Prognósticos depois do jogo
Pois é! Aqui estou eu na facilidade de treinador de bancada a falar, acabado o prélio, sobre o que se deveria fazer, apontar o que correu mal e apresentar panaceia para males passados. Têm toda a razão, mas não resisto a reiterar o “bem te disse”, continuando refastelado na razão, repimpado no sofá a filosofar sobre os males do mundo, como se tivesse a fórmula certa para correção dos descalabros sociais. Porém, não posso esquecer e calar quanto vi na longa noite destas Autárquicas, por isso aqui vai um pouco do meu palavreado, disfarçado de opinião independente, sobre o visto, ouvido e sentido.
Comecemos pelo estado de espírito realmente complexo – o qual, de certeza, não interessa a ninguém, contudo, por direito democrático, não me eximirei a tornar público –a tomar-me, ao fim da noite, talvez por alguma mirífica réstia de clarividência, talvez resultado do cansaço de tantas horas de informação recebida em catadupas, inibitórias de pensamento sereno e esclarecido. Assim, a minha alma partidária entristeceu, a alma de esquerda ficou preocupada, enquanto a alma democrática rejubilou.
Eu sei que são complexo estes sentimentos, quiçá confusos, todavia era caso para isso. Vou tentar explicar-me do melhor modo sintético e descomplexado que me for possível.
Sabemos serem as eleições autárquicas aquela em que mais veementemente todos ganham, ou ninguém perde. E é lógico. Com tantas míni-eleições espalhadas pelo País todas as somas, qualquer perspetiva, podem ser apontadas a valorizar o desempenho de qualquer força partidária ou independente, minimizando as perdas, soprando-as para debaixo do tapete da comunicação social, lá ficando até uns tantos mais curiosos começarem a fazer comparações. No entanto, por ser “nhurro”, decidi-me a aventar já umas quantas hipótese (ou preocupações). Deste modo parece-me não ser demasiado arriscado dizer que o PS ganhou as eleições (tem mais câmaras e mais eleitos); o PSD melhorou os resultados, garantiu uma vitória política, reapareceu no cenário macro do País. Já o CDS conseguiu manter-se mais uns tempos sem resvalar para o desvanecimento e o PC e o Bloco perderam, pese embora alguns fogachos conseguidos. Por estes factos, em conjunto, a minha alma democrática rejubilou. A Democracia estava viva e dava provas de se poder reinventar, mesmo quando tudo parecia empurrar para o marasmo.
Já, como militante de base do Bloco vejo, com muita tristeza e alguma preocupação, não só a perda de eleitos, como o posicionamento, genérico, abaixo do Chega. Se isto me espanta? Nem por isso. O meu partido vem a seguir um rumo de fixação urbana, com especial relevância nas grandes metrópoles. Até pode vir a ter razão se considerarmos que o interior se desertifica de gentes e tudo corre para as grandes conurbações. Penso, no entanto, ser tal rumo perigoso porquanto lhe desprove as guardas. Para crescer não lhe basta o Parlamento e as Assembleias de Freguesia. Sugeria mais atenção a distritais e concelhias, mais descentralização e sobretudo que as listas autárquicas fossem constituídas por pessoas com trabalho reconhecido na comunidade durante todo o tempo. Evitaríamos assim, em cada eleição, sairmos do quase nada feito para pedir às pessoas que votem em nós. E para quê? Podem elas replicar. Que farão com os nossos votos? Onde estiveram até hoje? Bem, isto sou eu a falar, nada garante que esteja correto, mas se é assim que penso, é assim que o digo ou escrevo.
A preocupada alma de esquerda viu nestas eleições o facto agradável de, mais uma vez não se consubstanciar nenhuma maioria absoluta – sou absolutamente contra – porquanto a democracia não são “dictats” de partidos maioritários, mas o árduo trabalho de conseguir consensos, único meio de transformar as decisões para uns em decisões para muitos. Já muito desagradável foi verificar como continua a crescer, mesmo em eleições de proximidade, a abstenção. Esta é uma doença da democracia e vejo pouca gente a procurar-lhe remédio. Parecem apreensivos, pois parecem, mas é só papagueio. De relevante nada vejo fazer para melhorar a qualidade das políticas (e dos políticos) de molde a fazerem sentir às populações que a Política não é uma coisa para uns senhores importantes fazerem, mas o modo como elegemos alguém para administrar os nossos bens, melhorar as nossas vidas e que cada um dos atos desses senhores deverá ser ajuizado de molde a perceber o que serve, para que serve e a quem serve. Pronto! Lá me fugiu mais uma vez a veia para a “esquerdalhice”! As minhas desculpas (insinceras).
Poder-me-ão dizer, já o ouvi muitas vezes, estar a solução no voto obrigatório. Permitam-me discordar. O voto deverá ser sempre um direito voluntário. Porque não se perguntam porque decresce continuamente a vontade de votar? Já puseram a mão na consciência e pesaram o descrédito em que a classe política se lança ao embarcar em demagogias eleitorais, tantas de impossível cumprimento, deixando o povoléu a pensar que é tudo a mesma ganga, que o que querem é poleiro e, uma vez lá chegados, vão é tratar da vidinha? É aqui que a pedagogia da correção e ética política poderá ganhar o combate contra a abstenção. Mas isto é difícil! Sei-o bem. Porém se para chegar ao rio escolho o caminho mais fácil - que segue precisamente no sentido contrário - não só nunca lá chegarei como, diga o que diga, estarei continuadamente a afastar-me do meu objetivo. A imagem é parva? Pois que o seja! Não deixa, porém, de ser demonstrativa.
Para terminar retomo a preocupação de ver o chega ultrapassar o Bloco em muitos lugares e percentagens, fazendo soar sinais de alarme, e perguntar, a toda a esquerda, o que vamos fazer – em ações, não só em palavras – para revelar o bicho horrendo que este ovo de serpente transporta, para evitar a sua dolorosa eclosão?
Podemos esperar para ver, ou, em conjunto, encontrar soluções convenientes. Têm a palavra, as senhoras e senhores eleitos!
Publicado in, “Rostos Online”