Isto sou eu a dizer… Textos decetivos - 2
Como tenho escrito ao longo dos tempos, não gosto nada, mesmo nada, de maiorias absolutas. Sejam elas do partido que for.
O tipo de democracia instituído no nosso país é o representativo. Isto é, pressupõe-se que os eleitos na Assembleia, de forma genérica, representam os diversos sentires sociopolíticos das nossas gentes. Por tal é esperável que ninguém tenha a maioria absoluta e que os governos se vejam obrigados não só a consensos como aos escrutínios constante e eficazes de parceiros, ou opositores, em relação a qualquer lei ou decisão. Ora, tendo em conta os elevados níveis de absentismo nos atos eleitorais, qualquer maioria absoluta representará apenas uma minoria, qualificada para submeter as outras imensas minorias à “húbris” do partido governamental.
Esta situação conduz quase sempre à arrogância, a soluções parcelares mascaradas de maioritárias e ao exacerbamento - pela relativa ineficácia das capacidades operativas das oposições - quer de lutas internas partidárias quer da ocupação dos opositores com “casos e casinhos” transvestidos de interesses nacionais. Enfim, um atraso de vida, a pantanização da política, a dilação do desenvolvimento necessário à saúde das sociedades.
O último caso foi o já tão comentado, utilizado e manipulado da indemnização de Alexandra Reis. Falemos um pouco disso. Quando se faz um contrato de trabalho com qualquer entidade estabelecem-se as regras de remunerações, condições de trabalho e da cessação do mesmo, além de outras cláusulas específicas que, pela diversidade, nem vale a pena tentar enumerar. Portanto, sem conhecer o contrato da visada é claramente impossível afirmar se os quinhentos mil euros são um direito, ou fruto de acordos especiais para “pessoas importantes em momentos duvidosos”. E por aqui nada mais haveria a dizer.
No entanto, o caso passou-se na TAP – empresa em situação difícil, com ordenados cortados e despedimentos vultuosos – razão pela qual, no nosso rarefeito nível de vida, rebentou como escândalo ofensivo da magreza das indemnizações convencionais e dos baixos vencimentos que as determinam. Neste momento, já não estamos meramente no terreno do direito. Entra em campo a esquisitice dos comportamentos éticos e a dúvida entre o direito da ética e a ética do direito. Por outras palavras. Se tenho o direito contratual de receber uma determinada quantia devo ou não abdicar dela? Isto é, prescindir de um direito substantivo em nome de um valor abstrato? Não sei se haverá para isto uma resposta única. Direi mesmo ter todas as dúvidas do mundo, sabendo tal depender de caráter, valores, formação cívica etc., etc. e ainda etc.
Poderíamos ficar a discutir gostosamente esta questão se ela não se tivesse tornado um vendaval a cair certinho sobre a maioria Socialista. Os de sempre, no cumprimento do seu papel, vieram pedir cabeças e execuções. Os outros de sempre tornaram às cansadas justificações, saldando-se tudo isto, para já, na demissão de um Secretário de Estado e na de um Ministro sobremaneira incómodo dentro do Partido, e, sobretudo para os opositores das direitas. Tudo bem! Cada um faz, do modo que lhe apraz, o jogo que lhe convém. Mas então a TAP só tem tutela? Não tem administração? Desculpem-me a brutalidade, porém, com os erros cometidos, eu já teria mandado esta administração à vida. Mas isto sou eu a dizer que, destas coisas, cidadão normal que sou, apenas sei o transmitido pela informação social não possuindo fontes privilegiadas a sussurrarem-me ao ouvido quanto não se pode saber, mas se deve propalar.
Feita a prova dos nove, fica-me a impressão de uma maioria a desfazer-se por oposição a si mesma, por falta de capacidade de consenso interno ou com oposições credíveis, além da grande ironia de desconfiar que, com esta oportuna demissão, Pedro Nuno Santos devolveu, com juros, a humilhação que, a respeito dos aeroportos, lhe fez o Primeiro Ministro, voltando a estar na corrida para o Secretariado-Geral do Partido. Medina que se precate! A roleta voltou a mover-se.
Publicado in “Rostos On line”