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Vem indignação. És minha!

Segunda-feira, 10.09.12

 

 

 

 

 

 

Logo, depois do jantar, quando, no café, te encontrares com alguns dos teus amigos, justamente indignados com as malfeitorias da governação, lembra-te e recorda-os de que, estatisticamente, metade deles votou nos partidos do poder. Podes trazer ainda à lembrança o facto de, em cada dez, oito terem votado nos subscritores do memorando da Troika. Podes ainda, sem esperar qualquer mudança dramática, dizer-lhes que, continuando no campo estatístico, essa distribuição não seria substancialmente alterada caso fossemos agora convocados a votos.

 

 

 

Mesmo que a raiva ferva nas palavras de muitos pergunta-lhe o que estarão prontos a fazer de concreto contra a indignidade com a qual estamos a ser diariamente confrontados. Não te amofines se vires começar a abrandar as intenções, se as mais esfarrapadas desculpas caírem sobre a mesa, para justificar a incapacidade prática de um assomo de coragem, que transforme as declaradas intenções de arrasar o mundo e o sistema, num balbuciar prenhe de incertezas e timidez. Nós somos assim. Demolimos o governo ao pequeno-almoço, deitamos água na fervura antes do almoço, suspiramos para que nada de pior venha a acontecer, ao jantar, e só à bica, quando o público se concentra, atores exímios, voltamos ao exercício da revolta. Mas, é pouco séria e de fracas consequências!

 

 

 

Ansiosos por nos vermos livres de Sócrates, fingimos acreditar na diferença e melhoria de Passos Coelho. É boa pessoa! É muito honesto! Com ele saberemos ao que vamos. Nunca será tão desabridamente mentiroso como o anterior. Só a mudança já permitirá respirar melhor. Pois é! Muito se engana que se quer deixar enganar. Seremos tão ingénuos que, passadas três décadas de eleições, ainda não tenhamos percebido que mentir em campanha é ofício de político? Quantos votos perderiam se dissessem, na verdade, o que estão a pensar fazer? Parvos é que eles não são. E nós não sabíamos qual era a linha económico política de Passos Coelho? Ao sabe-lo não tínhamos a obrigação de tirar consequências do efeito dessa ideologia no contexto do mundo atual? Dava tanto trabalho fazer esse exercício que o melhor era jogar e ver o que saía na rifa embora, de antemão, se pensasse não vir a ser grande coisa. Assim género de aposta no Euromilhões.

 

 

 

Não saiu nada mais que o expectável. Os mercados financeiros, deixados ao desvario pelos putativos reguladores, mandando neles à sua vontade e em quem os nomeia, instituíram como valor primordial a ganância incontrolável de uns quantos que, aproveitando as aberturas da globalização e a financeirização das relações, fizeram chantagem, encheram de pavor as economias ditas evoluídas e aproveitaram o ensejo para atacarem o terreno dos direitos conquistados pelas grandes massas. Precisavam de tal para manter o seu poder? Não, mas para as oligarquias o direito dos outros é ofensa e limite insuportável ao uso e abuso de pessoas e coisas.

 

 

 

Este governo e o seu primeiro-ministro sabe-se, são serventuários destes poderes, difusos na identidade, trituradores na ação. Talvez, olhando para a debilidade do País que vai, voluntariamente, acentuando, pense que pode e deve alcandorar-se a cargos mais próximos do poder real. Por tal e por devoção pretende-se o melhor aluno, o por exagero mais cumpridor de políticas de extorsão, mirificamente salvíficas e credíveis apenas para os seguidores dessa religião laica, defensora de salários sempre mais baixos e de, cada vez mais alta subserviência à voz do dono. Passos Coelho é um missionário a quem, pelo seu deus, foi dada uma missão: empobrecer o país! Crente mandou-se ao trabalho de alma e coração. Baixa salários, aumenta impostos, cria desemprego, tira saúde, eleva a mortalidade e o suicídio, tudo por uma causa maior. Tudo, como inquisidor que tritura o corpo para salvar a alma, para, castigando-nos, remir-nos de não sei que pecados – talvez o de termos nascido na civilização mediterrânica cultivando diferentes valores dos praticados pelos dominadores – pelos quais merecemos a justa condenação ao eterno infortúnio. Se for preciso destruir o povo para engrandecer o povo ele o fará – mesmo que povo já não haja - em nome dessa grandeza mágica e solar que é o crescimento. Nunca porém confessa, por não saber ou não poder, a que crescimento e de quem, se refere. Claro, nem ele pode dizer tudo, nem nós, por nossas culpas, o merecemos ou mesmo que dito, poderíamos entender.

