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Fedelhos

Quinta-feira, 16.02.12

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando vejo nos telejornais os nossos governantes, parlamentares, comentadores e etc…, proclamarem orgulhosamente “nós não somos a Grécia”, apodera-se de mim uma náusea incontrolável. O primeiro fator de enjoo decorre da iliteracia histórica que tantas dessas criaturas orgulhosamente ostentam. Não sabem o que foi a Grécia, não percebem que afinal, em muitos locais e situações, ainda se pensa em grego, desconhecem, ou esqueceram-se, ou nunca o perceberam ou levaram a sério, de que o fundamental do pensamento europeu, bem como muitas das nossas instituições, viram a luz do dia nos territórios gregos. A superioridade infantil com que olham, comentam e sentem o problema desses outros europeus, por acaso fundadores da ideia de Europa, só pode nascer da mais profunda ignorância e do completo desprezo que tais coisas, semelhantes a seres moventes e falantes mas meramente contabilizadores de passiveis posses materiais, têm pelos seres humanos em geral e por aqueles que, por azares da história ou ditames de escondidos interesses - ficando encurralados e em perigo - quando pedem auxílio a quantos se se diziam amigos, encontram apenas o sorriso sardónico, a mão que se estende, em falsa ajuda, para depois, no momento em que a confiança da vítima é maior e o socorro mais necessário, repentinamente, retirar essa mão que parecendo querer ajudar, apenas pretendia que a vítima confiasse, para mais depressa, por falta de atempado e suficiente auxílio, caísse, sem remissão, no abismo.

 

Nós não somos a Grécia, diz-se. Pois não somos e, ao mesmo tempo deveríamos ser. Porque entrámos numa União e isso implica interdependência, apoio, companheirismo. Quer dizer que se eu tropeçar posso contar contigo para me amparares. Se o não fizeres, não cantes moral por mais razões que te pareça ter. É que falhaste no primeiro dever a que te comprometeste e esse é o da Solidariedade. É nisso que todos perdemos quando nos afastamos dos acontecimentos gregos, cuspindo para o lado, sem percebermos que esse salivar, por mais abundante que seja, será sempre ridículo para apagar incêndios destas dimensões.

 

Nós não somos a Grécia, repetimos como fedelhos malcriados, mas corremos o sério risco de, dentro de pouco tempo, estarmos na mesma situação e, quando formos em busca de compreensão e ajuda, vermos apenas o virar de costas de outros países, ironicamente ouvindo, como próxima vítima deste terramoto civilizacional, com o ar mais circunspecto e hipócrita possível, dizerem-nos em voz doce: Desculpem, nós não somos Portugal!

 

Teremos então o que merecemos!

 

Mas esta fedelhice não é a única por onde, impávidos e lorpas navegamos. Que apodo se pode dar a um Governo que, propondo-se voluntariamente ao poder para, em teoria resolver os vastos problemas nacionais, gastou e gasta rios de dinheiro a pagar as qualificações académicas da sua juventude para depois, ausente de soluções e capacidades, os instar à emigração, sangrando-se do futuro que esses jovens, bem preparados, nos poderiam proporcionar oferendo, de mão beijada, todo o custo e esforço formativos a países que não gastaram um chavo nessas formações mas serão, com enorme satisfação e economia, os seus beneficiários! Se quem tal preconiza e faz trabalhasse numa empresa privada – as quais, com toda a força, pretendem imitar transformando instituições de outro cariz em máquinas cegas, ineficientes para os objetivos para que foram criadas – teria fraca carreira. Por desperdício e incompetência, tal como vem inscrito no Código de Trabalho, cujo com tanta pompa e circunstância promulgaram, seriam liminarmente despedidos com justa causa.

 

Se pensarmos, seria já de si bastante, que nos factos precedentes se esgotava o pensamento e ações fedelho, estamos muito distantes de perceber a praga que atacou os centros decisórios do país. A vérmina infeta e corrói por todo o lado. Vejamos só os dois mais recentes exemplos.

 

O ministro Mota Soares é decerto uma boa alma. Depois de ser cúmplice nos cortes de subsídios de desemprego (em valor e duração) em tempo em que os despedimentos são recorde e vão ainda na rampa de crescimento, movido pelos seus, certamente muito pios sentimentos, decide, com o dinheiro que é sonegado aos ditos subsídios – mas que são afinal um seguro pago por cada trabalhador e que deveria ser honrado quando o desastre acontece – subsidiar sopas dos pobres, agora numa moderna aparência de “take away”. Podendo parecer pouco inteligente tirar num lado para ir dar no outro, estas decisões são tudo menos honestas. Se um trabalhador despedido receber um valor decente por tempo suficiente, ele está a usufruir dum direito nascido do seguro social que pagou. Por isso não deve nada a ninguém nem tem que estar agradecido por coisa nenhuma. Porque os direitos exercem-se, não se pedem nem agradecem. Agora, se reduzirmos essa mesma pessoa à miséria e matarmos a sua fome e a da família, conseguimos retirar-lhe a dignidade, construir um ser agradecido e servil e, com a caridadezinha, semear mais diferenças sociais, entre quem pode dar e quem tem que receber, e criamos uma nova zona de domínio. Quem pede e recebe não se revolta. Agradece apenas e espera que nada mude para que a esmola lhe não falte.

 

Para terminar em beleza tenho de comunicar o asco sentido ao ouvir um imberbe fedelho – com barba - do CDS, por acaso deputado eleito, defendendo, como obra grande e boa, a iniquidade de o Governo, considerando-se proprietário das coisas e, sobretudo das pessoas, sem ter em conta a vontade, a situação profissional, questões de habitação, problemas emocionais e psicológicos, enfim os legítimos interesses de cada funcionário poder coloca-los, contra os seus interesses legítimos, em qualquer ponto do País, onde e como lhe aprouver. Esta brutalidade social nasce da insensibilidade de quem das gentes tem apenas uma ideia utilitária. Para estes fedelhos não existe vontade que não a deles, não há regras de humanidade que não devam ser quebradas quando ao poder interessa e gerem pessoas como quem coloca números numa folha de Excel. Para mais não dá a sua formação, a sua moral e o parco conhecimento que têm das realidades humanas e sociais. Pensam-nos parvos e querem que comamos gato por lebre. Não conseguindo estruturar os serviços de Estado – não é por não saberem, é por causa dos cartões partidários – tentaram esconder o rabo do gato dos despedimentos selvagens dos funcionários sem cartão mas deixaram, por descuido, o resto do gato de fora. Assim correm com quem não lhes interessa e ainda são as pessoas as culpadas porque não querem ir para um local onde podem fazer falta, mas nem o vencimento chega para as despesas acrescidas, nem as restantes condições permitem a continuada e útil presença. Fedelhos!

 

Como justificação dizem querer equilibrar o estatuto de trabalho dos funcionários públicos, com o dos trabalhadores do setor privado. Forte falácia. Quando uma empresa privada desloca algum trabalhador é obrigada a dar-lhe alojamento, a pagar-lhe viagens e a juntar ao seu vencimento uma ajuda de custo. Disso esqueceu-se este pundonoroso defensor do primado do mercado sobre o estado social. O que ele ainda não foi capaz de pensar é que, dentro de algum tempo, poderá estar na situação que agora quer, sem humanidade, impor aos outros. Veremos como se comportará nessa altura, o que dirá e se, num rebate de consciência, que parece não possuir, irá à sua igreja, rasgando as veste, coberto de cinzas, humildemente dizer: Perdoai-me senhor. Pequei contra a humanidade.

 

 

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

 

 

 

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 22:30