Está proibido o Covid nas Escolas
Estou tranquilo. O Ministério da Educação deve ter feito sair um Decreto que proíbe, definitivamente, o Covid de entrar nas escolas.
É isso que depreendo, após os anúncios de extensão do estado de contingência a todo o país, da proibição de ajuntamentos de mais de dez pessoas, do máximo de quatro clientes em pastelarias, cafés ou restaurantes, nas proximidades das escolas.
Também me agrada, sobremaneira, a decisão de expurgar os professores do teletrabalho, embora se pense em reativar e alargar ao ensino secundário a tele-escola. Sou, como todos sabem a favor das discriminações e acho bem que todas as classes profissionais possam ter acesso ao teletrabalho e os calões dos professores, de grupos de risco, se quiserem tomar precauções – para eles, no pensamento(?) do Ministério verdadeiramente excessivas – deem faltas, metam baixa, percam remuneração. Está correto! Como todos sabemos trabalham pouco e ganham bem.
Depois do trabalho insano do Governo em reduzir o número de alunos por turma, para cumprir o estatuído sobre distanciação pela Direção-Geral de Saúde; do aumento exponencial de pessoal auxiliar para fazer frente ao acréscimo de trabalho trazido pelas necessárias e contínuas higienizações; dos milhares de testes prévios feitos a alunos, professores e restantes funcionários, é muito má vontade dos docentes pretenderem defender a sua saúde, as suas vidas e de familiares. Quem se julgam eles?
Apesar do número de infetados estar a aumentar diariamente, de sabermos que muitas escolas ou partes delas irão encerrar nos próximos tempos para contenção epidémica, devemos estar tranquilos. O Ministério, ao arrepio das normas que diz recomendar, fará nelas absolutamente o contrário, na certeza de que, as precauções definidas para todo o país, serão ali desnecessárias, quer por as escolas serem, por sua natureza imunes a tais minudências, quer porque o Ministério, como disse no princípio já fez certamente sair o decreto a proibir o Covid de lá entrar. Se algum aluno aparecer contaminado terá sido seguramente por não ter tomado as devidas precauções em casa, no café, nos transportes ou porque, vá-se lá saber porquê, fugindo â regre de distanciamento nos recreios, de forma inesperada o quebraram para cumprimentar amigos ou respirar um pouco melhor, sem o cheiro a desinfetante da máscara.
Sejamos sérios. A epidemia está a crescer. As escolas não foram preparadas para esta situação excecional; o Ministério, cujo ministro é uma constante ausência, confia desabaladamente em Nossa Senhora de Fátima para proteger as inocentes criancinhas. Ao contrário do que poderão pensar, julgo necessário o retorno a aulas presenciais. No entanto, volto a cingir-me às diretivas governamentais e da DGS, não me parece que tais medidas tenham sido, ou venham, a ser implementadas nas escolas. Numa espécie de tudo ao molho e fé em Deus, mandam-se os alunos, professores e restante pessoal para a fogueira e logo se vê no que dará.
Depois, se tudo correr mal, como é muito possível, tomaremos as medidas adequadas, culparemos as direções, lamentaremos profundamente as vítimas e estaremos livres duma série de professores envelhecidos e doente a preços módicos. Além disso, nesta altura, mesmo que diminuíssemos o número de infetados já não vinha a tempo de salvar o Turismo.
Publicado in “Rostos On Line”
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Sobre a Festa do Avante
Para que não haja dúvidas informo os putativos leitores de que não sou parte diretamente interessada neste “caso”. Fui a todas as festas até à mudança para o recinto onde hoje decorrem. Desde aí nunca mais as frequentei. Não tentem encontrar nisto algo de ideológico ou de repúdio pela Festa. Ela foi um dos mais valiosos eventos culturais do País durante muito tempo. Depois, com a proliferação de festivais e concertos terá perdido um pouco esses louros, mas continuou a ser muito importante, como acontecimento cultural, e não apenas para os comunistas. A razão para deixar de participar tem apenas a ver com o pouco gosto que tenho pela condução e porque, no primeiro ano de Atalaia me vi metido em engarrafamentos monstruosos e na dificuldade de estacionamento. Assim, por este desgosto, por preguiça, por substituição e pela recordação do difícil trânsito, desabituei-me e nunca mais fui.
Desculpem-me esta longa justificação, porém ela é importante para me situarem na posição que tomo.
