A corja
Nunca fui grande admirador do Presidente Cavaco, nem sequer enfiei o barrete de considerar como puro acaso o desvio automóvel em direção à Figueira da Foz. Já aí revelou um duvidoso gosto por jogos de ocultação a pretenderem fazer-nos de crédulos idiotas. Como se fosse possível ganhar qualquer congresso sem preparação prévia e sem a vontade do aparelho partidário. Mais tarde, como primeiro-ministro, viria a demonstrar a incapacidade para o pensamento de longo prazo, para estabelecer desígnios nacionais que passassem para lá do restrito grupo de amigos e correligionários. Foi-se afundando da maioria absoluta ao pântano da ponte, passando pela alegre venda das capacidades produtivas do país - na agricultura, nas pescas, na indústria - aos interesses de uma Europa liberal e desumana, mais empenhada na selvajaria das liberalizações irracionais que no interesse global da sua população, ainda crente nos benefícios da cooperação internacional. Depois, como presidente, é o que se está a ver. Uma ausência completa, a mudez do deserto de ideias, a nulidade política, a aceitação de ser presidente de apenas uma parte dos portugueses. Até a única virtude reconhecida, a honestidade, deixou macular com a lama trazida pelos amigos do BPN.
O senhor Passos Coelho, por desgraça o nosso primeira ministro, ficou altamente ofendido quando Catarina Martins, lhe recordou as constantes mentiras com que tem suportado o seu governo, a escandalosa falta de vergonha com que nos mimoseia repetidamente naquele que tem sido o mais lamentável dos desgraçados ministérios tidos ao longo desta débil democracia que se vai arrastando, sem brilho nem glória, a caminho da exaustão por descrença nos homens que nos conduzem. Quando, na birra, se recusou a esclarecer uma dúvida legítima e o hemiciclo não se levantou revoltado, acompanhando a retirada dos deputados do bloco, ou pelo menos, reiterando a pergunta e ao fazê-lo desmascarar a vergonha de quem, sabendo desde sempre que mantinha uma mentira, propalava os cortes ditos temporários, os quais eram mais que definitivos. Por isso, o Parlamento, teoricamente a casa do Povo, é também hoje, uma casa desclassificada e sem aceitação popular. Ainda por cima quando, em época de cortes cegos, se deixa aumentar a contra corrente do que acontece àqueles que deveria e diz defender. Não se admire por isso de, por toda a parte, lhe chamarem e os juntarem à corja. Devo notar que, nem mesmo aos partidos de esquerda se ouviu, clara, a palavra indignada e necessária por tal alarvidade. Depois queixem-se que, nas próximas eleições, acabe por ganhar a abstenção.
No meio de tudo isto surge-me a pergunta: para que nos serve a Europa e o Euro? Aquando da adesão pensava-se que dessa união nasceria uma sociedade mais bem estruturada, mais igualitária, que tivesse o bem-estar da população como desígnio prioritário. Assim como se esperava que o Euro viesse a permitir um maior progresso e união entre todos os povos europeus. Estultícia! Esquecemo-nos dos interessezinho das grandes corporações. Não vimos como a ganância da nova globalização se preparava para um novo acumular de capital. Como a economia se ajeitava, cedendo o passo à finança, para se servir de novo do homem em vez de existir para o servir. Perdido o grande inimigo, com a queda do muro e do império soviético, sentiu-se o liberalismo livre para despir o fardo da social-democracia e voltar a explorar à vontade os recursos mundiais, sem qualquer espécie de receio ou vergonha. Permite-se assim passar dos limites e rasoirar por baixo tudo quanto é dignidade e qualidade de vida das massas populares. Deste modo para que nos serve estar na União Europeia, no Euro? Apenas para perder soberania e nos defrontarmos com uma dívida impagável nos termos em que a troika prescreve? Tão-somente para perder qualidade de vida?
Iniciados pelos partidos de esquerda, exautorados até ao infinito como perdulários e caloteiros, surgem agora movimentos, agrupando todos os leques do espetro político, pedindo o reescalonamento da dívida. Já não era sem tempo. Embora, creio bem, de nada vá adiantar a sonância dos nomes. Passos jurou-o! O empobrecimento é que é! A pergunta a fazer é e será sempre o empobrecimento para quem? Para os que transitam fortunas para os offshores? Para os levam as sedes das empresas para onde os impostos doem menos? Para os que dizem, para aliviar o seu canastro, que a culpa é de todos? Também é minha, pergunto ao ver sumir-se – me direitos e reforma em nome de uma dívida para a qual nada contribuí, em nome da segurança dos bancos que fomentaram a crise?
Estamos a chegar ao tempo de dizer basta! E de dizê-lo em todos os modos para que eles possam perceber a grande náusea que nos inunda e nos faz vomitar, sempre que somos confrontados com discursos ou visões dessa corja.
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exercício da palavra
na indiferença do medo
saliento as teclas
escalas de albergar
aqui aquiles adoeceu noturno
oblitero os débeis recontros
o aspeto das aves
os rostos como cabelos enleados de presságios
paciência
porque a noite vem de seus encantos
no aparato dos modos
entre aquáticas madeixas
no abandono dos lugares
ganhos os declives
sobram os outonos
sou eco e nunca o soube
afago o moreno do tempo
na figura breve dos dedos
decepados em doces relicários
marco as noites
escalo cabelos
calo raivosas facetas
em cristais de vidros furtivos
soltando o sol das madeixas
no sombreado das casas
nos ganchos das ravinas secarão amoras
debruadas no negro do pão
escapo do rombo quadrado dos termos
escalando os ventos
no modo de ser gente
pratico nas cordas menores
descubro a medida
retorno à função
no gelo dos fogos
lacunas adejam
a fulgurar de raios
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a face
I
no cabo da madrugada
espero a face da rua
ganham espaço pedaços de memórias
sabores a mais na espacial arcada
de circunspectos danos
perdido em casos arranco os castiçais
facilito arrumos
percebo o estranho momento das cigarras
II
lágrimas verdes
janelas facetadas
resplandecem no vagaroso rolar das vagas
que mais
ideais
idades
lodos debruçados
vales ou
madrugadas do meu nome
III
coberto de veias recordo o meu país
o corpo de cobaia volta ao ponto de partida
sombrio arcanjo
na esclerose dos desígnios
quando o som fica sozinho
ou se ausenta
o movimento retoma o objeto
dá a solução
esclarece o movimento
IV
primavera doce
aparta-me a visão
em que se forja o intento dos cabos
como quem recomeça o mundo
ativo danos
perfaço saudades
nada desfaço
e nada desejei
descubro-me o objeto
reconheço a lei