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A Covid segue dentro de momentos

Domingo, 10.01.21

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Eu já esperava… mas não queria acreditar.

 

Via e ouvia as notícias. O número de infetados galopava, os mortos acumulavam-se, os hospitais mandavam angustiantes apelos de socorro – faltavam camas, o pessoal de saúde estava, desde à muito, em esgotamento – não se via forma de parar a epidemia e, como se podia observar, o sistema de saúde chegara ao limite das capacidades.

 

Perante isto começaram a ouvir-se as entidades responsáveis a sugerirem um novo confinamento, mais restritivo, semelhante ao de Março/Abril do ano passado.

 

Nada a obstar.

 

Parecia sensata a medida. Sabemos que um dia recolhido, sem exposição pública, mesmo estando infetados e sem sintomas, é uma derrota para o vírus que, sem possibilidades de se transmitir a outros, morrerá aos milhões.  Apesar de aborrecido com as contínuas contenções de movimentos defendia, e defendo, tais medidas profiláticas.

 

Aquilo que não entendo é a inconsistência de algumas posições tomadas pelo governo, contrariando as suas políticas gerais.  Sabiam, sabíamos, que o período pós-natal, traria um agravamento dos surtos pandémicos. Toda a gente falou nisso, foram prometidas medidas suplementares de defesa e, depois dos pregões botados, nada se fez, ficámos à espera de que o que tivesse de acontecer, acontecesse. Ora, isto sou eu a pensar, a razão porque alienamos uma parte da nossa liberdade e, para a gerir, elegemos governos, deputados, autarquias, é para que, em momentos de aperto, prevejam, adaptem, ajam. Prever, vemos prever, o resto é só conversa.

 

Gritantemente alarve é esta tentativa de, no dia 24, decretarmos a suspensão do vírus para irmos votar. Ou quem manda é inapto ou incoerente, ou se está nas tintas para o comum dos mortais. Demos  um pouco de atenção a este caso. Sabia-se, há muito tempo, que estas eleições iriam cair no mês de janeiro. Não havia bicho careta a desconhecer a enorme possibilidade de, nesse mês, a pandemia ter um crescimento exponencial. Também não seriam desconhecidas as dificuldades de resposta do sistema de saúde. Pois bem, o que seria espetável? No mínimo um planeamento rigoroso visando responder às necessidades aumentadas, precavendo meios técnicos e humanos. Falou-se muito nisso, especularam-se números, os técnicos fizeram advertências angustiadas, prometeu-se resposta adequada e deixou-se correr, continuando a garantir medidas que nunca foram tomadas. É habitual em nós. Aconteceu o mesmo com as escolas, no ano passado. Falou-se, legislou-se… está o trabalho feito. As ações reais, no terreno… não são connosco. Nós só temos de governar. Nunca param para pensar que o feito, deste modo, é só meio governo. De nada serve prever ou prevenir se, no terreno, essas decisões não tiverem continuidade e acompanhamento. Portanto, em pleno período de confinamento agravado, por a seu tempo nada ter sido feito para evitar este disparate, vamos suspender a propagação da Covid, para irmos às urnas. Estão a ver a cena?

 

Para lá aí, escrevente soturno e mal-intencionado. É verdade que é impossível adiar as eleições para mais tarde, quando a virulência do contágio for menor, os hospitais estiverem mais libertos e funcionais. A Constituição não permite! Qual Constituição? Aquela que é lida e relida de modo a proporcionar tudo quanto os mandantes pretendem fazer e ela “parece” não permitir? Além disso, dada a previsibilidade da situação não seria de esperar que fossem tomadas providências para ultrapassar este obstáculo, evitando novas possibilidades de contágio em período tão perigoso? Por inépcia, cálculos, desinteresses, negligência, preguiça, ou fosse lá porque fosse, evitou-se até falar no assunto. Quando se discursava sobre o novo confinamento e se percebia ir cair, certinho, nas eleições, aos poucos jornalistas a fazerem perguntas sobre tal situação, não se respondia, faziam-se circunlóquios e nós ficávamos a perceber que a decisão já estava tomada, que iria ser mesmo assim, que o vírus era uma chatice, mas mais chato seria fazer qualquer coisa para salvaguardar a saúde pública. Dava muito trabalho.

 

É por isso que estou furioso. Furibundo por ter adivinhado o que se iria passar, enfurecido por ter tido razão, exasperado ao pressentir o desastre criado por esta decisão, mormente em termos de aumento previsível do já demasiado grande abstencionismo. Posso apostar no seu crescimento quer por medo de contágio, por algum comodismo ou como forma de protesto contra mais esta incongruência. Não podemos visitar pais ou filhos, aguentamos com esforço, o tanto tempo de confinamento e, de repente, por milagre político, o vírus deixa de ser perigoso para exercermos o direito de voto. Apetece-me mandar todos os decisores para um sítio que a decência não permite.

 

Já estou a ver o panorama. Marcelo está, de qualquer modo eleito com elevada percentagem (só contam para isso os votos entrados nas urnas); a abstenção subirá em flecha, tal como o Corona; os apoiantes de Ventura, mais mobilizados e mobilizáveis neste momento, dar-lhe-ão uma vantagem pouco crível em situação normal e, os outros candidatos bem podem mandar os seus esforços eleitorais às urtigas.

Estamos todos de parabéns. Deste modo veremos, um dia destes, o Ventura no poder!

 

 

Publicado in “Rostos On-line”

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publicado por Carlos Alberto Correia às 18:24