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Desculpem lá!

Domingo, 31.12.17

 

 

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Este não será o mais apropriado tema para a noite de ano novo, porém, alguma preguiça e vários afazeres, têm-me feito procrastinar o alívio verbal de um incómodo a aguilhoar-me com persistência. No entanto, o artigo do Expresso, de ontem, de autoria de Ricardo Costa, “O caso em que Angola tem razão sem a ter”, obrigou-me a sair do casulo e a debitar palavra.

 

Em tom cauteloso de balanço, o articulista foi mostrando os prós e contras das posições de Angola e Portugal, sobre o caso no qual o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, é arguido de corromper um magistrado do Ministério Público.  No seu todo o artigo expandia razões a favor de Portugal – a independência do Ministério público – e de Angola, nascida do putativo direito de cada país independente ser livre de habilitar qualquer dos seus representantes, com imunidade diplomática. Indiscutível qualquer um destes direitos! No entanto…

 

No entanto nem tudo o aceitável, nos campos políticos e diplomáticos, o é, em termos de ética e direitos humanos.

 

Sejamos mais explícitos!  Recordam-se do caso do embaixador do Iraque? Pois, os jovens energúmenos, habituados à cultura do posso, quero e mando, provenientes de sociedade onde os direitos humanos são uma treta e a diferença e submissão cultural campeiam, talvez tenham levado um ralhete do pai – obrigado a indemnizar, por acordo, o agredido – mas, imunes como eram, lá ficaram livres para fazer coisa semelhante em qualquer outra república das bananas, que aceite o crime civil a troco de qualquer suposta boa relação entre nações. É claro que isto, que parece ser do mais trivial bom senso, não passa de má ficção. Se bem me lembro de algumas noções básicas de ciência política, as nações não têm amigos. Negoceiam interesses e fazem alianças conformes as suas conveniências. Pode, por isso, o amigo de hoje ser o adversário amanhã, independentemente de se respeitar ou estar nas tintas para as imunidades políticas, as quais foram criadas para servir situações bem diversas de malfeitorias individuais.

 

Se levarmos ao extremo o valor imunitário de postos de mando e diplomacia, teremos de condenar os Tribunais de Nuremberga e de Haia, por desrespeito a tais prerrogativas. Soa um bocadinho absurdo, não é verdade?

 

Claro que, no caso da corrupção do magistrado, não está em jogo um crime contra a humanidade. Mas, com imunidade ou sem ela, corrupção é sempre corrupção e são somente interesses particulares que estão em jogo, independentemente da qualidade dos intervenientes. Ou por outra. Quanto maior a qualidade de representação de cada um, maior deverá ser o ónus a suportar pelo cometimento de qualquer crime.

 

E a provar-se ser verdade o suborno anunciado, estamos perante dois criminosos a tripudiarem sobre a lei por interesses particulares! Daqui ninguém me tira!

 

Portanto, sabendo ser a política a arte do possível, mas defendendo nem tudo ser aceitável, não consigo perceber porque não poderá o Estado Português, lesado no negócio entre os acima citados, perder o direito de levar a juízo quem contra a sua lei prevaricou. Ah! Dizem-me! Mas ele foi governante de Angola e nenhum país soberano gosta de ver os seus representantes alvo de arguições judiciais de qualquer outro país. Para além disso temos muitos emigrantes em Angola e um enorme montante de negócios, contratos e tratados. Isso que tem? Perguntam o Direito e a Ética. Perde-se muito dinheiro, relações e influência. Podemos mesmo ser substituídos, nos negócios, pela França ou por Espanha, respondem políticos e financeiros. Bem, bem, bem! Não sou ingénuo e conheço razoavelmente o mundo da finança. No entanto reparo que estes últimos, fazendo orelhas moucas ao Direito e à Ética, conduziram e estão a conduzir, o mundo para um futuro desgraçado. É num mundo assim que querem viver? Um negócio vale mais que um direito?

 

Então em que ficamos? Para mim é muito simples. O presumível corrompido é português e o facto ocorreu em Portugal. Ambos devem ser julgados aqui, ainda que algum à revelia. Provado o facto, condenado o homem, se Angola persistir na sua posição – e sabemos que também lá a classe dirigente não se obriga às mesmas leis dos mortais comuns – resta sempre a possibilidade de emitir um pedido de captura internacional. Desde modo, o importante senhor -  que não pode ser julgado pelos maus atos cometidos – poderá andar livre em Angola, mas, se sair para qualquer outro país, correrá o risco de passar pelo que Pinochet passou.

 

É que, meus senhores, mesmo neste tempo conturbado em que vivemos, não poderá valer tudo… mesmo tudo.

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publicado por Carlos Alberto Correia às 19:17