AMANHÃ, DEPOIS… E DEPOIS
Amanhã Trump pode ser, ou não, eleito presidente dos Estados Unidos da América.
Desta incerteza restará, porém uma forte certeza: o dia seguinte será para muitos anos o início de uma América diferente, dividida entre a modernidade das grandes urbes e a ignorância, mais profunda que a profundidade dessa América interior, branca, pobre e inculta, para quem Obama não nasceu nos Estados Unidos, é muçulmano, terrorista, além de, por causa do “obamacare”, de que são diretos beneficiários, ser também um perigoso comunista.
Por outro lado, a juventude, desconfiada da bondade das elites políticas, sobretudo das dinásticas, olha com desconfiança para Hillary, marcada pela nobreza republicana dos Clintons e quejandos oligarcas da “esquerda” americana. Fartos de crises, desconfiados dos políticos e de quem os suporta financeiramente, olhando descrentes para o futuro, não percebem bem porque hão de votar em alguém que comunga dos créditos daqueles que conduziram o mundo ao caos em presença.
Tudo isto poderia ser apenas a resultante de pensar demasiado em eleições num país que não é o nosso, mas não é! São eleições que não só demonstram o estado desse país, como, indo mais além, nos apresentam o doloroso caminho por onde o nosso mundo se obstina.
Faz hoje parte dos conhecimentos de qualquer ser humano normal, saber como as inovações tecnológicas alteram as relações sociais e, concomitantemente, as políticas. A facilidade de comunicação permitiu tornar o mundo mais pequeno, mais próximo. Isso é, indubitavelmente bom. Não há, porém nada de humano que, como Janus, não se apresente, no mínimo, com duas faces. A face mais obscura deste notável avanço foi o aumento, em tempo e espaço, da circulação dos capitais. As fronteiras (no caso a sua ausência), que a muitos, mesmos na União Europeia, tantos engulhos causam pela livre circulação de pessoas – nem sequer estou a pensar nos refugiados – as fronteiras, repito, tornam-se inexistentes para os capitais à procura de paragens menos complicadas, mais propicias ao seu rápido crescimento.
A esta facilidade juntou-se a, um pouco mais trabalhosa, deslocalização industrial para o terceiro mundo, na procura de custo menos elevados para proporcionar à gente ocidental a possibilidade, querida infinita, de consumir cada vez mais pagando menos, de elevarmos os dividendos acionários. Nós por cá, cheios de pena de tão deserdados seres, pensando apenas em como poderíamos dispor de tantas mais coisas ao preço da chuva, assobiamos para o lado, esquecidos de que fábrica transitada para um local era desemprego garantido em outro e por aí fomos alegres e contentes, deslocalizando, desregulando, até, na forma de crise, vermos o nosso modo de vida ameaçado. Não é que mais que ameaçado ele não estivesse já condenado. O bem-estar das social-democracias baseava-se na pobreza endémica de vastas regiões de África e Ásia, primeiro como colónias, depois, independentes, como fornecedores baratos de matérias-primas e mão-de-obra. Era tão conveniente! Nós até lhe permitíamos melhorar a vida em troca de bens e esforços que eles tão agradecidamente cediam. Porém, é sabido, nem há bem que sempre dure, nem mal que sempre se ature, e os solícitos fornecedores começaram a sentir-se espoliados, a requerer o seu lugar no banquete. Aí foi uma carga de trabalhos. As coisas que iam tão bem encaminhadas começaram a dar para o torto. Incapacitados para atingirem quem de longe os feria, como é epidémico costume, atingiram quem estava a jeito, mais perto. Com uns empurrãozinho dos ocidentes, gulosos por mais um naco, ei-los, em nome da democracia, que teimam em enterrar nos meles do mais selvagem neoliberalismo, a impelir as gentes para duvidosas primaveras, apenas servindo para desestabilizar ainda mais o mundo, permitindo o fluxo contínuo na produção e venda de armamento, o regresso da guerra fria, onde os principais adversários, se digladiam através de combates dispersos um pouco por todo o lado.
Aquilo que se espera das eleições de amanhã é apenas a continuação (Hillary), ou o aceleramento (Trump) do triste panorama que os nossos olhos vêm e o raciocínio teme. O rápido deslize para guerras de maior intensidade - a começarem dentro dos países - entre possuidores e despossuídos, sempre com o risco de, a partir de qualquer minudência, descambar para mais generalizado e, possivelmente, definitivo conflito entre potências de credos aparentemente diferentes, mas unidos no essencial: a conquista de cada vez mais poder, de maior quantidade de recursos, mesmo que tal custe a sobrevivência humana na Terra.
Tudo isto, que é muito pobre como análise do momento, faz-me retornar a António Sérgio: “uma fronteira é o lugar mais distante onde uma classe dominante consegue levar o seu exército.”
E mais não digo!