Fronteiras
Nunca me esqueço de duas afirmações de Carl Sagan sobre a Terra. A primeira é que, vista do espaço, a terra é um pálido (e frágil) ponto azul. A segunda e neste contexto mais importante, é que do espaço não se vêm fronteiras. E ainda, parafraseando António Sérgio – cito de cabeça – uma fronteira é o lugar mais distante a que um estado consegue levar as suas forças armadas.
Por isso, qualquer fronteira, é uma linha imaginária político-económica, mais ou menos estável, traçada segundo a força e os interesses de potências temporariamente dominantes. Recorde-se que na conferência de Berlim, decorrida entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, foi dividida, a lápis e régua, a África pelas potências, na sua maior parte Ocidentais. Como é sabido não se tiveram em conta a geografia, as tribos e clãs locais e seculares, nem tão pouco as famílias divididas por tais traçados. Esqueceram, ou não quiseram lembrar-se, um conhecimento primordial: o mapa não é o terreno. Assim se criou a confusão, que ainda hoje reina em África, porque o traçado feito em Berlim não respeitou, de forma alguma, as realidades culturais e sociais existentes no terreno. O resultado foram a discórdia e confusões fomentadas entre povos unos, artificialmente separados. Como seria de esperar, dada a mentalidade da época, os mais prejudicados por tal repartição - os residentes nessas regiões ou colónias - nem foram ouvidos, nem tiveram um único representante na conferência.
Portanto, idealmente, as fronteiras deveriam ser inexistentes e a Terra seria posse ininterrupta da espécie humana (deixo em aberto a discussão sobre esse direito em relação à restante vida animal). Claro, tal só seria possível se a espécie humana se permitisse elidir o papel de chefias, hierarquias, domínios e sucessões a estabelecerem continuadamente interesses, limites e separações.
Chegamos, deste modo, aos problemas atuais das alterações climáticas, dos refugiados, da guerra da Rússia contra a Ucrânia, do crescimento das extremas direitas nacionalistas, de algum fascínio das massas – que não conheceram as ditaduras imperiais – pelos homens fortes, salvadores de pátrias e sempre, autoritários, a pôr em causa os avanços humanitários e democráticos, numa tendência para a barbárie a crescer quando os esforços, para fundir voluntariamente os limites territoriais dos países em confederações, mais aptas a defenderem o bem-estar das populações, pareciam estar a ganhar terreno.
E isto deixa-me perplexo.
Não vivo apaixonado por esta União Europeia, mas acredito que precisamos dela para sobreviver. Quanto a mim - embora de união tenha por vezes muito pouco e só por vezes se lembre daquilo que pretende ser, por se deixar subordinar a valores egoístas das nações mais poderosas ou de oligarquias locais – penso que, no mundo atual, as nações já não serão unidades integradoras suficientes para a geopolítica que se desenha. A traço grosseiro estamos a caminho da criação de blocos alargados, mais consentâneos com os problemas da época em que vivemos, tal como no século XIX se caminhava para a criação de nações, unindo regiões contíguas ou com desígnios socioculturais semelhantes. Estas modificações não surgem do nada, mas são consequências das alterações tecnológicas em crescimento a transformarem possibilidades, necessidades, comunicações e aceleramento nos modos de vida das sociedades humanas.
No entanto estes blocos podem ser tão antagonistas entre si, como as nações o foram, dando, no século passado, origem a duas tremendas carnificinas que nunca deveriam ser esquecidas, mas que parecem agora não lembrar a muitos nos comandos das políticas internacionais.
