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bruma o tempo (poema)

Quarta-feira, 30.05.07

I

à mulher seguiu-se um ansiolítico
e o tempo ia passando ao outro lado do tempo
sem que reaparecessem as suaves mãos de grega
que tiram os colapsos dos peitos dos afogados de amar

a viagem é por vezes estender a solidão
barco clandestino por entre púrpuras galantes
punhos de espada águas da minha água
armadura grega tróia e troiana enchendo-me
o barco furando em segredo perto do meu sono
longe do meu beijo.

II

bruma avança entre o mar espesso
o silêncio cria um tempo de poema

contrária a si mesma
fresca acolhedora
espera há mais de dois mil anos
e liga-se-me sináptica e sonhadora
generosa e meiga mãe sobre todas as mães
amante prometida acima de todas as amantes

procurará o meu corpo percorrerá o meu espírito
e amalgamados entre nós dar-se-ão os dedos dos lábios
diremos os nossos secretos nomes e chamaremos poetas
para incendiar luz e abrir caminho sobre as inquietas águas

em linha tranquila bruma divide o horizonte
e paciente traça sobre a minha vida a noite e o dia
diz-me vive e os seus sorrisos são alquimia
a rolhar a solidão das fragas

III

tempo de bruma só adivinhado
vago da esperança do desejo
tempo de bruma por chegar

um dia toda a cidade acordará abraçada de bruma
todas as casas estarão no mesmo sítio
todas as pessoas estarão nos mesmos gestos
todas as águas pararão

bruma chegou de seu caminho

de repente toda a cidade parou ou será outra
entanto bruma se estende corpo inicia o gesto
suaviza as coisas que murmuram e lentas retornam iguais e diversas

e tudo é mais quieto mais quente mais produtivo

se o seu nome ressoa todo o tempo se resolve
nos espasmos de um orgasmo atlântico
ela chegou mãe primeva de todas as substâncias
entre o líquido e o orgânico corpo frutuoso
cândido e lascivo que me acalma para após
me seduzir a ainda mais me excitar

por isso acorro ao chamamento e vou
bárbaro e tranquilo voando devagar a arrulhar mansinho
sem rufos de asas para que o vento não disperse bruma


IV

diáfana bruma corpo de vestal cumprindo véus
que passas entre olhares e entardeces Penélope
tema de teia talvez no meu encalço

mas antes de mim quantos estarão
quando chegar quem me anunciará
ainda estarás à minha espera
ou o meu vento uivará através da tua sensibilidade
e nem acordarás

pode ulisses o triste pensar em penélope neste longe
pode ulisses sem barco contar os longes da viagem
pode ulisses sem arco ser o herói
que tudo vence e tudo a si domina
pode ulisses assim como o vês ser ulisses no poder
o aguardado ulisses é ainda este
que atendes no teu leito e ouve lá fora
os urros dos pretendentes-esbirros

pode ulisses deitar velas ao sonho no mar do teu consentimento

V

porque ver-te e querer-te ó pequena subtil ó perto da meia tarde
quando os cabelos se dobram nas fímbrias do vento
quando a semi-saia cortou já parte da esquina
quando tu passas e o teu amanhã me é improvável
possa eu todo desconhecido inibição inicial
ressurgir no diálogo interrompido antes das palavras mágicas
que te trazem género' igual ao meu mas de sinal diferente
prometida desde o tempo em que ainda havia deuses e se guardou
e pôs à prova apenas para que eu um dia num local
improvável no inesperado do tempo numa procura consciente
fosse tocado por um sorriso preso por um olhar
perdido por ter de ir

talvez para a próxima a bordo do barco da poesia
quando o timoneiro pintor fizer as águas
tenhamos tempo para possuir a urgência de ser pátria
de ser rio e preparar esta coisa tremenda e fatal
que é o corpo do espírito da mulher esta coisa que se sente e não
se sabe esta coisa que nos corta e que nos abre esta coisa enorme
e feminina esta coisa que nos acalma e nos atrai esta coisa
que em suma é um sonho rodopiante com o tempo e a bruma
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publicado por Carlos Alberto Correia às 20:57

