E no futuro?
Pronto! Está feito! O PS ganhou, para espanto de muitos, eu entre eles, com maioria absoluta; o PSD, passada a girândola das sondagens portadoras de onda vitoriosa, cedeu e vai começar a enfrentar litígios internos para descobrirem o novo líder que os há de guiar à vitória; o Chega conseguiu o ambicionado terceiro lugar, mas falhou o objetivo principal, que era, como se sabe retirar o socialismo do Poder; o PCP perdeu votos, lugares e parlamentares de prestígio; o Bloco entrou em derrocada; o Livre está aí , desta vez, penso, para valer e, finalmente o PAN recolheu os frutos da ambiguidade e do autoritarismo animal.
Portanto o Mundo continua a girar. O que era viável ontem, hoje deixou de o ser, as perspetivas e expectativas alteraram-se e, neste momento, o sistema começa a reorganizar-se. Atónitos percebemos ser possível o impensável e que o futuro não existe! Melhor, teima em comparecer no presente, na maior parte das vezes de modo muito distante do que futurólogos, analistas, comentadores, cartomantes, astrólogos e outros mais sobre ele nos garantem.
Eu tenho uma teoria sobre o futuro. Ele não existe! Vai existindo! Quero com isto dizer que é verdadeiramente impossível afirmar algo de certo sobre o a vir. Pensemos um pouco. Para poder predizer o que virá a acontecer teremos de aceitar o discurso teológico de que tudo quanto venha a acontecer já estará escrito em algum lado. Esta posição traz o benefício da desculpabilização dos nossos atos porque o que tem de acontecer acontecerá e nada poderá mudar o caminho das coisas. Com pedido de desculpa para quem assim pensa, tomo a liberdade de vos dizer, estão redondamente enganados. É que, quanto a mim, o futuro vai nascendo das nossas escolhas, passadas e presentes, vai-se construindo e mudando conforme, em cada momento, tivermos uma preferência a qual irá mudar, ou condicionar, o futuro para que nos dirigíamos e que por essa e outras opções se tornou outro.
Ontem, nas eleições legislativas, fizemos escolhas que irão alterar o futuro. O que vier a ser será, necessariamente diferente daquilo que seria, fossem outros os resultados deste escrutínio, resultando para cada um e todos, em consequências e satisfações diferenciados. Presumo ter conseguido expressar porque afirmo que o futuro não existe, mas se vai, passo a passo, construindo. Assim, passemos com todas as cautelas que o acima explicado exige, a aplicarmo-nos na tentativa de desvendar o que as decisões coletivas, expressas em votos no dia de ontem, me suscitam.
Escrevi, no Rostos, há dias, não gostar de maiorias absolutas. Reafirmo o meu desgosto por elas e desejaria que não tivesse acontecido. No entanto, sendo as coisas o que são, contra ventos e marés, de modo inesperado, ela aí está. Quer queiramos ou não, teremos de lidar com ela e com as suas consequências. Esperemos que a “húbris” não venha a exercer a habitual maldição sobre os desígnios humanos e o PS consiga evitar-lhe os malefícios advindos, mantendo os ouvidos atentos ao clamor dos menos protegidos, não se esquecendo da sua matriz social, agindo de acordo com ela.
Pelo lado do PSD, além da complicada internalidade, um perigo, a médio prazo se avoluma. A Iniciativa Liberal, capaz de com o seu discurso encantador para jovens ingénuos, com expectativas de se tornarem poderosos empreendedores, tomarem como boas as soluções preconizadas. Contudo se quiserem estudar um pouco de história perceberão os cantos de sereia a levá-los, não às praias de sonho, mas aos baixios do egoísmo, falta de ética e solidariedade a fazerem crescer a erva daninha da desigualdade social. Sendo desnecessário ir às origens do Liberalismo, relembro apenas dois nomes e quem quiser pode ver o resultado reais das políticas neoliberais defendidas: Reagan e Margaret Tatcher.
O Chega, apesar do desconforto causado pelo crescimento e pela posição ocupada, não me preocupa em demasia. Creio ser um epifenómeno a autodestruir-se pelas incoerências, personalidades e políticas antissociais. Além disso, como diz o meu amigo Jó, todos os países têm direito aos seus seis por cento de imbecis.
Já o Bloco me dói mais interiormente. Embora toda a sua existência tenha sido em carrossel, a hecatombe foi por demais estrondosa. Tem a ver com o chumbo do orçamento? Muito possivelmente, sim! Desaprovo que tenha tomado essa posição? Não! Na altura nem podia fazer outra coisa. Desde 2017, sensivelmente, o Bloco começou a ser marginalizado dentro da Geringonça. Não é aqui o espaço para discutir as razões de tê-lo sido, nem de como esta situação se veio agravando, sobretudo após 2019. O que podemos salientar é que foi sendo conduzido a um espaço onde fatalmente seria submerso ou rebentaria. Preferiu a segunda das escolhas. Eu também o teria feito, sabendo que o preço seria caro. Porém, não há independência sem risco e sem fatura a pagar em algum momento. Então, foi tudo culpa de outrem? Nem pensar nisso. Há culpas próprias e devem ser bem sopesadas e ultrapassadas. Caso contrário, poderá acontecer em eleições próximas, que o discurso do Livre, mais atualizado e com muito poder sobre o tipo de votantes do Bloco, venha a contribuir para a irrelevância, não desejada, deste partido.
