O Distanciamento social, claro!
"imagem recolhida no Face Book"
Nós, portugueses, somos assim. Ciclotímicos! Passamos da euforia à depressão e vice-versa, mais depressa que um Ferrari vai dos 0 aos 100. Embandeirámos em arco com êxito na primeira fase da luta contra o Covid, perdemos a cabeça com o surto extemporâneo de Lisboa e Vale do Tejo. Como também é nosso apanágio mais que tentar resolver o caso partimos numa cruzada para indiciar culpados, sacudirmos a água do nosso capote.
Como foi profusamente informado e fez caso nos média, o primeiro ministro perdeu a serenidade. “Mandou vir” com a ministra da saúde e, desalentado por o seu discurso sobre a testagem ser contrariado pela comunidade científica, abandonou intempestivamente a reunião no Infarmed, deixando uma ministra encabulada, os técnicos perplexos, o Presidente em estupor, a pensar como resolveria a situação. Pois! A linguagem científica não é, nem pode ser a mesma dos políticos. É difícil acomodar as dificuldades de investigação, com a leveza, feita de forçada ingenuidade, do discurso cor-de-rosa pronto a servir no noticiário das oito, para deixar o povo tranquilo, pensando menos em epidemias e custos de vida e trabalho, refastelando-se no prazer que eu, por estúpido, não entendo de sermos o País de estatísticas exemplares, a merecer a subida honra de albergar a mais triste final do campeonato europeu, a decorrer dentro de pouco tempo.
A pergunta que qualquer cidadão de bom senso fará é, certamente, como chegámos aqui. Tentemos analisar, ainda que com alguma superficialidade, o percurso seguido.
Embora com algum atraso, mas com coragem bastante, recolhemos a casa, vimos e apoiámos os esforços do Governo para adquirir meios, equipamentos, pessoal, para fazer frente à tempestade a desabar - já não subitamente, beneficiários que fomos de dramáticas experiências de outros países – sobre nós. Medo e esperança constituíram os ingredientes necessários ao objetivo traçado (achatar a curva). Com os esforços de toda a gente, confinados e os que ficaram nas trincheiras a combater o invasor, fizemos um figuraço. Portámo-nos bem! Recolhemos os créditos.
Mas aí um fantasma agigantava-se. Estávamos em Junho. A época alta do turismo aproximava-se e muito boa gente temia perder boa parte dos réditos antecipados. Por outro lado a economia inquietava-se, ressentia-se, chamava a atenção, tinha ciúmes da saúde. As pressões dos lóbis sobre os governantes deve ter sido intensa. Tanto que, a despeito de ter sido afirmado que só desconfinaríamos quando o índice RT estivesse abaixo de 1, esquecemo-nos deste limite e lá fomos para os afazeres diários com um índice de 1,1. Poder-se-ia prever o risco inerente a esta decisão. Talvez se tivesse previsto. Dou de barato que os mandantes, pesando os termos, tivesse decidido pelo aumento marginal de casos, diminutos, controláveis. Assim, um pouco triunfalmente fomos mandados sair de casa, aconselhados a lavar as mãos, usar máscaras, manter o distanciamento social. Tudo bem. Parecia razoável. O pessoal já não aguentava mais tempo fechado, a economia fazia sentir a sua premência e, como bem foi dito, sem produção não há saúde que aguente.
Até aqui nada de substancialmente errado. Podia concordar-se ou discordar-se, mas as decisões eram racionais, compreensíveis. Mas então aconteceu o “impensável?”. A pandemia recrudesceu em força, sobretudo situando os seus malefícios em Lisboa e Vale do Tejo! Impropérios, por quem de direito, devem ter sido ouvidos nos lugares próprios. Exortações a descobrir os focos de infeção, também não devem ter faltado. No entanto, apesar de tudo isto, nada se descobria, nada dava resultado visível. Estariam os fados a conjurarem-se contra nós? Fartos da nossa “húbris” desfechariam as potestades o seu raio raivoso a atingir-nos em tempo e locais tão perigosos aos desígnios turísticos da nação que dele se alimenta?
Surgiram os discursos justificantes. A construção civil, as empregadas domésticas, a festa em Odiáxere, o , talvez excessivo, número de testes em relação a países menos honestos a concorrerem pela quantidade de turistas. Durante uns dias a explicação pegou. Porém, análises mais coerentes, distanciadas de interesses e poderes, vieram mostrar o peso relativo de tais explicações. A construção civil nunca confinara, as empregadas domésticas sempre trabalharam (que outro remédio teriam?), e o raio dos técnicos tiveram a ousadia de desmentirem o tão conveniente discurso da quantidade de testes a explicar tudo e mais algumas botas. Ah! Não devemos esquecer a tentativa desesperada de condenar e responsabilizar as festas (inaceitáveis) de jovens, permitindo manifestações e congéneres. Isto, por certo, baralhou um pouco o discernimento das gentes.
