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setembros II

Terça-feira, 30.09.08
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I

aguardo agora a passagem da paz sobre o colibri do tempo
tumultuosos de imensidão doem-me os espaços

aqui te espero e me perfaço

alguém me disse
a hora de partir é um inverso sorriso
dolorido no momento
em que prantos morrem por dentro das vozes
tal um substantivo estala lentamente no real dos dentes
e adormece recalcando a luz e o olhar

aguardo calmo o tempo
de parar

II

estudas vagamente o lento traçar das pernas
espontâneas as coxas sobrenadam
recolhidas nas memórias

resides nessa messe subtil e recortas o recôndito do sexo
pleno exercício de perfeccionismo
quanto te dás e és meiga generosa e pensativa

encontro-te por vezes no todo onde resisto
lugar de movimentos e recusas
procura imediata de tudo quanto é novo
inocente e pleno e montado na loucura das palavras
setembro avança e as notícias vagamente vão chegando


III

há quanto tempo espero o teu sinal
égua de vento carrocel de chuva
e preparo as imagens que se perdem nos amados setembros
entre as muitas águas da realidade

dizes-me
em setembro meu amor iremos aos campos
onde as borboletas se amaram com doçura e se extinguiram
pequeno fogo que ilude as madrugadas e o céu é pasto
de mansas estrelas iniciais
pedes-me mudamente que te espere
contas histórias incompletas e heróicas
produzindo os alicerces da minha catedral

porque me falas de setembro
se todas as sombras estão paradas
e desmoronadas pelas frinchas da tristeza
as paredes escurecem em prematuros invernos
vesperais

que nada tivesses dito por setembro
e me fosses interdita meu amor
nem teimasses em parecer possível
ó irrealizável alvorada de azul transparente e completa
tonta gazela que te esvais nos moinhos das palavras
quando desapaixonada comentas

em setembro lembro-me da morte

e fechas os olhos contra a almofada
e calas o medo das tardes
por enquanto doces e doiradas
e do vento fresco nos ocasos
pesados em abismo sobre os olhos
melancólicos e trágicos de nuvens
plantados à porta dos sorrisos

IV

em setembro longe das promessas por fazer
ou dos sonhos por cortar
construí esta história nas asas dos ventos minerais

em setembro não vieste o sonho desfazia
em setembro entre raivas e esperanças
o tempo por demais se consumia

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publicado por Carlos Alberto Correia às 14:27

Orgulho de ser companheiro

Quinta-feira, 25.09.08





Escrever no rosto é, para mim, uma fonte de prazer. A minha relação com a escrita não é nunca fácil. Escrever é escrevermo-nos, logo ficarmos expostos perante um público que nos interpretará conforme lhe aprouver e nem sempre de acordo com as nossas primordiais intenções. Daí a dificuldade. Mas escrever é também participar, ainda que apenas como roçar de asa, na construção da comunidade. Não chegarei à arrogância de considerar que nos propomos a “opinion maker”, mas que não será de todo indiferente que sobre algo se escreva qualquer coisa, aí está o dia-a-dia , e nele a experiência do Rostos, como incontornável manifestação dessa eficácia.
Desse sentido de alguma utilidade resulta o prazer de escrever para o Rostos.
Mas há mais!
Na sua versão on-line é uma janela continuamente aberta sobre a vida da cidade e os variados posicionamentos que a interpretam. Soube construir-se democraticamente variado, permitindo, sem rebuços, que todas as opiniões regular e livremente se expressem. No mundo que se quer impor de unanimismo e mediocracia esta é, por si só, uma posição de desafio, coragem e cidadania. Utilizando as facilidades que a Internet proporciona abriu ao diálogo com a população o espaço do seu jornal. Exercício inelutavelmente democrático arrostando com as dificuldades de segurar as intervenções dentro dos limites do respeito pelas opiniões diversas e diversificadas, sem deixar cair na demasia da vulgaridade que, por vezes, tentam as gentes nos acalorados diálogos ciberespaciais.
Por este projecto aberto, luminoso e inscrito na modernidade vão os meus parabéns, pelo seu 6º aniversário, para o Rostos, o seu Director, Sousa Pereira e todos os colaboradores que lhe dão vida.
Repito, é para mim um orgulho poder chamar-vos companheiros.