Novo Mapa de Portugal

Domingo, 27.05.07


Com a devida vénia reproduzo a imagem do Novo Mapa de Portugal que me foi enviada, por pessoa amiga, através de e-mail. Ao autor original os meus agradecimentos e parabéns pela pronta imaginação e criatividade com que reagiu à palavras insensatas do Ministro Lino.
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publicado por Carlos Alberto Correia às 11:42

Uma não-crónica e o arguido Carmona

Sexta-feira, 25.05.07


1 – Não-crónica

Peço desculpa aos meus não-leitores pela não-escrita que hoje trago aos vossos benemerentes olhos. É porque eu, tal como muitos de vocês, sou uma inexistência comprovada, pelo que só poderei produzir não-coisas e não-escritas. Não sei se filosoficamente se pode, de algum modo, ser uma inexistência ou se sendo se é completamente, não podendo por isso, não se ser de modo algum. Deixo o desembrulhar deste labirinto para o inefável Ministro da Obras Públicas, de nome Lino, que ontem declarou pública e notoriamente a nossa completa inexistência.

Perante uma tão abalizada afirmação eu confino-me à mina plena ausência de ser aos olhos de, pelo menos, parte do Estado. Resta-me a espúria esperança de que nenhum terrorista decida rebentar todas as pontes que hipoteticamente ligam a coisa nenhuma deste lado ao tudo do outro lado das margens. (Vide Dicionário da asneira de Almeida Santos)

Perante o atabalhoamento das mui preciosas declarações e actuações de algumas excelentíssimas personagens ministeriais vai enriquecendo, se não o país pelo menos o anedotário nacional, o que em si já não é pequena coisa. Sempre ouvi dizer que o riso combatia a depressão e como a nossa economia continua deprimida, como deprimidos teimam em continuar os desempregados cá do território, talvez esta seja uma infalível e secreta receita para ultrapassar o acabrunhado ambiente em que vivemos.

2 – O arguido Carmona

É costume retórico começar por confessar-se a simpatia por alguém para a seguir a arrasar com a nossa argumentação. Não sou inocente nesses artifícios e confesso que já deles me tenho servido. No entanto aqui não o farei. Não gosto mesmo do homem desde quando espetou a faca nas costas de outra personagem que também não me é simpática: Santana Lopes. E lá que o fez com todo o despudor, fê-lo. Só que eu embirro solenemente com qualquer quebra de lealdade, mesmo entre políticos.

Teimou agora - nesse seu jeito de trair quem lhe dá confiança - não acatar as indicações para se demitir vindas do partido que o colocou na Câmara. Manteve-se teimosamente agarrado ao poder num “tem-te não caia” agoniativo. Mas como é homem de palavra disse que não iria concorrer à Câmara e, a seu modo cumpriu. Cá está de novo na corrida.

Isto nem seria o pior se ele não fosse arguido num caso de possível corrupção com uma empresa, a qual me abstenho de nomear porque, mesmo sendo verdade tudo o que sobre o caso se diz, posso vir a ser sancionado por algum tribunal por atentar contra o bom nome de um provável corruptor.

Tem-se falado muito sobre o comportamento a ter por nomeados para cargos públicos quando arguidos em qualquer processo.

Consultando o dicionário da Academia de Ciências vejo que arguido quer dizer: “Pessoa indiciada ou acusada de crime, delito, falta condenável, punível com pena ou disciplinarmente.” Não me esqueço que no nosso ordenamento jurídico existe a presunção de inocência até condenação em julgado, mas também não posso esquecer que quem ocupa um cargo público (de nomeação ou por eleição), deve estar acima de qualquer suspeita. Acredito firmemente que só há arguido quando os indícios se mostrarem fortes. Não creio que os juízes andem a arguir os políticos só por intrínseca malvadez ou ciúmes de poder. Por dever ético penso que qualquer arguido deve, nesse caso e no mínimo, pôr o seu cargo à disposição de quem de direito.

Mas, pasme-se a coerência do concorrente Carmona. Perguntado pelo Público (24 de Maio) se aceitaria receber apoio monetário da empresa que levou à suspeição de corrupção nos órgãos camarários – e à correspondente queda da edilidade - respondeu prontamente que sim. É portanto um arguido contumaz e convicto.