É aqui que se me afigura o maquiavelismo das ações de alguns centros aglutinadores dos blocos. A traço grosseiro apontaria para um bloco Sino-Soviético (talvez com a Índia à mistura); para o Ocidental (incluindo a Europa sob gestão dos Estados Unidos) e, finalmente para o religioso/ideológico dos islamismos radicais. Ora estes blocos que visam aglutinar a si diversos povos, procuram incentivar nos outros a divisão através de nacionalismos extremos, como forma de desagregação, a permitir-lhes o domínio da Nova Ordem Mundial. O problema é que qualquer deste blocos propõem modos de vida muito diferenciados. Por isso não é indiferente, embora algumas vezes a escolha amargue, a qual ofereceremos a nossa simpatia ou adesão.
Sou ocidental, lutei pela democracia e é assim que quero viver. Não me servindo esta Europa completamente, entre outras coisas pelas ideias de vencedores e falhados, provenientes do nosso antigo cérebro retilíneo, disfarçadas de livre empreendedorismo, de contínua competição neoliberal, do aumento de desigualdades sociais, não me vejo a voltar a regimes autoritários como o chinês, nem a teocracias como as islâmicas. Deste modo, exorto todos a perceberem o que está por detrás de muitos discursos nacionalistas, a não se deixarem levar no simplismo de soluções que aparentam resolver de uma penada os problemas sociais, apontando as culpas a um ou mais grupos profissionais ou de crenças, e percebam que a Democracia tem um custo e um tempo. Se a autocracia apresenta soluções imediatas, a médio prazo transforma cada cidadão em súbdito, cada direito em favor e aprofunda as injustiças através da centralização de poder e atribuição de privilégios apenas aos comparsas.
Dirão alguns: isto é o que se passa nas Democracias. Aceito que em grande parte terão razão. No entanto podem denunciá-las e, de formas várias, lutarem modificando o que é considerado como nocivo, melhorando no médio prazo. Já nas ditaduras… traçam-se fronteiras pessoais e de grupo intransponíveis, inaceitáveis e de uma rigidez que apenas, a muito longo prazo poderão ser quebradas, com muito sofrimento, sangue e revolução.
Porque as fronteiras que existem na terra partem das fronteiras criadas nos nossos cérebros e todas são limitações indevidas de algo, sou, claramente, anti-fronteiras, sabendo-me, por enquanto utópico, mas acreditando que a utopia é o lugar do futuro.
Publicado in “Rostos On-line”
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Serviço Nacional de Saúde? Com certeza! Mas assim? Não!
Sem qualquer dúvida o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das maiores conquistas civilizacionais do nosso povo. Deverá ser acarinhado pelos utentes e estimulado pelos governantes. O serviço que presta é indispensável e, presumo, de qualidade. Deste modo há que preservá-lo, melhorá-lo e alargá-lo cada vez mais, quer em cobertura populacional, quer em especialidades e atualizações.
Posto isto, como não há bela sem senão, vou tentar relatar uma experiência recente, tencionando manter-me sereno e compreensivo, não entrando em diatribes negativas ou emocionais.
Assim recebi a informação de familiar muito chegado, a sentir-se mal, comunicando-me que iria chamar o 112 para o conduzir às urgências, com a especialidade de que necessitava, porquanto, ligando para hospitais do SNS e mesmo particulares, nesse dia, sábado 29 de outubro, nenhum disponha de especialistas, nas urgências, para o seu caso. O 112 foi rápido a responder e trazia, como seria de esperar, a informação da urgência dessa especialidade, no caso vertente o Hospital de Santa Maria, para onde estava a ser dirigido.
Como penso ser normal nestas situações, meti-me no carro e rumei também para esse hospital.