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publicado por Carlos Alberto Correia às 16:00

memórias 10 - oração

Quinta-feira, 11.09.08



senhor

não acredito em ti mas
obrigado por me teres dado
a poesia

posso acreditar nela
porque me fala
das vidas que se perdem
dos homens em geral

tu sabes como nos fizeste

perdoo-te porque ao ser poeta
também quero criar
e condeno
as minhas obras a viver

desculpa-me tu a imodéstia
mas entre camaradas
vê como te estou a incluir numa
esfera social
mas entre camaradas
não deve haver ressentimentos

também sabes somo loucos
tu porque me fizeste
eu porque te faço em cada momento
te erijo igrejas
me esqueço de ti quando me pedes
te obrigo a existir quando te peço

no outro dia fiz-te um concílio
para discutir as tuas razões
isto faz-me lembrar uma formiga
que chama gigantes aos anões
e olha a coisa não deu nada

parece-me não tenho lido os jornais
ultimamente que os homens continuam a matar-se
eu também os mato mas nessa altura não sou eu
abdico de mim e mando a minha carga
para as tuas costas

nós estávamos tão bem no paraíso
lembras-te das suecadas que batíamos durante a noite

é isso o raio desse teu espírito irrequieto
tenho a certeza de que no-lo deixaste porque
te era incómodo

se um dia te deres ao trabalho de olhar
cá para baixo
não te esqueças de por uma roda dentada
em lugar do coração

se o não fizeres vão enganar-te
e subjugar até que te tornes uma máquina
como eu

os homens são já tão evoluídos
que nem discutem
contabilizam

por isso te estou a dizer que sejas
esperto e não te deixes embarrilar
por aqueles que dizem que acreditam em ti

se não te importas vou deixar de te escrever
é que não te acredito nem posso compreender
a tua tão estranha maneira de ser
por todos os séculos dos séculos

aleluia
Bissau, Setembro de 1968

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publicado por Carlos Alberto Correia às 13:58

O tempora! O mores!

Quinta-feira, 04.09.08

O latinismo que encabeça esta crónica não significa, como pensaria o Belegário, uma saudosa evocação ao "tempo das amoras". É, como reza o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, uma exclamação, feita por Cícero, significando: O tempo! Ó costumes! e que, em livre tradução camoniana, quererá dizer "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades."
Porque venho eu a lume com estas tíbias erudições? Perguntam V. Excelências; e perguntam muito bem!
É que, estando de ripanço vilegiatural telefona-me o Belegário, aflitinho da vida, dizendo apressado:
- Eh! Pá! Sabes da bronca?
Eu não sabia da bronca nem estava muito interessado em sabê-la. Só que o Belegário, lapa como é, não desligava do assunto. Por isso, após muitos "tens que saber", lá lhe dei espaço para baldear a boca.
Confesso que fiquei lorpa!
Não era então que, por um atraso de entrega de candidatura, a Câmara Municipal do Barreiro tinha visto recusar a possibilidade de obter um subsídio de mais de três milhões e meio de euros?!
Pensei cá para comigo: Bem, no melhor pano cai a nódoa. O Presidente Carlos Humberto não vai seguramente deixar passar em claro um facto de tanta gravidade. Vai, certamente, submeter os serviços a um inquérito profundo e aproveitará esta situação para melhorar os serviços camarários. Quanto a mim um erro pode ser um facto positivo se servir para aperfeiçoar os sistemas, os quais, por si próprios, são sempre incompletos, carecendo de medidas correctivas cada vez que a sua imperfeição seja denunciada. Encaremos o facto como uma possibilidade de aperfeiçoamento.
Isto mesmo transmiti ao Belegário.
Tá, tá, tasquinhou ele, desdenhoso. Nem penses nisso. O homem parece não dar muita importância ao caso. O facto é que, em Assembleia Municipal, tentou matar o assunto afirmando assumir a responsabilidade política. E diz-me tu, contra-atacou, o que é isso de responsabilidade política sem consequências? São apenas palavras, não é verdade? O resultado disto é que o PS veio a terreno a exigir a demissão do Presidente.
Patenteio a minha perturbação!

