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Do fim da História à aceleração dos acontecimentos

Domingo, 02.10.22

 

 

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Quando perante a queda do Muro de Berlim, Fukuyama declarava galvanizado o fim da História, isto é, a chegada da Humanidade ao objetivo maior do seu percurso, esquecia o essencial do ser humano, das sociedades e, mesmo do Universo. Deixava, orgulhosamente, de lado o conhecimento de que a mudança é a regra, o caminho de todas as coisas.

 

Tenho escrito que o nosso tempo é uma esquina da História. Tal como quando caminhamos em qualquer rua nunca sabemos aquilo que, passada a esquina nos espera do outro lado, o mesmo se passa neste metafórico cotovelo. Podemos especular, criar hipóteses, aventar teorias, mas tudo isto não passa de um “eu penso que…”, podendo ser contraposto, com legitimidade e força, por qualquer outra afirmação por mais oposta que seja. É ainda útil acrescentar que os acontecimentos, a História em movimento, apresenta, em momentos variados, acentuadas alterações de ritmo. Vai do parecer parado das tradições – que nunca são o que eram – até à alucinante corrida em que parecemos flutuar, em risco contínuo de afogamento, nos tempos de aceleração histórica, normalmente frutos de mudanças tecnológicas a arrastarem transições sociais e económicas inesperadas as quais, realimentando as alterações tecnológicas aceleram em círculo, mais ainda, essas transformações.

 

Assim, neste nosso tempo, ao darmos o passo para transpor o limite da esquina de onde vínhamos e ao encarar a nova extensão do outro lado do cunhal para onde nos deslocávamos, poderemos ser atingidos por situações e acontecimentos cheios da estranheza do como é possível até à sensação fulminante do afinal já esperava isto.

 

É este o sentimento que nos apanha nesta vintena de anos do século XXI, quando, ao invés da paragem da História, das águas planas de um mundo unificado perante uma ideologia absolutamente vencedora, inamovível, plena, nos deparamos com crises, pandemias e guerras consideradas impossíveis a demonstrarem a imprevisibilidade dos tempos.

 

Ainda do lado de lá da esquina, em conversa com amigos, declarava, com a mesma empáfia de Fukuyama, que a questão de excesso de população no mundo era resolvida, por norma, de três formas: a primeira seria a de uma epidemia, a ceifar vidas e a repor níveis populacionais consonantes com os meios disponíveis para a sobrevivência dos restantes; o segundo seria a plaina da guerra com o seu exército de mortos, de refugiados, de alterações fronteiriças e, finalmente, a possibilidade sempre presente, de melhoramentos tecnológicos a permitirem a ultrapassagem do problema. Havia, porém algo que, com força, eu garantia: uma única destas três possibilidades estava “absolutamente” fora de cena. Aceitava a eventualidade de guerras, o progresso tecnológico, mas, afiançava eu, os avanços imensos da ciência médica afastavam, definitivamente, os medos de qualquer epidemia. Como todos sabemos a minha convicção foi um erro astronómico.

 

Ainda não recuperávamos dos efeitos pandémicos e crises económicas deles derivados e zumba!!! Cai-nos em cima uma inacreditável guerra destruindo vidas, bens e convicções, trazendo ainda com ela a possibilidade – em que continuamos a não querer acreditar – de um possível holocausto nuclear.

 

Era aqui que queria chegar. Parece-me impossível que qualquer ser humano, ou qualquer grupo, ou nação, sabendo não haver vencedores num tal conflito, possa para ele avançar esquecendo a doutrina da destruição mútua assegurada. Mas eu disse “parece-me”. Com os exemplos atrás apontados de erros de presunção, já não estou seguro de nada e começo a aperceber-me de que, em todo o Universo, a única coisa infinita será a loucura humana alicerçada em ambição e poder. Sonhos nefastos de propagadores de desgraças cujas certezas absolutas só trazem destruição e dor ao mundo. Sou intrinsecamente contra a pena de morte, no entanto, por vezes, dou comigo a pensar se, apesar de tudo, o mundo não seria mais seguro, ou pelo menos sereno, se certas pessoas nunca tivessem existido.

 

 

Publicado in Rostos On-line

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 19:39