De homens como o ministro Lino e o edil Carmona é que o país precisa…para continuar a afundar-se.
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publicado por Carlos Alberto Correia às 16:03

Lágrimas (Conto)

Quarta-feira, 23.05.07
Retorno a este conto tendo em vista a situação da Câmara de Lisboa, à qual apenas um mágico como Mandrake parece poder valer.
Que o novo presidente - que espero seja Helena Roseta - nunca venha a parecer-se
com o bicharoco desta estória.





Pretensiosamente pretendi chamar a esta história o meu barbeiro. Meditando um pouco perante o ecrã vazio - onde vai o desespero da folha de papel branco à espera da escrita e dos furiosos riscos que inutilizavam início e papel - tive de chegar à conclusão que:

a) não tinha, nem nunca tive um barbeiro fixo, coisa que passarei a explicar mais para diante (se me apetecer ou se o decorrer do conto não me levar por outros caminhos) e,

b) era demasiada pretensão chamar de minha a qualquer pessoa, ainda que fosse um barbeiro pobre, de revolta suave e a atingir o raiar das lágrimas.

Assim, vai a estória chamar-se lágrimas, não porque as houvesse na conversa, mas porque, de forma vária, estavam subentendidas numa vida de esforço sem glória nem perspectivas. Há, no entanto, para ajuntar que a culpa desta conversa é da Câmara Municipal, que por acaso é socialista, partido onde votou o meu barbeiro e que agora, com desespero, se arrenega dizendo que nunca mais votará em ninguém.

É claro que esta prosa corre o risco de se transformar numa lamúria fora de moda, tipo fado do desgraçadinho, coisa muito em voga nas escrevinhações que por cá fazemos. Desenganadamente o portuga escrevente – e será só ele? - desforra-se na escrita da sua consciência infeliz, enforma-a de confissão e procura nela ultrapassar problemas que, por inépcia ou falta de oportunidade, não consegue resolver de outro modo.

Dizia o barbeiro, dentro de e voltado para um amplo estaleiro de obras em funcionamento pleno, que a Câmara lhe estava a rebentar com a vida. E ao seu patrão também. Estranha esta preocupação do servente com o dono do estabelecimento. Marx não havia de gostar desta aproximação de classes, embora, se passasse pela barbearia e ao cortar o desgrenhado cabelo, ou a aparar a furiosa barba, ouvindo a estória que eu ouvi, pudesse pensar em alterar qualquer coisita na sua obra monumental. Ou quem sabe, talvez não mudasse nada porque uma coisa é a mudança encarada do ponto de vista sociológico, outra bem diferente é o drama do indivíduo apanhado nas teias dos volte-faces sociais.

Pois é verdade, o patrão da barbearia ficou estarrecido quando numa Segunda-feira vai para abrir o seu estabelecimento e verifica que todo o largo tinha sido, durante o fim-de-semana, cercado por imponente paliçada, cheia de anúncios de empresas de construção pedindo desculpas pelo incómodo, clamando que iriam ser breves, que trabalhavam para o bem-estar de todos e ali, do seu esforço e engenho, iria nascer um magnífico parque subterrâneo para automóveis para, de vez, resolver todos os problemas de trânsito daquela muito importante zona da cidade. No entanto, o problema para o dono da barbearia é que não só não tinha qualquer acesso à sua loja, como nem sequer a avistava, tapada que estava com protecções e andaimes e, sobretudo como em desespero dizia:

- ... mas nunca me disseram nada...

e ao pretender entrar teve que dar uma enorme volta para descobrir uma porta, onde foi esbarrar num serventuário negro, interposto à sua frente, mal falante do português, o qual, obstrutivo e repetidor, dizia: -sinhor non. Empresa e Câmara não querer ninguém dentro...

Estupefacção transformada em raiva. O sentimento de impotência a subir pelo corpo todo, começando nas mãos, estendendo-se pelos braços, ocupando o peito e um berro a sair e a explodir dentro do coração. Tudo vermelho por fora e por dentro como a ambulância onde o transportaram para o hospital, com um ataque cardíaco, conquistado naquele preciso momento e local.