Lembrei-me do orgulho que senti quando na televisão vi o Carlos Humberto, defrontando adversários poderosos, sobressair emocionado e sereno (não é contraditório, não senhor!) a defender a localização do aeroporto, da ponte, na ideia magnifica que fez sua, do arco ribeirinho e da conquista, para o Barreiro, de uma centralidade que lhe é devida e lhe vem sendo continuamente negada. Recordei-me da anterior Câmara e apercebi-me que, não sendo correligionário do Presidente, não concordando politicamente com muitas coisas que fez, seria ele, porventura, um dos melhores autarcas que ao Barreiro foi dado ter. E fiquei com pena!
Considero que o Presidente foi infeliz na posição que sobre o caso tomou. Espero que venha a reconsiderar e, Presidente de todos nós, putativas questões partidárias possam ser ultrapassadas em nome de um bem mais geral que é o da inteira comunidade Barreirense. Mas isto exige a coragem de reconhecer que o erro existiu e, será ou não total ou parcialmente desculpável, consoante um necessário e inultrapassável direito de esclarecimento completo das circunstâncias e das pessoas que conduziram a este desastre, bem como das medidas correctivas tomadas para obviar futuras ocorrências.
A Assembleia Municipal é o local onde tais esclarecimentos deverão ser prestados. Gostaria que tal acontecesse com muita brevidade. Continuando as posições camarárias fechadas ao esclarecimento, desgostado embora, não creio que pedir a demissão do Presidente sirva de qualquer remédio. Será apenas oportunismo partidário sem garantias de que qualquer coisa melhor. O Presidente deve continuar mesmo que não consiga superar os constrangimentos que eventualmente possam tolher a sua actuação. Os mandatos populares são para cumprir e sem estar provada uma implicação directa do Presidente no caso, ninguém tem o direito de ultrapassar a vontade popular livremente expressa.
O resto é com a consciência do homem e com a valoração que, em próximas eleições, o Povo venha a fazer, em jeito de balanço, da governação deste executivo camarário.


Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt/

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publicado por Carlos Alberto Correia às 18:33

setembros I

Quarta-feira, 03.09.08





I

recordo a melancolia dos beijos
suspensos entre o hálito de setembro
e um insuspeito golpe de outono

traduzo o lume brando dessas tardes
os ocasos fortuitos de langorosos sóis
no ruge-ruge de olhos marginais

no incómodo da pele traça a tua mão
arabescos de fogo sobre as malvas
estáticas em tórridos areais

II

soltam-se as primeiras nuvens e os céus
ainda claramente juvenis caem na modorra
dos apressados hábitos

cinzento é acampamento de esperanças
no solitário corte dos umbrais

III

eu sei
não mais cantos de cigarras não mais
somente as ternas sensações pretéritas
remordem em remorsos outonais

eu sei
e por saber estou de qualquer modo
por demais afastado da acção

recordo os lumes velhos
e esmagando rumos ou trovejando camas
procuro no casulo a paz desta estação

dobo a luz afago a natureza
preparo o advento na minha fortaleza
de outros dias grandes e ferozes
onde termine a minha hibernação

IV

o vento largo e fresco amarinha
arrasta as coisas velhas pelo ar
setembro é chegado
a luz caminha
devagar

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publicado por Carlos Alberto Correia às 12:12