Aquilo que nunca passou pela cabeça dos nossos dirigentes, confesso que seria extraordinariamente difícil de por na equação é que, enquanto confinados, os 50% de transportes em funcionamento – com o restante pessoal em lay-off – podendo ser suficientes, seriam, após o desconfinamento, altamente deficitários. Eu entendo a extrema dificuldade desta perceção. Mesmo eu, escriba que se quer honesto, andei de cabeça tonta à volta do problema, levando tempo para descortinar esta, que é uma – não a única - das causas suficientes. Talvez, ingenuamente, o Governo tenha pensado que, ao dar ordem de soltura as empresas de transporte, eivadas de moral social acima do cálculo, chamassem o pessoal em lay-off, aumentassem o números de veículos e, sem mais, não deixassem ultrapassar os dois terços máximos de lotação, necessários à salvaguarda da saúde dos utentes. Mas, senhores ministros! Ainda não perceberam que o coração, a moral, da maioria das empresas é uma folha de cálculo? Pensavam que, de motu-próprio, acorreriam a prescindir da renda paga pelo Estado, a arriscarem menos lucros, ou mesmo alguns prejuízos, aumentando de imediato o transporte de molde a poderem cumprir o indicado, por Vexas, como máximo de lotação? Francamente, nem eu serei tão ingénuo.
E depois, também eram desconhecedores da cintura de pobreza e degradação habitacional dos arredores de Lisboa. Acredito! Talvez nunca por lá tenham passado e, ocupados como estão, nem têm tempo para ver telejornais. Porém eu vejo-os! Pasmava com as descobertas de positivos mandados para casas sem condições onde, na espera, infetariam todos os residentes, que iriam infetar quem se apertava com eles nos transportes, que por sua fez fariam a inseminação do vírus nos locais de trabalho e a seguir iriam infetar quem com eles se cruzassem nos tais transportes a 50%, nos supermercados, no bairro, no café, na habitação! E estão admirados de não descobrirem as origens do surto? Tivessem vocês tempo e teriam visto, uma destas noites, na Televisão, um gráfico a mostrar as regiões onde o vírus se passeava. Nunca, mas por nunca ser, me lembraria daquilo que vi. Não é que a mancha se distribuía, quase homogeneamente, ao longo do traçado da linha de Sintra? Inacreditável!
Bem, poderia estar a estender estas perplexidades por um ror de casos. Porque o espaço é “valioso” e a minha paciência curta, vou terminar deixando, como convém às histórias infantis, uma moralidade. Não podemos ceder à ganância de interesses privados. Entre eles o turismo, -não único, mas citado por, em minha opinião, ser um dos que mais peso teve para que o desconfinamento fosse feito de tão apressado modo, aceitando riscos demasiado grandes - o qual, no receio de perder avultadas verbas na estação alta, queria, mesmo à custa da mentira e do descalabro, manter vivo na ideia da estranja, sermos o paraíso “Covid safe”. Por isso havia de declarar-se, ainda que com indevida antecipação, a normalidade possível. Assim o quiseram, assim o impuseram e, como as cadelas apressadas parem os filhos cegos”, a cegueira desceu sobre todo o discernimento, abrimos as portas a riscos até aí evitados e glória das glórias, por receio da perda de alguns recebimentos de turistas mais receosos, por pura ganância, vamos perdê-los quase todos, estragámos o bom trabalho feito e vamos ver quanto isto vai custar-nos mais quer em termos económicos, quer em saúde, morte e infortúnio.
Já me esquecia! Como em todos estes casos, vão ter de aparecer responsáveis, de rolar cabeças. Conhecendo a justiça destas situações posso alvitrar que haverá mão pesada para todos os interveniente. Exceto, como é natural, para os verdadeiros culpados.
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A folha de nenúfar
Carl Sagan referia-se ao nosso planeta, visto do espaço, como “o pálido ponto azul”. Um astronauta, do qual não me recordo do nome, afirmou “do espaço não se veem fronteiras na Terra”.