Dizia-me o barbeiro que ao tomar conhecimento deste triste evento a Câmara fora companheira e impecável. Acorreu em peso em visita ao hospital, acompanhada dos órgãos de informação, para pedir desculpas ao patrão, que por acaso não tinha morrido, apenas ficando tolhido dos braços - o que não é de somenos para um barbeiro - e prometendo-lhe passagem livre, quando quisesse, para a sua loja, desde que, evidentemente, o estaleiro estivesse aberto, porque como sabe, por causa do ruído não se pode trabalhar à noite, e as máquinas existentes, de valiosas, não poderem ficar abandonadas ao sabor das malquerenças de algum energúmeno, além do perigo acrescido que representa atravessar um local de obras para alguém que não esteja habituado a tais andanças. O senhor bem sabe como são estas coisas dos acidentes na Construção Civil…

…O que se tinha passado é que todos os Bancos e Empresas da zona tinham sido avisadas com tempo e a Câmara, que não é descuidada, tivera mesmo reuniões com representantes dessas firmas e quantos problemas -meu Deus!! - não foram resolvidos. Só a questão da garagem do Banco Enfisema fora uma dor de cabeça...mas felizmente tudo se resolvera. Agora, a questão é que no meio de tanto afã, passou despercebida a questão da barbearia. Também o senhor sabe é só você e o seu empregado, aquilo está para ali esquecido a um canto, tem pouco movimento, vocês não se actualizaram e assim, não é que sirva de desculpa, ninguém se lembrou de vos avisar desta coisa...

Mas como é que eu vou viver? tartamudeou em espanto o patrão.

Pois é, é complicado, disse o Sr. Presidente. Agora não temos solução nenhuma. As coisas estão muito em cima do acontecimento. Teremos que estudar o caso. Mas não se preocupe, dê tempo ao tempo,...alguma coisa se há-de conseguir...

E conseguiu mesmo. Logo ali o patrão teve uma recaída - também quem é que espera que um patrão tenha um tão delicado coração - o que obrigou à rápida evacuação dos meios de comunicação social, para não perturbar o doente. Uma câmara de uma televisão independente, que cirandava atrás do presidente e que se tinha dado ao desplante de filmar despudoradamente todo o incidente, teve o azar de chocar de frente com um homem da segurança que ia a correr chamar o médico - que já estava à cabeceira do doente - e ficou toda partidinha no chão. No entanto, como o segurança era homem de boa índole, parou de imediato para ajudar o operador a levantar-se e a recuperar a câmara. O que o desgraçado nunca recuperou foi a cassete que se sumiu ninguém sabe para onde. Coisas....

Assim o meu barbeiro reflectia em voz alta, dando curso à sua mansa indignação e utilizando-me para a sua psicoterapia.

Pois é - dizia ele - por causa destas obras vou agora de férias. O senhor já viu o que é ir de férias no pico do Inverno?

Tentando amenizar as coisas lá lhe fui dizendo que férias de Inverno têm os seus encantos e méritos. Por exemplo, não se perdia tempo a esperar por um lugar nos restaurantes, era-se mais bem tratado nos hotéis e, para quem gostasse de neve, umas férias na montanha era o que era.

Pois sim, ripostou-me. Para mim férias são sempre no mesmo local. Em casa! Como é que quer que eu passe férias noutro lado? Repare, ganho menos de sessenta contos líquidos, fora as gorjetas, evidentemente,

-Já te percebi meu marau.- pensei eu! Está-te a fazer ao piso...

e com isso tenho que pagar a renda do barraco, os remédios da mulher que é doente como o caraças, os transportes, a alimentação e a pouca roupa que vestimos.

A raiva desta situação infeliz fez-se sentir na minha nuca. Zás! A navalha a entrar fina e dolorosamente na minha carne.

-Cuidado homem! Ainda me tira um bife do pescoço.

- Peço-lhe desculpas...mas quando penso na minha vida dá-me cá uma raiva!

