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Serei Catão? Serei Cassandra?

Terça-feira, 27.10.15

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As multidões de migrantes, exilados de guerra, continuam a aglomerar-se junto aos muros da Europa, clamando por auxílio, vituperando os ouvidos surdos e os corações empedernidos em estultas contabilizações. Uma coisa é certa: o fluxo não cessará, com o seu cortejo de horrores e mortes, enquanto os conflitos, no outro lado do mediterrâneo, não cessarem. E esses, ao que parece, estão muito longe de qualquer resolução, antes parecendo que por ali se vão criando as condições necessárias para guerras mais dilatadas, demoradas e perigosas. Assim, será bom que pensemos o que fazer com e a respeito das legiões de refugiados.

 

Como esta crónica poderá criar mal-entendidos começarei, à guisa de explicação, por informar que sendo a minha formação em Ciências Humanas, mais especificamente em Antropologia Social, encaro todas as formas sociais, religiões e culturas como realidades relativas e, no plano da análise, de equivalências quase universais. Ressalvado este princípio e pondo em evidência as formas de paridade entre povos e costumes que ele pressupõe, cabe-me, para melhor esclarecimento, enunciar quatros princípios fundamentais:

 

- primeiro: a nenhum homem ou grupo humano deverá ser negado auxílio e solidariedade, na medida das possibilidades do auxiliador, quando dele sejam carentes;

 

- segundo: nenhum uso, costume ou rito poderão manter-se sendo ofensivos das leis do país recetor.

 

- terceiro: não serão criados guetos por proveniência ou etnias, de forma a intensificar singularidades culturais, resistentes à completa e voluntária integração de quantos pretenderem continuar a permanência no País.

 

- quarto: quem se opuser ou não lhe interessar a integração deverá, recebido o auxílio, recomposta a normalidade nas suas regiões, voltar para elas o mais rapidamente possível.

 

Trocando por miúdos. Se o dever de acolher deve ser um princípio universal, não poderá o acolhido agir de modo a praticar atos, justificáveis na sua cultura, mas inadmissíveis naquela que o recebe. É o velhíssimo princípio do em Roma sê romano.

 

Para esclarecer melhor apontarei dois casos, entre tantos possíveis. Sendo embora prática corrente e aceite em muitos locais os rituais da excisão do clítoris ou infibulação dos lábios vaginais, não poderemos, a título nenhum, permitir que tais práticas se tornem usuais nas nossas sociedades. Se não temos o direito de, nas suas terras, lhe impormos as nossas visões sociais, não lhes poderá assistir a faculdade de desrespeitar os direitos humanos vigentes nas nossas. Também será inaceitável contrapor as normas de direito do imigrado – exemplo a “Sharia” – a normas legais instituídas no País que os recebe. Poderá levantar-se aqui uma questão que tem gerado larga polémica. O uso do véu no espaço público. Na minha opinião, e neste caso é só nela que me basearei, não sendo proibidos o uso de outros símbolos culturais ou religiosos, pese embora a conotação existente no uso do véu, não me parece que seja de proibir uns, possibilitando outros. Já, no entanto, não seria aceitável permitir esse uso de molde a cobrir o rosto, dificultando a identificação clara e imediata da pessoa.

 

Levanto estas questões porque os muitos milhares de refugiados ao entrarem em contacto com as nossas realidades podem sentir-se chocados e, ao reagiram, desagradarem às populações residentes, criando conflitos de muito difícil resolução. Vimos como a tentativa de sedentarização de ciganos foi um completo malogro, nascido de formas erradas e inconcebíveis de colocação em alojamentos aglomerados, sem prévia preparação, fautoras da fortificação de regras de grupo restrito, inibidoras de integração natural. Não cometamos com esta vaga migratória que influenciará sempre os modos de estar e viver de todos os mesmos erros cometidos desde sempre e raramente emendados. As razões para tal são muitas e não passam só pelo desconhecimento. Mas isso é uma conversa que nos levaria para outros campos, os quais não estão aqui em discussão. Esta incursão por terrenos tão escabrosos destina-se apenas, com o resultado exíguo que lhe caberá, a por alguma questões sobre o dever de ajudar e as possibilidades de integração, que mais não seja para mostrar àqueles que estão a aguardar que o primeiro conflito estoure para, do alto da sua resistência a tudo quanto é humano, tonitruarem: “eu bem avisei que essa malta só vinha trazer sarilhos” e venha a população, por farta ou mal informada, dar-lhes a razão que não lhes assiste e criar mais um polo de discórdia nos locais onde a humanização deveria imperar. Tal conduziria, por outro lado, a maior radicalização dos imigrantes que, parafraseando e mudando o necessário numa velha frase de um filme de que não lembro o nome, poderão afirmar “ a Europa não existe, eu sei porque estive lá”.

