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A corja

Terça-feira, 11.03.14

 

 

 

Nunca fui grande admirador do Presidente Cavaco, nem sequer enfiei o barrete de considerar como puro acaso o desvio automóvel em direção à Figueira da Foz. Já aí revelou um duvidoso gosto por jogos de ocultação a pretenderem fazer-nos de crédulos idiotas. Como se fosse possível ganhar qualquer congresso sem preparação prévia e sem a vontade do aparelho partidário. Mais tarde, como primeiro-ministro, viria a demonstrar a incapacidade para o pensamento de longo prazo, para estabelecer desígnios nacionais que passassem para lá do restrito grupo de amigos e correligionários. Foi-se afundando da maioria absoluta ao pântano da ponte, passando pela alegre venda das capacidades produtivas do país - na agricultura, nas pescas, na indústria - aos interesses de uma Europa liberal e desumana, mais empenhada na selvajaria das liberalizações irracionais que no interesse global da sua população, ainda crente nos benefícios da cooperação internacional. Depois, como presidente, é o que se está a ver. Uma ausência completa, a mudez do deserto de ideias, a nulidade política, a aceitação de ser presidente de apenas uma parte dos portugueses. Até a única virtude reconhecida, a honestidade, deixou macular com a lama trazida pelos amigos do BPN.

 

O senhor Passos Coelho, por desgraça o nosso primeira ministro, ficou altamente ofendido quando Catarina Martins, lhe recordou as constantes mentiras com que tem suportado o seu governo, a escandalosa falta de vergonha com que nos mimoseia repetidamente naquele que tem sido o mais lamentável dos desgraçados ministérios tidos ao longo desta débil democracia que se vai arrastando, sem brilho nem glória, a caminho da exaustão por descrença nos homens que nos conduzem. Quando, na birra, se recusou a esclarecer uma dúvida legítima e o hemiciclo não se levantou revoltado, acompanhando a retirada dos deputados do bloco, ou pelo menos, reiterando a pergunta e ao fazê-lo desmascarar a vergonha de quem, sabendo desde sempre que mantinha uma mentira, propalava os cortes ditos temporários, os quais eram mais que definitivos. Por isso, o Parlamento, teoricamente a casa do Povo, é também hoje, uma casa desclassificada e sem aceitação popular. Ainda por cima quando, em época de cortes cegos, se deixa aumentar a contra corrente do que acontece àqueles que deveria e diz defender. Não se admire por isso de, por toda a parte, lhe chamarem e os juntarem à corja. Devo notar que, nem mesmo aos partidos de esquerda se ouviu, clara, a palavra indignada e necessária por tal alarvidade. Depois queixem-se que, nas próximas eleições, acabe por ganhar a abstenção.

 

No meio de tudo isto surge-me a pergunta: para que nos serve a Europa e o Euro? Aquando da adesão pensava-se que dessa união nasceria uma sociedade mais bem estruturada, mais igualitária, que tivesse o bem-estar da população como desígnio prioritário. Assim como se esperava que o Euro viesse a permitir um maior progresso e união entre todos os povos europeus. Estultícia! Esquecemo-nos dos interessezinho das grandes corporações. Não vimos como a ganância da nova globalização se preparava para um novo acumular de capital. Como a economia se ajeitava, cedendo o passo à finança, para se servir de novo do homem em vez de existir para o servir. Perdido o grande inimigo, com a queda do muro e do império soviético, sentiu-se o liberalismo livre para despir o fardo da social-democracia e voltar a explorar à vontade os recursos mundiais, sem qualquer espécie de receio ou vergonha. Permite-se assim passar dos limites e rasoirar por baixo tudo quanto é dignidade e qualidade de vida das massas populares. Deste modo para que nos serve estar na União Europeia, no Euro? Apenas para perder soberania e nos defrontarmos com uma dívida impagável nos termos em que a troika prescreve? Tão-somente para perder qualidade de vida?

 

Iniciados pelos partidos de esquerda, exautorados até ao infinito como perdulários e caloteiros, surgem agora movimentos, agrupando todos os leques do espetro político, pedindo o reescalonamento da dívida. Já não era sem tempo. Embora, creio bem, de nada vá adiantar a sonância dos nomes. Passos jurou-o! O empobrecimento é que é! A pergunta a fazer é e será sempre o empobrecimento para quem? Para os que transitam fortunas para os offshores? Para os levam as sedes das empresas para onde os impostos doem menos? Para os que dizem, para aliviar o seu canastro, que a culpa é de todos? Também é minha, pergunto ao ver sumir-se – me direitos e reforma em nome de uma dívida para a qual nada contribuí, em nome da segurança dos bancos que fomentaram a crise?

 

Estamos a chegar ao tempo de dizer basta! E de dizê-lo em todos os modos para que eles possam perceber a grande náusea que nos inunda e nos faz vomitar, sempre que somos confrontados com discursos ou visões dessa corja.

 

 

 

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 20:13

exercício da palavra

Sexta-feira, 07.03.14

 

 

 

na indiferença do medo

saliento as teclas

escalas de albergar

 

 aqui aquiles adoeceu noturno

 

oblitero os débeis recontros

o aspeto das aves

os rostos como cabelos enleados de presságios

 

paciência

 

porque a noite vem de seus encantos 

no aparato dos modos

entre aquáticas madeixas

no abandono dos lugares

 

ganhos os declives

sobram os outonos

 

sou eco e nunca o soube

afago o moreno do tempo

na figura breve dos dedos

decepados em doces relicários

 

marco as noites

escalo cabelos

calo raivosas facetas

em cristais de vidros furtivos

soltando o sol das madeixas

no sombreado das casas

 

nos ganchos das ravinas secarão amoras

debruadas no negro do pão

 

escapo do rombo quadrado dos termos

escalando os ventos

 

no modo de ser gente

pratico nas cordas menores

descubro a medida 

retorno à função

 

no gelo dos fogos

lacunas adejam

a fulgurar de raios

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 22:53

a face

Quinta-feira, 06.03.14

 

I

no cabo da madrugada

espero a face da rua

 

ganham espaço pedaços de memórias

sabores a mais na espacial arcada

de circunspectos danos

 

perdido em casos arranco os castiçais

facilito arrumos

percebo o estranho momento das cigarras

 

II

lágrimas verdes

 janelas facetadas

resplandecem no vagaroso rolar das vagas

 

que mais

ideais

idades

lodos debruçados

vales ou  

madrugadas do meu nome

 

III

coberto de veias recordo o meu país

o corpo de cobaia volta ao ponto de partida

sombrio arcanjo

na esclerose dos desígnios

 

quando o som fica sozinho

ou se ausenta

 o movimento retoma o objeto

dá a solução

esclarece o movimento

 

IV

primavera doce

aparta-me a visão

em que se forja o intento dos cabos

 

como quem recomeça o mundo

ativo danos

perfaço saudades

nada desfaço

e nada desejei

 

descubro-me o objeto

reconheço a lei

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publicado por Carlos Alberto Correia às 12:04