Cheguei bem depois da ambulância. Após alguma tribulação para parquear o carro, dirigi-me às Urgências, uma pequena sala repleta de bombeiros e outros serviços de transporte de doente, de pessoas chegadas por meios próprios à espera de triagem e por um sem número de gente à procura de informações sobre familiares chegados às urgências. Tirei a senha conveniente para o meu fim e aguardei a chamada. Na maior parte do tempo, que me foi dado observar, apenas um dos dois guichés tinha um atendente. Raramente os dois se encontravam presentes. Como será de esperar o tempo de espera torna-se longo, pelo tempo em si e pela angústia de cada um. Mas, enfim, lá consegui ouvir chamar pelo número da minha senha. A esperança durou pouco. Apenas me confirmaram o que eu já sabia. A pessoa tinha entrado nas urgências e aguardava diagnóstico. Perguntei como, onde e quando poderia obter informações mais detalhadas e, como resposta recebi um só aqui! Espera mais uma hora, tire então nova senha e aguarde a chamada. Assim fiz. Seria pelas treze horas. Às catorze lá estava a tirar a senha e aguardar pacientemente a chamada, um tanto ou quanto desesperado porque o número de esperantes aumentava a olhos vistos e, compreensivelmente, os transportados pelos bombeiros e os que aguardavam triagem tinham natural precedência. Quando chegou, por fim a minha vez já perto das quinze horas, disseram nada ter ainda a reportar e voltasse a repetir todos estes movimentos pelas 16 horas. Assim fiz, com os mesmos resultados. Desesperado perguntei de novo se haveria outra forma de obter qualquer informação sobre o estado, necessidades e possibilidades de contactar o doente. Não senhor, não havia. Apenas daquela forma e ali, me seriam dadas quaisquer notícias. Perante a minha exclamação, ainda contida, de que esperava à quatro horas por uma simples informação, foi-me dado um conjunto de números de telefones para, só após as vinte horas, ligar, Aí teria toda a informação pretendida. Trouxe os números, mas já em mim residia alguma desconfiança. Por isso, decidi recorrer a meios de informação alternativos – em Portugal não se consegue passar disto – e lá soube estar o meu familiar nas pequenas cirurgias, já em tratamento e à espera do cirurgião. Ainda, na noite de sábado a mesma fonte informou que a intervenção correu bem e o doente ficaria até 48 horas no SO, em observação.
De qualquer modo, para testar o sistema, às 20 horas comecei a ligar para o número direto das urgências. Duas situações se punham: ou o sinal era de impedido, ou quando chamava, durante longos minutos ouvia o bip constante até que a conexão se desligava automaticamente. Usando o número geral, a voz mecânica mandava-me premir a opção 1 e com o sinal de chamada a soar esperava até que a mesma voz, como se eu tivesse ligado de novo, me mandava premir a opção 1. E isto repetia-se sem parança nem atendimento. Esta manhã voltei a tentar todos os meios indicados, com o mesmíssimo resultado.
Concluindo, não querendo atacar os funcionários assoberbados por múltiplas tarefas, alguma coisa naquela organização está mal. Se não há gente para atender os telefones, não os entreguem, semeando esperanças sem sentido. É um perfeito suplício passar horas a tentar saber umas simples informações sobre o estado de um ente querido e esbarrar na insensibilidade dos bip-bip sem resposta. Um maior respeito pelo cidadão obrigaria a organizar esses serviços de forma a obterem-se as explicações mínimas, evitando a corrida a deslocações ao serviço, só a acrescentarem caos à confusão.
Sei que é um facto menor e não tenho dúvidas de que o meu familiar foi bem cuidado, porém este sistema só cria angústia e alvoroço a toda a hora. Separem a receção de doentes das informações. Tenham alguém a atender apenas os telefonemas, que presumo serem muitos, e evitarão as confusões, aglomerações, irritações e casos a derivarem para confrontações a assaltarem quem espera, sem culpa deles e da sua ansiedade, bem como dos funcionários incapacitados de atenderem todos os casos com prontidão mínima.
É apenas um caso menor de organização dos serviços. Façam lá um esforço senhores administradores. Se calhar, um simples serviço de SMS, para pessoa indicada pelo doente, poderia resolver estes casos, com benefícios para os funcionários, os doentes, a família e para o ambiente, por menor recurso a deslocações de carros, com as suas descargas, a poluírem ainda mais o ar da cidade.
Publicado in “Rostos On Line”