 

 

 

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 17:18

A Quadratura do círculo?

Domingo, 18.10.15

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Como qualquer português não sei ao certo, no dia em que escrevo, qual será a posição de cada partido na ronda marcada pelo presidente da República para a próxima semana. Tão pouco sei o que o presidente irá fazer com essa informação. Gostaria de deixar porém, algumas notas sobre a forma como interpreto a presente situação política.

 

O Parlamento é, por definição, o local onde os representantes eleitos pelo Povo exercem, em seu nome, a soberania. O nosso modelo eleitoral, ao recorrer ao método de Hondt, aponta para a mais larga representação do espetro político, dificultando para tal, a obtenção de maiorias absolutas. E, no meu entendimento, está muito bem pensado. Primeiro porque tende a evitar que toda a Nação seja governada por um partido com maioria de votos expressos a qual, tendo em atenção as contingências eleitorais – abstenções e votos brancos ou nulos, votação nos outros partidos e votos perdidos por formações políticas sem expressão suficiente para entrarem na Assembleia – será sempre a representação partidária/ideológica minoritária de um grupo político/social. Dificultando a obtenção de maiorias obriga os partidos a negociações – cerne da democracia - não permitindo que qualquer forma de pensamento, sempre parcial, domine, em absoluto, os destinos do País. Não sendo a fórmula perfeita vimos, por vários modos, formaram-se algumas maiorias absolutas, as quais, por norma, vieram a ser formas de governo arrogantes, autoritárias, desprezadoras das restantes opiniões e julgando-se no direito, talvez divino, de fazer ouvidos moucos aos restantes representantes que, sendo minoria no parlamento, muitas vezes representarão maiorias sociais, ficadas sem direito a outra opção que não a vontade da força dominante, permitindo que uma forma de pensamento parcial seja vista como a única com legitimidade de expressão e ação. Sou, por isso, contra qualquer maioria absoluta que, a meu ver, na embriaguez do poder, dificilmente fugirá do quero posso e mando, tornando um governo democraticamente eleito numa quase ditadura democrática, a qual só não consegue sempre os seus intentos porque outros órgãos de soberania, como o Tribunal Constitucional e, esquecendo que existe um Cavaco Silva, o Presidente da República, exercem a garantia de respeito pela Constituição.  

 

Das eleições de quatro de outubro saiu um quadro complexo. A coligação de direita ganha as eleições perdendo volume de votos e expressividade. O PS sofreu forte desaire, a esquerda de protesto sobe o número de votos e deputados. Conclusão: a coligação não tem representantes em número suficiente para manter um governo estável. Como PSD e CDS/PP já foram coligados, não têm espaço de manobra para negociar um governo à direita, a não ser que o PS lhe apare o jogo. Nas iluminadas cabeças desta gente que nos tem desgovernado a solução era simples. Como a esquerda não se entende vamos dar uns rebuçados ao PS, mesmo que no fim sejam só fel, ele embarca no jogo e nós continuaremos a governar no espírito da troika a qual, como se fosse deus, está sempre com eles. Saíram-lhe mal as contas e, de novo a arrogância, deitou-os a perder. Fizeram de imediato um acordo de governo sem convidarem o PS para a sua discussão, inebriados de vitória e cegos para a maioria perdida. Quando alguém lhe disse, façam lá as contas. A esquerda unida tem maioria parlamentar, entraram em pânico. Coitados! Nunca foram fortes em aritmética. Nunca acertaram nos valores que preconizavam e defendiam (dívida, deficit, desemprego, etc.). Sempre tudo lhes correu, matematicamente, para o torto. Claro, dominando os meios de comunicação conseguiam voltar o jogo e iludir os incautos mas, pelo desprezo que têm e demonstraram pelo Zé Povinho, lá diriam de si para si, o Piegas engole tudo! E, pelos resultados das eleições, de facto muitos engoliram como boas as patranhas do país mirífico, só existente nos discursos governamentais, desmentidos categoricamente no viver diário das famílias.

