O parvo serei eu?
O Secretário de Estado do Desporto veio à televisão chamar-me parvo!
Sem qualquer pudor comunicou ao País ter sido a final da Champions um êxito organizativo, enquanto, desde sexta-feira e mesmo no momento em que o distinto senhor cumpria o ritual de desmentir o real, tentava condicionar, de forma canhestra, aquilo que os olhos viam e os ouvidos não podiam ignorar: As imagens da grande balbúrdia, da enorme barafunda, do caos instituído pelos adeptos ingleses, nas ruas do Porto, mormente na Ribeira.
Se o dito senhor tivesse dois dedos de respeito, por si e por nós, ter-se-ia negado a tão humilhante papel. Vir, perante uma população marcada pelos sacrifícios de Estados de Emergência e confinamentos vários, justificar a exceção comportamental de uma multidão de díscolos, rasgando impunemente todas as indicações dos poderes públicos sobre comportamentos sociais, em tempo de pandemia, com total impunidade, perante os olhares benevolentes de forças mais habituadas ao confronto, à bastonada, que à complacência, deixou-me revoltado.
Não é que eu não entenda a necessidade do turismo, a circulação monetária que produz, as urgências de hotelaria e restauração em crise. Compreendo o desespero de proprietários, gerentes e empregados desses estabelecimentos e sei que muitos correm o risco de falência próxima. Nem, apesar de perceber a ausência de público dos nossos estádios, levaria muito a mal se, perante este panorama, fosse aproveitada qualquer possibilidade de minorar as dores de que esta sociedade sofre, desde que respeitado o anunciado critério de chegada, permanência e partida, em bolha. Embora o futebol me seja, não digo indiferente, porquanto não aceito o ambiente escusos em que se envolvem os negociadores, negociatas e participantes desta enorme feira de vaidades, mas me interessa pouco como espetáculo dado o seu alto poder alienante sobre as multidões, o aproveitamento político proporcionado a personagens equívocas que, por vezes, chegam ao domínio de importantes clubes, posso fazer o esforço para perceber que, conforme nos foi “vendido”, seria uma ação coordenada, em condições previstas e condicionadas não ofendendo, em nada, as regras de comportamento pandémico impostas ao cidadão comum.
Porém, ao contrário das palavras da Ministra da Presidência não houve bolha. Hordas bárbaras invadiram a cidade, causaram perturbações e distúrbios. Apenas faltou puxarem-lhe fogo (isto se, por puro acaso, não nos fizeram a oferta de algum corona vírus, estirpe indiana, que nos faça gastar em sofrimento, vidas e pecúnia, muito mais que todo o dinheiro despendido nos rios de cerveja, ao que parece mais volumosos que o Douro).
Dói-me, enquanto cidadão, a subserviência ao poder do futebol e do estrangeiro. Revolta-me ser obrigado a cumprir aquilo que a eles é completamente relevado. Tenho o péssimo hábito de exigir igualdade de tratamento em qualquer sítio, em qualquer situação.
E não foi isso que vi!
Não sou cego nem parvo, senhor Secretario de estado do Desporto. Indignaram-me as suas palavras, o ar bacoco de que irão engolir mais esta sem bufar. Veja lá se se engana e lhe vai rebentar a esperteza no bolso. Deixem de tratar o povo, em geral, e a mim em particular, como deficientes mentais. Eu sei o que vi, sei aquilo que - justamente – me pedem e a todos os outros para fazer em público, a favor da saúde geral. E tenho cumprido!
Faça-me o favor, senhor Secretário e todos quanto consigo gizaram tão inusitada atuação, de não me julgarem destituído cerebral e sem qualquer vergonha me venha querer convencer de que não vi aquilo que foi “claramente visto”. Não me considere estúpido e, a propósito, lembrei-me de quando, na escola primária, perante uma ofensa a resposta era, inevitavelmente, “quem o diz é que é”!
Publicado in "Rostos On line"