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Descontam-me no IRS?

Sexta-feira, 27.01.23

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Em primeiro lugar confesso a minha simpatia pelo Papa Francisco, assim como a tive também por João XXIII. Já João Paulo II e Bento XVI não recolhem nem um pouco da minha afabilidade. Não que isto lhes importe ou incomode, é apenas para me situarem no campo a que pertenço e não haja dúvida sobre o que digo e da posição onde me coloco. Devo, no entanto, formular uma declaração de interesses mais clara. Sou agnóstico e recorrendo a uma síntese de extraordinária elegância, da autoria de Mário Soares, sou republicano, socialista (creio que um pouco mais que ele) e laico.

 

Assim, mesmo os papas com quem mais simpatizo têm algo em que não me revejo: uma crença e uma doxa. Julgo que as religiões, pregando paz e concórdia têm contribuído ao longo dos tempos, na defesa de regras e interesses próprios, para o aumento da discórdia e a diminuição da paz. Mas, como diz o outro, isto sou eu a pensar. Já agora acrescento que não pugno contra nenhuma religião, respeito as escolhas de cada um, assim como espero que respeitem as minhas. Aclarados estes princípios, vamos ao que interessa. É isso mesmo. Os, não sabemos quantos milhões, que irão ser gastos para um evento – do qual não descuro a importância – organizado por e para uma crença, neste caso a católica.

 

É bom que nos lembremos que somos um estado laico, tendo por obrigação não discriminar, nem privilegiar, qualquer religião. Se eu pertencesse a qualquer culto que quando decide fazer uma convenção, ou qualquer especial ajuntamento de fiéis, se vê compelido a esportular os custos de aluguer de recinto e outros, sentir-me-ia tentado, com base na Constituição, a apresentar as faturas ao Governo para ele as pagar. Embora discordasse disto, perante o presente financiamento do encontro da juventude católica, ver-me-ia forçado a reconhecer-lhes a razão.

 

Por outro lado observámos o júbilo com que o nosso Presidente aceitou a realização deste evento no nosso País. Todos sabíamos, portanto, que ele se iria realizar e quando. Estaríamos pois à espera que os responsáveis religiosos e governamentais, em tempo, discutissem e alinhassem programas e custos. E o que vimos? Mesmo estando em Portugal algo de inacreditável. Nada se pensou, discutiu ou planeou em todos esses anos e, repentinamente, a poucos meses do evento, surgem-nos com planos mirabolantes, com custos astronómicos, tão em cima do acontecimento que só as adjudicações diretas (com toda a carga de oportunismo e desconfianças) poderiam responder à urgência dos trabalhos. “Oh! Bálha-me Deus”! Então eu que não vou estar no evento, que não tenho culpa nenhuma de negligências, interesses, incapacidades, oportunismos e muito mais coisas que me ocorrem e que não vou escrever, vou ter de pagar, com os meus impostos, toda esta carga de incoerências? Ah! Já me vieram descansar. As infraestruturas servirão para o futuro bem-estar das populações e haverá um forte retorno financeiro trazido pelos visitantes que irá superar o investimento. Tal como na Expo, não é verdade???!!!

 

Aqui chegados só uma esperança me resta. Nada tendo a ver com a religião que vai ser servida com tudo isto, sabendo que a constituição vai ser abalroada na igualdade de tratamento entre religiões, não querendo contribuir com o meu dinheiro para tal espavento espero, sinceramente, que a minha parte me seja devolvida no IRS.

Estamos conversados?

 

Publicado in Rostos On-Line

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 11:31