 

O desespero instalou-se quando perceberam que a esquerda decidiu deixar de lado algumas relevante bandeiras e fixar-se no mais importante: não permitir a permanência de um governo apenas interessado nos ganhos próprios, no seguimento canino das emanações do diretório político/financeiro da Europa das multinacionais, na venda e destruição desesperadas de quanto pudesse, um dia, dar ao País o direito e rumar no sentido propício para o nosso povo.

 

Aí surgiram as mais disparatadas narrativas. Foi a primeira a da ilegitimidade de um qualquer acordo maioritário à esquerda. Depressa esbarraram na Constituição que não conhecem e despreza. Afinal, nas legislativas, o que elegíamos não era um primeiro-ministro, mas uma Assembleia. Debateram-se, inventaram justificações, mas tiveram de engolir a verdade. Não só era legítimo, como desejável. Perdido esse campo avançaram para o assassínio de caráter pessoal e grupal. O Costa era um traidor e tiveram uma imensa piedade pelo acontecido ao José Seguro. O PCP não era de fiar. Provavelmente, ao enunciar como prioridade não permitir a tomada de posse de um governo vendido ao exterior, apenas se preparava para construir o “gulag” no País. Não tendo pegado esta, porque já tivemos quarenta anos para perceber que afinal os comunistas não comem criancinhas, passaram para uma inventada inconsistência do Bloco de Esquerda. Também não conseguiram o efeito premeditado. Vieram logo os seus ideólogos à carga com duas munições de peso: o PS não podia fazer qualquer aliança (a não ser com a coligação e nos estritos termos que esta quisesse) porque não anunciara na Campanha que o iria fazer; tais acordos a serem estabelecidos teriam de indicar que seriam para garantir um mandato de quatro anos.

 

Aqui, confesso-vos pasmei. Primeiro porque tal gente se arrogava a direitos que a outros sonegava. As vontades e acordos de direita eram direito absolutos em qualquer momento, bastando para tal a vontade das partes. Já o voto de esquerda seria diminuído, de menor importância. O votante de esquerda não era cidadão de pleno direito. O seu voto valia menos e a sua vontade era despicienda em relação ao querer e votos da direita. Eles tinham o direito de coligações e acordos sem aviso pré-eleitoral. A esquerda, vá-se lá saber porquê, não mereceria tal direito. Portanto, se o PS pretendia acordos com a Esquerda, teria de proclamá-los antes, ou pelo menos, durante a campanha. Por outras palavras, era inaudita a pretensão de considerar os votos do Barreiro com a mesma força e dignidade dos de Cascais. Sem palavras! Continuando na diatribe da direita não seria aceitável que a esquerda formasse coligação, ou acordo parlamentar, sem ir ao notário fazer declaração escrita de que mudasse o que mudasse, acontecesse o que acontecesse, nada se poderia refletir na política destes partidos. Assim um casamento sem direito a divórcio. Claro, para eles esta regra nunca foi válida. Nem quando PSD e CDS concorreram isolados e, sem nada ter anunciado anteriormente, fizeram uma coligação, nem sequer quando a demissão irrevogável acrescentou crise a crise, causando o disparar do valor dos juros, o problema de assinatura de pacto de estabilidade, por quatro anos, foi requerido. Aqui temos a direita em tudo o seu resplendor. Desigualdade, direitos para mim, deveres para ti, monopólio do poder, sustentáculo para bancos e banqueiros inábeis, especuladores ou corruptos, tudo com fatura apresentada a pagamento ao comum dos mortais.

 

 Andam mesmo a brincar connosco e diria, com o fogo.

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 18:15