Sobre o PCP nada de novo acrescentarei. A condenação demográfica, as mudanças de preocupações sociais, a formação de novas relações de trabalho, vão tornando o seu discurso menos atraente para as nova gerações. Poderá ultrapassar estas dificuldades? Poder, pode, mas quererá fazê-lo? A resposta definirá o caminho deste partido.
Finalizarei com a posição do PAN que irrompeu com um discurso novo a levar bastante gente a apoiá-lo. No entanto a forma autoritária como pretende afirmar as suas crenças quase religiosas, o sentimento de que pretende levar toda a gente a, queira ou não queira, compartilhar as suas convicções e modos de vida, foram criando uma antipatia generalizada pelas atuações e pretensões. Tem um problema de sobrevivência, o qual se agravará enquanto não perdem a vontade de obrigar toda a gente a almoçar seitan e a ter uma galinha como bichinho de estimação.
Pronto! Esta são as minhas previsões sobre as consequências das escolhas de ontem. Mas, como disse no início, o futuro não existe! Será criado a partir das linhas traçadas, pelas ações ou omissões, daqueles por quem ontem foi distribuído o poder representativo.
Espero ainda por cá andar para perceber se meti o pé na poça!
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Foi V. quem pediu uma maioria absoluta?
Mas que raio de absurdo vem a ser esse? Claro que não fui eu, nem tal me passaria pela cabeça. Mesmo que fosse para o seu partido, insiste! Absolutamente. Sou, em definitivo contrário a tais absurdos. Pergunta-me porquê? O amigo está cá ou anda a cirandar pelos espaços? Não faça essa cara de espanto, nem me julgue lélé da cuca. A razão porque não a quero? Simples, homem! Gosto da Democracia.
Sim, eu sei, essas maiorias não serão necessariamente antidemocráticas. Pois claro! Tem razão. Mas não me vai dizer que desconhece o perigo de tal formação governamental. Desconhece-o? Então senhor? A Democracia não é, putativamente, o governo do Povo? Veja bem, está inscrito na palavra: demos (povo); cracia (forma de governo, autoridade). Sabe, no regime democrático, pelo menos em teoria, a soberania está no Povo. As instituições de poder serão portanto emanações representativas desse povo. Vai fazer-me o favor de reconhecer que, apenas em regimes despóticos o “povo” vota a volta dos 100% no mesmo partido ou no mesmo candidato. Vê, já começa a entender-me? Explico melhor.
As sociedades atuais são muito heterogéneas. Para tudo, até para a mais simples escolha, aparecem sempre uma multitude de opiniões divergentes. É natural! A diversidade de gentes, culturas, hábitos e inserções sociais, faz variar os pontos de vista e as escolhas. Concorda? Bem, então avancemos. A nossa Democracia denomina-se representativa, certo? Se aceita, por favor, siga o meu raciocínio. Sendo representativa os seus órgãos, mormente o Parlamento, deverão refletir, o mais possível, a variedade de perceções sociais. Concorda com o pressuposto? Sim, é de preclara simplicidade. Estou de acordo. Portanto, se a instituição política não representar essas diferenças entrará em débito democrático. Está bem, reconheço o valor da maioria. Longe de mim elidir tal conceito e valia. No entanto já pensou que as maiorias conseguidas são muito relativas – pense só no universo votante e na abstenção – e pergunte-se se numa maioria absoluta estarão representados todos os quereres de uma população? Evidentemente! Os valores dominantes, e de muito difícil alteração, serão os dessa maioria que, mesmo com as melhores intenções, irá considerar bom para todos o que, em último caso, apenas será aceitável para ela. Pois é, amigo. As Democracias sérias têm de contar também com, pelo menos, alguns desejos das minorias. Começa a ver o problema?
O Poder é uma coisa perigosa de apetites insaciáveis. Eu sei! Existem mecanismos para contrabalançar o desejo sôfrego de crescer que o domínio exerce sobre todos nós, mortais. É dos livros! Deste modo e considerando que a Democracia não se faz com decisões unívocas, que é diferença e conflito, a melhor maneira de evitar sujar uma alma democrática chegada ao poder, é não dar azo a que, por falta de força de oposição, esteja livre para acreditar que todas as decisões que vier a tomar serão intrinsecamente democráticas. Aliás, prevendo inteligentemente isso, os nossos constitucionalistas introduziram na Constituição alguns entravezitos à possibilidade de se formarem maiorias absolutas. E olhe que não eram nada parvos! Conheciam os perigos dos desvios totalitários, esses fungos dos governantes democráticos quando, limitados, por arrogâncias várias, à sua visão restrita, perdem a noção de a sociedade ser muito mais complexa que os pensamentos, mesmo que bem intencionados, das suas cortes.
Olarela! É como lhe digo. No melhor pano cai a nódoa e vale mais prevenir que remediar. Ainda não percebeu que para quem governa uma maioria absoluta é um descanso que, no mínimo conduz à preguiça, ao adormecimento? Está lá a oposição? Pois está, mas se a maioria for absoluta bem pode pregar ao vento. Os votos permitirão a passagem de quase tudo. Tudo, isto é, o que interessar a esses maioritários. Bem vê, lidamos com homens, não com anjos. O melhor é dar-lhes o desgosto de se verem obrigados a negociar os seus intentos ainda que reconheça a legitimidade de, muitas vezes, fazerem valer as suas posições. Para tal foram votados, mas, mais uma vez lhe digo, mesmo a maior maioria absoluta não representará a diversidade da nação. A não ser, claro, na Democracia de qualquer Coreia do Norte.
Fiz-me entender?
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