Primeiro o PCP tem toda a legitimidade para fazer a sua Festa. Terá, contudo , de limitá-la às prescrições da Direção Geral de Saúde, as quais parece está a acatar.
Segundo discute-se a sensatez de se a deveria fazer neste momento de Covid-19.
A discussão é justa, faz sentido e, teremos de considerar que o perigo de ali nascer qualquer surto é real. No entanto, também o é nas praias, nos transportes, nos restaurantes e no trabalho, assim como em inúmeros locais por onde transitamos e que seria fastidioso enumerar.
Por quê então tanto ruído. Se pensarmos que muitos dos que se revoltam contra a efetivação destas festas são aqueles que defendem a assistência a futebóis, touradas e outros eventos, bem como da revolta contra a prescrição do uso de máscaras, ficamos desconfiados que tudo isto resulta apenas por ser o PCP a realizá-la. E aí somos transportados para a desconfiança de que razões obscuras (ou nem por isso), diferentes das sanitárias apresentadas, estarão por detrás desses clamores.
O Covid veio para ficar. Enquanto vacinas e medicamentos atuantes não sejam produzidos e distribuídos, teremos, em qualquer passo da vida, mesmo em nossa casa, de conviver com o risco. Sabem, a vida é tão perigosa que até conduz à morte. É e será sempre uma questão de cálculo entre o risco a correr e o benefício a usufruir. Isso é coisa que dependerá do juízo de cada um.
Na minha opinião – e nada vale além disso – teria havido sensatez se o PCP se tivesse decidido por qualquer outra forma de festividade e participação. No entanto tal é decisão que só às suas estruturas cabe tomar. Por elas terá o prémio ou castigo que o povo considerar merecerem. O PCP tem toda a legitimidade de levar a sua festa Avante! As pessoas têm o direito de ir ou não ir, assim como podem continuar a viver ou, por medo, enterrarem-se em casa cortando todos os laços sociais, porque hoje, até respirar é perigoso.
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setembros II
I
aguardo agora a passagem da paz sobre o colibri do tempo
tumultuosos de imensidão doem-me os espaços
aqui te espero e me perfaço
alguém me disse
a hora de partir é um inverso sorriso
dolorido no momento
em que prantos mordem por dentro das vozes
tal um substantivo estala lentamente no real dos dentes
e adormece recalcando a luz e o olhar
aguardo calmo o tempo
de parar
II
estudas vagamente o lento traçar das pernas
espontâneas as coxas sobrenadam
recolhidas nas memórias
resides nessa messe subtil e recortas o recôndito do sexo
pleno exercício de perfeccionismo
quando te dás e és meiga generosa e pensativa
encontro-te por vezes no todo onde resisto
lugar de movimentos e recusas
procura imediata de tudo quanto é novo
inocente e pleno e montado na loucura das palavras
setembro avança e as notícias vagamente vão chegando
III
há quanto tempo espero o teu sinal
égua de vento carrossel de chuva
e preparo as imagens que se perdem nos amados setembros
entre as muitas águas da realidade
dizes-me
em setembro meu amor iremos aos campos
onde as borboletas se amaram com doçura e se extinguiram
pequeno fogo que ilude as madrugadas e o céu é pasto
de mansas estrelas iniciais
pedes-me mudamente que te espere
contas histórias incompletas e heroicas
produzindo os alicerces da minha catedral
porque me falas de setembro
se todas as sombras estão paradas
e desmoronadas pelas frinchas da tristeza
as paredes escurecem em prematuros invernos
vesperais
que nada tivesses dito por setembro
e me fosses interdita meu amor
nem teimasses em parecer possível
ó irrealizável alvorada de azul transparente e completa
tonta gazela que te esvais nos moinhos das palavras
quando desapaixonada comentas
em setembro lembro-me da morte
e fechas os olhos contra a almofada
e calas o medo das tardes
por enquanto doces e doiradas
e do vento fresco nos ocasos
pensados em abismos sobre os olhos
melancólicos e trágicos de nuvens
plantadas à porta dos sorrisos
IV
em setembro longe das promessas por fazer
ou dos sonhos por cortar
construí esta história nas asas dos ventos minerais
em setembro não vieste o sonho desfazia
em setembro entre raivas e esperanças
o tempo por demais se consumia
carlos alberto correia, "penélope e outras esperas", ANES, Lisboa, 1982