A propósito das Presidenciais (ou as razões de um Bloquista)
1 . Declaração de interesses
Sou apoiante de Marisa Matias e só, por meros incidentes pessoais não entreguei em tempo os documentos para passar de apoiante a proponente. Também não terá feito grande mossa! Antes de ter possibilidades de fazer o envio da papelada, já a candidatura estava a ser entregue. Ainda bem! Depois disto, talvez de forma incompreensível para alguns, ou mesmo muitos, decidi não votar na minha candidata. Explico porquê.
2 . Da democracia e das suas fragilidades
Como já tenho referido noutros locais e de modo vário, preocupam-me os perigosos caminhos trilhados por algumas democracias, pela ameaça constante de uma direita trauliteira, populista, enganadora e simplista. Para não citar os casos, por demais conhecidos de Trump, Bolsonaro e de Viktor Orbán, viro-me para a prata caseira. Pela primeira vez, em qualquer intervenção citarei o nome de André Ventura. Abstenho-me frequentemente de o citar ou contrariar para, de qualquer modo evitar oferecer-lhe o que ele quer. Palco e altifalante!
As democracias são regimes frágeis. Durante bastante tempo parecemos ignorar esta verdade. Apareciam-nos como administrações fortes, bem consubstanciadas, até sem concorrentes credíveis no mundo. Tal segurança, pós-guerra fria e queda do muro de Berlim, apenas veio proporcionar, aos seus inimigos, maiores facilidades no trabalho de sombras com o qual foram socavando os alicerces onde se fundava. Como bem defendem em “Como morrem as democracias”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, na época moderna já não são necessários golpes de estado ou revoluções. Elas morrem por dentro, minadas pelo aproveitamento oportunístico de quantos, utilizando as suas imperfeições e limitações, vão fazendo apodrecer as raízes da árvore democrática. Para não me estender muito sobre este assunto, remeto melhor explicação para os casos clássicos de Mussolini e Hitler. Nenhum chegou ao poder por revoluções (aliás, os golpes tentados por eles sempre falharam). Tomaram o poder a convite da direita, hegemónica, governante, a qual, com receio dos avanços das esquerdas, tentaram travá-las aproveitando as forças das extremas-direitas. O seu raciocínio era de uma simplicidade atroz e, como sempre foi demonstrado, falso e perigoso: Precisamos deles para termos o números de votos necessários para mantermos a governança. Nós somos maioritários, eles são apena meia dúzia de rufiões que rapidamente, conquistado o poder, meteremos na ordem. Porém tal raciocínio sempre se revelou falácia. Na realidade, o que aconteceu, foi essa minoria caceteira ter corrido com a direita clássica, através de promessas populares e slogans mobilizadores contra elites e corrupções - que nunca pensaram eliminar ou mesmo combater – levando com eles a população crédula e insatisfeita com a incapacidade, tantas vezes revelada, das democracias liberais não só não conseguirem eliminar o fosso das desigualdades sociais, como, tantas vezes, de proporcionarem o seu alargamento. O mal, efetivamente existe, a cura populista é que não é o remédio para tais males, mas sim o seu superalimento.
- Porque altero a intenção de voto
Se nada se modificar teremos em Janeiro, pelo menos, seis candidatos a concorrer às presidenciais. Três de direita, três de esquerda. A presidência, a não ser que “Cristo venha à Terra”, está ganha por Marcelo Rebelo de Sousa. As restantes candidaturas virão a terreno para garantir o direito à palavra e posicionarem-se, no espetro político, na grelha de partida para as próximas eleições. Parece-me correto e um direito de cada um deles. Portanto, por isto, nada a contestar e ficaria muito tranquilo, guardando o voto para a minha candidata do coração, não fora, nos Açores, o PSD, na ânsia de conquistar o poder ter aberto as portas do inferno. Ao aliar-se com o Chega para derrubar os socialistas, e ao abrir hipóteses de repetir o jogo no continente, está a criar as condições para a subversão do nosso regime democrático. Volto a relembrar os casos italianos e alemães…
Assim, perante jogo tão leviano e perigoso restam-me duas posições para o contrariar, na medida das minhas forças e possibilidades. Ou a esquerda, aproveitando embora, individualmente, o tempo de campanha, se une ao redor de um candidato com melhores possibilidades de obter votação expressiva, ou, tendo em conta que o mais relevante será distanciar o/a candidata de esquerda do da extrema-direita, terei de, pessoalmente, tomar a decisão de votar eu, naquele que estiver nessa situação.
Até ao momento e nada me diz que venhamos a assistir a alteração de monta, esse lugar é ocupado por Ana Gomes. Que me desculpe Marisa, mas, pelas razões aduzidas, o meu voto não poderá ser para ela.
Publicado in "Rostos On Line"