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Demita-se a “Providência”

Domingo, 02.07.17

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A palavra providência é um tanto ou quanto ambígua. Tanto pode referir-se a previsão de situações futuras, como a não antever evento nenhum, não tomar qualquer precaução e confiar que o sagrado conduza, sem nossa inquietação e mínimo de esforço, coisas e seres a fins benéficos. Embora se possa confundir e seja muitas vezes considerada sinónimo, convém diferenciar de “Previdência”, nome primitivo atribuído ao que hoje chamamos de Segurança Social e que, no espírito da época e na nossa especial relação com as divindades, estava muito bem-posto. É que no que toca a prevenção, o tuga sente-se dispensado de tal esforço.

 

E tem razão!

 

Primeiro somos uma cultura de desenrasca, de guarda para o último momento, do alguma coisa há de aparecer. Isto porque somos muito mimados. Somos o povo de Nossa Senhora de Fátima e dos três pastorinhos (agora reduzidos a dois, por eclipse de Lúcia, que deve ter cometido o feio pecado de viver demais e, se calhar, deixar-se tomar por algumas pecaminosas dúvidas, ou talvez os segredos fossem menos valiosos ou menos segredos do que o esperado). De qualquer modo, quem dispõe de semelhantes proteções, pode bem passar sem prestar culto a algo tão pragmático e rasteirinho como dar-se ao trabalho de prevenir acontecimentos desagradáveis, os quais podem bem nunca ocorrer. Estão a ver o desperdício, a subida do deficit, o nervoso miudinho dos mercados!

 

Por isso confiamos e deixamos ao céu a obrigação de nos proteger. Compreende-se assim as surpresas, os gritos estridentes de quantos, desinvestindo fortemente em quanto é social, apenas apoquentados pela subida do PIB e a descida do deficit, esperam que os nossos santos protetores façam o seu trabalho, nos livrem de maleitas, furacões, tremores de terra e outras coisas mais, enquanto nós, no ripanço, vivemos o dia-a-dia sem preocupações de acontecimentos futuros, além dos citados indicadores económicos.

 

Depois, quando o céu não nos responde ou se distrai e deixa cair-nos em cima qualquer calamidade é o aqui d’el-rei. Pedem-se cabeças de ministros, castigos dos responsáveis, tomadas enérgicas de medidas e políticas corretivas. Durante dias, talvez semanas, não se fala, não se ouve, nem se vê mais nada. O País foca-se na desgraça, arrepela-se, entra de luto e depois… esquece.

 

Devo esclarecer que o papel do luto é precisamente o de atenuar a lembrança, permitindo ao vivente, estabelecer nova identidade onde o já acontecido vá perdendo força e permita reestruturar a vida, ajeitando o sistema, à existência com tal falta. Por isso não nos escandalizamos com os sucessivos esquecimentos e nos admiramos que anteriores responsáveis, com bastas culpas no cartório, venham a terreiro feitos virgens inocentes, a clamar pelas cabeças de quem apenas deu continuidade aos seus feitos.

 

De repente, talvez haja excesso de trabalho no céu, estejam as tarefas a ser executadas por estagiários – os nossos pastorinhos (dois) só agora obtiveram contrato definitivo – Nossa Senhora de Fátima esteja absorvida por tarefas domésticas ou ensinando os novéis santos a milagrar – caíram em cima duas faíscas de alto lá com elas. O fogo de Pedrógão, com as mortes a lamentar, e o caso vexatório do rato ir comer ao prato do gato, em Tancos. E pronto! Foi a exclamação geral, os enérgicos protestos dirigidos a todos e ninguém, o afasta-te que a culpa é tua, eu fiz tudo bem, a gargalhada de assumir responsabilidades políticas sem que aconteça coisa alguma (a propósito e antes que alguém venha fazer mais ruído não se esqueçam que a primeira vez – que me lembre – que tal aconteceu foi com a então ministra da justiça Paula Teixeira da Cruz no grande plof! do encerramento dos tribunais).

 

O que pouco se fala ou se vê é como, com o verão a caminhar, a humidade a descer, o vento a soprar, os pinhais e eucaliptos por emparcelar, os sirespes por funcionar, vamos arrostar com o período de incêndios caso os nossos protetores celestes se mantenham distraídos ou cansados de aturar tanta imprevidência. E já agora, que dizer de um chefe do estado-maior que exonera os comandantes de batalhões ou regimentos e se esquece, como primeiro responsável, de apresentar, honrosamente, a sua demissão?

 

“Ah! Se calhar estará a preparar uma providência cautelar”!

 

E para o ano, amigos, companheiros, camaradas, concidadãos, compatriotas e visitantes, por esta altura, aposto, estaremos de novo a discutir as mesmas coisas, ou outras semelhantes. Como diz o velho ditado: “só se lembram de Santa Bárbara quando faz trovões.”

 

Oh! Diabo, a santa que me perdoe, mas tinha-me esquecido desta.

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 19:43