amigos festejava o seu aniversário. Como é normal ele tomava a cabeceira da mesa. Ao seu lado direito sentava-se, a sua afilhada, uma rapariguita com uns 10 anos de idade a que ele pusera pusera o belo nome de Liberdade.

Jantar adiantado, discursos e brindes em curso, fomos avisados de que a Guarda Nacional Republicana tinha cercado a colectividade. Num arroubo oratório como só Mestre Cabanas era capaz, improvisou um discurso brilhante sobre a opressão e o fascismo, terminando, ostentoreamente, dizendo:


Mesmo que os esbirros dos fascismos nos cerquem e tentem calar-nos, nunca nos calaremos, e, olhando para a pequena, ordena:

Levanta-te, Liberdade!

Foi o que ontem nos disse, na Tertúlia, a Oficina da Palavra.



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt/

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publicado por Carlos Alberto Correia às 21:58


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