 

 

 

O problema é só Passos Coelho e a sua camarilha? Não meus caros concidadãos. Eles estão no lugar onde os deixámos chegar. Percebo que na sua desilusão as pessoas olhem o panorama e pensem: votar? Em que? Para quê? Quanta razão lhes vai nestas questões e como a esquerda tem sido avara de respostas e possibilidades. Fechadas nas suas razões e purezas nunca conseguiu estabelecer um programa mínimo de ação comum, que viesse abrir caminhos de esperança e novidade no coração e na vida das gentes. Deixam o poder nas mãos de outros, na espera fantasmática de uma jurisdição absoluta e ideologicamente imaculada, que nunca chegará porque  é da natureza do poder a mácula, a incompletude e a insatisfação.

 

 

 

Por tudo isto e mais algumas coisas tendes toda a razão em indignar-vos. Mas, por favor, não fiquem apenas por aí. Isso é muito pouco e eles sabem bem como lidar com tais estados. Indignem-se nas ruas, nos locais de trabalho, façam-no individual e coletivamente. Mostrem-lhes que toda a riqueza vem do nosso trabalho e que sem ele nem pão para a boca terão. Manifestem a vossa indignação de forma efetiva.

 

 

 

Vamos parar o País!

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 17:19

Aquilo que penso

Domingo, 02.09.12

 

Quando na China alguém desejava mal a outro dizia-lhe, sofisticadamente, “que vivas tempos interessantes”. Algum chinês, talvez desgostado pelos negócios na EDP ou na REN, deve ter-nos rogado semelhante praga. Não vou perder tempo com cera já tão gasta como a do aumento aflitivo do desemprego, da expansão da recessão, da pobreza galopante que vai tragando vagas e vagas de antes remediados portugueses, do completo desastre da diminuição do deficit, nem sequer da gloriosa solução para a RTP que génios locais engendraram como solução mirífica para não solucionar coisa nenhuma, para além, talvez, do enriquecimento imoral de mais uns quantos amigos ou apaniguados. Não, não vou falar nisso nem sequer que espero, como aqui escrevi no início do consulado coelhista, não ser a sua duração superior a dois anos. Vamos a caminho e cá estou para ver se ganho ou perco as apostas feitas, sobre tal esbarrondamento, à direita e à esquerda.

 

Venho de facto para falar da esquerda. Mais propriamente da mais diretamente minha. Para quem não sabe, ou se esqueceu, a do Bloco da dita.

 

Deu-se pois o caso de eu, militante de base arredio das intrigas palacianas dos círculos dominantes, em tempo de férias, ser pública e noticiosamente confrontado com a possibilidade de instauração do direito de sucessão no meu partido. Isto foi coisa para me levantar os poucos cabelos restantes e mesmo, ao curtir as salsas ondas, não conseguir concentrar-me no evento porque, na mente, não cessava de bailar, como insistente mantra: Louçã, o que se passou contigo; onde puseste a cabeça? A atrapalhação era de tal ordem que, aflito, ingeri alguns pirolitos de forma tão angustiante como a do pensamento de estar a desenhar-se, ali para as bandas da Rua da Palma, inimaginável corte versalhesa. Não era o caso de esboçar-se um poder diádico com representação de género. Nada disso. Tanto se me dá que o poder seja outorgado a um, a dois ou a muitos. O importante é a forma como ele é decidido e legitimado. Muitas vezes usurpei, de Mário Soares, a forma sintética do sou republicano, socialista e laico. Acho-a notável na sua economia e elegância. E porque sou assim e assim quero continuar, é-me inaceitável qualquer propositura de poder que não passe pela assunção da conquista do mesmo pela vontade dos próprios, pela apresentação de objetivos programáticos, pela discussão em termos igualitários entre todos os proponentes e pela final legitimação obtida quer pelo percurso, quer pela decisão final nas urnas. Acrescento ainda que tenha eu a posição que tiver asseguro que vencido, não esquecendo as minhas convicções, darei ao vencedor a mais honesta colaboração; ganhador não me esquecerei nunca das formas insidiosas com que o poder tenta, continuadamente apesar das boas intenções, subverter os modos democráticos e, para obstar a tal contaminação, quererei órgãos de fiscalização independentes que defendam o eleito das armadilhas inerentes ao mando. É bom que, se vencedor, me lembre de Roma mantendo atrás de mim alguém gritando: recorda-te de quem és, e acrescento, de onde vens e o que prometeste. Será incómodo mas não vejo outra maneira do ser humano, erguido às alturas do poder, manter a sanidade pessoal e não perder de vista os direitos dos outros e as normas da democracia. A quem custar perceber estes meus receios ouso recordar o incómodo que leis e constituições, votadas em pleno direito e democracia, causam aos burocratas da Europa comunitária e aos chefes das bárbaras ordens financeiras (darwinistas de fraca formação e entendimento) que julgam ser mais apto quem maiores meios financeiros acumula e assim conquistarem um direito de domínio absoluto sobre todos os outros.

