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Refugiados

Segunda-feira, 14.09.15

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Tenho recebido, quer em posts do Face Book, quer em mensagens de e-mail, inúmeros pedidos para apor a minha assinatura em abaixo-assinados contra a receção de refugiados em Portugal. Não me admiraria se tais pedidos viessem de gente conservadora ou da extrema-direita. Já o mesmo não posso dizer do número elevado de pessoas ligada às esquerdas, que não só navegam nesse rio, como têm o desplante de me convidarem para - é o mínimo que posso dizer - cuspir sobre as minhas convicções e nos rostos de quantos, fugidos à morte, à depredação de bens e formas de viver, se vêm obrigados a deixar para trás a sua vida e as suas gentes e partem à aventura, sem condições, desafiando a morte, nas frágeis embarcações onde, tantas vezes naufragam sem remédio, em direção ao desconhecido.

 

É sabido que o medo faz ver fantasmas onde só bailam cortinas agitadas pelo vento. Desses receios se valem algumas centrais de intoxicação para introduzirem nos espíritos o temor pelo outro, pelo diferente. Que nos grupos que procuram proteção contra as guerras que os afligem chegam terroristas, dizem. Como se os terroristas não estivessem já por cá e chegados, sem perigo, bem instalados em aviões ou mesmo serem naturais ou residentes legais dos países europeus. Além disso, ainda que viessem - tal seria apenas um problema para os serviços de segurança tratarem - existiriam tão poucos que não seria correto fazer pagar a multidão de justos pelo minguado número de elementos potencialmente perigosos.

 

Quem assina tais dislates está certamente esquecido de quando nós portugueses, nos anos sessenta, por necessidade económica ou perseguição política, demandávamos refúgio nas alemanhas e franças ou, como agora, a nossa juventude tem de procurar fora o trabalho que aqui lhe é negado. Claro, aí vem um dos argumentos, se não há trabalho para os nossos como é que o vamos dar aos outros. Se nos tiram salários e subsídios por que carga de água iremos dá-los a estranhos? Assim, racionalmente, se põe de lado a solidariedade que pedimos para nós e tão facilmente negamos aos outros e culpamos as vítimas, inocentando os carrascos.

 

O problema que bate à porta de uma Europa em vias de desmembramento não é fácil de resolver, concedo. Comporta decisões e contradições bem difíceis de arrumar e perceber. E se olhássemos para o pós-guerra e tentássemos entender como o bem-estar, o estado social, vividos na Europa, foi em grande parte conseguido pela exploração neocolonialista da África, América do Sul e boa parte da Ásia? Isto não nos faz devedores de nada? E se acrescentarmos que as causas primeiras deste êxodo, ainda a iniciar-se, foi provocado pelas guerras financiadas e travadas pela América com a cumplicidade da Europa? Continuamos a não dever-lhes nada? E, para além disso, se vimos um semelhante a sofrer não haverá em nós o pingo de humanidade suficiente para lhe minorar o mal?

 

Tudo quanto observamos são consequências de uma crise submersa, descoberta em 2008, a larvar desde quando a economia deixou de servir o homem e pôs o homem a servi-la. Nada disto vai parar e pelo contrário irá aumentar e acelerar o ritmo de degradação das sociedades humanas. Deixámos instalar a lei da selva convencidos que só afetaria os outros e que nós estávamos resguardados. Pois, como é evidente, não estamos e quanto mais se demorar a aniquilar estes monstros que, em nome do povo, escravizam os povos, não haverá lugar de paz em qualquer parte do mundo. Lembrem-se, amanhã, por qualquer acaso fortuito ou por deliberação de financeiros e vendedores de armas, poderemos ser nós, os nossos filhos, as nossas famílias a peregrinar pelos caminhos do mundo em busca de um lugar onde se possa viver com alguma segurança. Como gostariam de, nesse caso, ser tratados?

 

Então, fiquemos entendidos, não me mandem mais abaixo-assinados contra a humanidade pois não os aceito, não leio, nem subscrevo!

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publicado por Carlos Alberto Correia às 18:33