Destas duas abalizadas afirmações quero partir para falar, não sei bem se de pandemias, ambiente, globalização, sociedades, civilizações, um nunca acabar de classificações redutíveis a uma única palavra: Humanidade. Pois é disto que se trata. Antes de avançar recordo um documentário, visto há muitos anos, seria pela minha longínqua adolescência, o qual me impressionou vivamente. Tratava-se de uma colónia de um qualquer inseto, semelhante a joaninhas, mas de cor verde esmeralda (algum biólogo os defina) a viver, em folha enorme de nenúfar, num lago. A ausência de predadores permitiu à colónia evoluir em número até ao momento em que o seu sucesso se transformou em tragédia. Pela quantidade, por se alimentarem dessa folha onde habitavam, a mesma perdeu a capacidade de suportar alimentação e peso, afundou-se no lago, levando com ela toda a próspera colónia que tão desequilibradamente nela progredira.
Se descobrem aqui alguma metáfora comparável à posição da Humanidade sobre a Terra, estão de parabéns. Acertaram completamente. Nascemos humildes mamíferos à disposição de predadores poderosos. Através da inteligência conseguimos prosperar, dominá-los, exterminá-los, domesticá-los, pô-los ao nosso serviço. Como mandava a Bíblia, povoámos a Terra, só não tivemos cuidado. Cientes de, como espécie, em todos mandarmos, tudo dominarmos, explorámos sem freios quanto estava em terra, no mar ou no ar. Crentes do nosso poder vamos esgotando o meio que nos sustenta. A consciência dos perigos advindos de tais comportamentos começa a ser visível. Muitas vozes bradaram no deserto, como habitualmente, sem serem ouvidas e quando o foram, minimizadas ou mesmo ridicularizadas. Ninguém se queria dar ao incómodo de parar, perceber o absurdo de crescimento continuado num mundo de recursos finitos, numa ânsia crescente de acumulação com vista ao domínio de poderes efémeros, pertencentes a indivíduos, prejudiciais ao conjunto. Assim vamos vivendo, ouvidos tapados, vozes incómodas amordaçadas, impantes do nosso saber, cegos às limitações.
Construímos coisas belas, é certo. Descobrimos saberes profundos, sem dúvida. Esquecemos porém sermos uma espécie entre muitas outras. Nunca quisemos pensar que seríamos, a continuar assim, uma praga para a Terra e o planeta, que já extinguiu noventa por cento das espécies alguma vez existentes, pouco se preocupará com a sorte que estamos a talhar para nós. No entanto, talvez por misericórdia, de vez em quando, manda-nos um aviso. Diz-nos ser o nosso saber fraco, sermos uma espécie, apesar de resistente, com fragilidades várias e não estamos isentos de nos acontecer algo semelhante aos insetos a viver na folha de nenúfar.
Isto conduz-nos – velozmente, com grandes hiatos narrativos – ao presente e à pandemia. Das teorias da conspiração até à estupidez de muitos governantes e gentes tentamos racionalizar e resistir a este ataque feroz a por em causa muitas das nossas formas de viver. Primeiro diz-nos que a contínua devastação de espaços naturais, de ocupação de habitats de espécie selvagens, de utilização de recursos está errada, põe-nos em perigo, revela estarem as epidemias a aparecer cada vez mais próximas no tempo, cada vez mais alargadas no espaço. Sem querermos ser profetas da desgraça, nem sequer serem precisos grande dotes divinatórios, podemos perceber, se não mudarmos de procedimentos, outras epidemias maiores, com maior brevidade virão visitar-nos. Nem sempre seremos capazes de resistir em termos sanitários e económicos a todas. Nalguma poderemos ver a folha a afundar-se. Como alguém, com sensatez disse, isto é uma pandemia, não é um milagre.
O milagre acontecido foi, durante o tempo de confinamento, o mundo recompor-se de algumas maldades feitas. As cidades desertas, os carros parados; os céus livres de aviões: O ambiente rapidamente agradeceu. Porém, se continuarmos a proceder como até aqui, com esta economia depredadora, muito brevemente voltaremos ao mesmo, ou estaremos pior. Sei ser muito problemático quebrar o ciclo de produção a reger-nos, que trouxe inúmeros benefícios em todos os campos, mas, como tudo, tem erros que é necessário emendar, limites que é imprescindível impor. Se nos mantivermos do mesmo modo nada de bom poderemos esperar. Se é difícil mudar? Certamente será, tudo tem os seus custos. Mas, somente ao correr das teclas, por exemplo, se deixássemos de fazer voos entre cidades do continente, utilizássemos comboios rápidos elétricos, guardássemos os aviões para voos intercontinentais ou para ilhas, quanto de poluição pouparíamos, quanto de qualidade de vida conseguiríamos, quantas pandemias evitaríamos.
Ah! Pois, os interesses! Aí reside a urgência de mudança, isto se quisermos, como espécie, sobreviver!
Publicado in “Rostos online”