 

Esclarecidos alguns princípios, retomemos o fio do discurso. Penso a esquerda como um conjunto diversificado de caminhos que tendem para o objetivo comum de instaurar os princípios de igualdade de oportunidades e liberdades políticas para todos os seres humanos. Não sou tão ingénuo que vá cair na armadilha de pretender uma igualdade absoluta entre gentes que sempre, por isto ou por aquilo, não só se diferenciarão, como tudo fazem para tal conseguir. Esta é a força da direita. Pegar no discurso fácil de sobrevalorizar as diferenças pessoais para fazer subsistir as desigualdades sociais. É que todo o igual poderá ser diferente. Será igual nos direitos, diferente nas opções e capacidades. Uns desejam umas coisas, outros desejam outras. Alguns serão mais diligentes outros mais tardos de pensamento ou ação; mas todos semelhantes no direito à vida, à educação, à cultura, à habitação, saúde, etc. Este tipo de pensamento conseguiu o Bloco consignar a vários agrupamentos que, em nome dos caminhos, entre si se digladiavam. Trabalho a que muitos previam e outros desejavam curto percurso. É um saco de gatos, diziam. Trotskistas e albanistas a trabalhar juntos? Comunistas arrependidos a não querer dar o braço a torcer? Meramente impossível! Mas não só não o foi como, mais de dez anos passados cá estamos prontos para continuar. A nossa existência prova, só por si, que não é mirífica a ideia de uma esquerda unida na diversidade, capaz de fazer frente à direita – mais pragmática mesmo quando ferozmente ideológica – sempre capaz de se juntar para defender os seus interesses particulares contra os das grandes comunidades.

 

Por tudo isto não faz sentido, para mim, a posição expressa por Louçã. De nada serve argumentar ser apenas uma opinião, uma sugestão e não uma proposta concreta. O valor ilocutório da palavra vem de quem a profere ou da posição de onde é enunciada. Uma sugestão de Louçã nunca será um mero alvitre. Para muitos soará como palavra de ordem por muito que tal estivesse distante das instâncias do enunciador. É dever de quem ocupa posições determinantes não esquecer as possíveis implicações dos seus pronunciamentos. Que o desejo, mesmo pensando-se ser para um bem maior, de deixar influência posterior não prive o desejante da lucidez necessária para não fazer, - como acontece nas empresas de propriedade individual - do afastamento do fundador, o mais perigoso momento de crise para a manutenção dessa organização. Nada tenho contra as pessoas cujos nomes foram indicados. Poderei ou não votar nelas conforme as suas propostas ou outras concorrentes que vieram a ser lançadas, o que porém mantenho e me confrange é que não posso, sem censura, e a menos que me provem que estou literalmente enganado, aceitar que um homem que admiro e a quem todo o Bloco muito deve, saia com tal mácula na folha de serviços. Merecia mais ilustre fim o seu curriculum partidário.

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publicado por Carlos Alberto Correia às 22:25