Não é que eu não percebesse a razão da sua fúria. Com sessenta anos, sem dinheiro, sem nunca ter sabido o que era um gozo real de férias, dava para rebentar com todo. No entanto eu não tinha, objectivamente culpa nenhuma desta situação e a navalha, quase tão velha como ele, já tinha com certeza cortado centenas de pescoços (à superfície, é claro) e, valha-me Deus, se algum pertencesse a alguém contaminado com sida? Estremeci e, solícito, pergunta-me o barbeiro:

- Tem frio? Eu fecho já a porta. Como isto está nem se tem ganho para comprar uma garrafa de gás para o esquentador, quanto mais para o aquecedor.

Isso já tinha notado. Levara um duche de água fria ao lavar da cabeça. Como sou pacato e não gosto de levantar questões nem disse nada. Pensei que o esquentador não tivesse ainda aquecido, no entanto disse-lhe:

-Podia ter-me avisado antes. Assim evitaria o frio que passei.

Pois é, objectou, o serviço já é tão pouco! Se eu avisar o cliente ele não lava a cabeça. E é uma quinhentola que se vai à vida. A verdade fica muito cara. Não me posso dar ao luxo de ser verdadeiro. Se agora lhe falo nisto é porque já lavou a cabeça e é o meu último cliente. Quando acabar este cabelo vou fechar as portas, entro de férias e já não volto. Não tenho dinheiro para ser patrão, o dono da barbearia nunca voltará ao ofício e eu consegui uma reforma por causa da artrite. O dinheiro não é muito. Mas com as economias em transportes e roupas, mais umas cabeças que arranje lá pelo bairro, cá me hei-de governar.

Chegado o serviço ao fim escovou-me as costas, recebeu o dinheiro e a gorjeta, fez-me um sorriso e mal eu saí, fechou, para sempre, as portas da barbearia.


Vivia-se ao tempo a euforia construtiva do Sr. Presidente. Pelo sorriso permanente, de alvos dentes em riste, pela mania de mandar azulejar de branco tudo quanto fosse de retretes a estações de metro ou comboios tinha sido Sua Excelência apodado - claro, pela oposição - de Brancolejo.

Dizia-se que as sessões na Câmara eram tumultuosas e inúteis. Discutisse-se o que quer se discutisse, tomassem-se quais decisões fossem, era certo e sabido que apenas vingariam aquelas que o Sr. Presidente já trouxesse encasquetadas no bestunto. Era um homem de grande inteireza - diziam os apoiantes - era um burro teimoso - contestavam os outros. O certo porém é que o seu mandato lá ia de vento em popa, assim, como de vento e pompa foi o dia da inauguração do parqueamento.

O que parecia não ter remédio era a desgraçada barbearia. Para além da disfunção obtida pelo patrão, da compelida reforma do empregado, erguera-se agora, comemorativamente, mesmo em frente da sua portada, um imponente monumento, que a ocultava completamente, destruindo qualquer possibilidade do patrão obter algum trespasse que merecesse a pena. Saído do hospital e confrontada a Câmara com a possibilidade de um processo em tribunal, a cair mesmo em cheio no período eleitoral, foram convocados sábios consultantes.

Que arranjassem uma solução – clamou o Sr. Presidente.

E foi assim que no dia da inauguração, entre bombeiros de retoque e desfile, meninas de flor e beijinho, fitas cortadas, discursos como o deveriam ser, todo ao jeito do antigo regime só que com mais populares na corrida, o patrão - agora tetraplégico, de cadeirinha de rodas empurrada por zeloso funcionário da Câmara -, engrossava a fila de convidados importantes e, pasmem, ele que nunca tivera carro, nem poderia agora pretender conduzir, receberia, de modo estatutário, o direito a um lugar de parqueamento vitalício e não endossável…

Mas, dir-me-ão que foi feito do empregado?

E perguntam bem porquanto, como todos somos iguais e detentores dos mesmos direitos, não poderemos cometer o feio pecado de falar de presidentes, de bancos e mesmo de barbearias e deixar, como coisa que não interessa, o destino desse anónimo fazedor das coisas reais.

Pois bem, não deixem de ter em conta que falamos de um município, de presidência consabidamente democrática e socialista, onde o povo miúdo é sempre tido na devida conta. Foi assim que no dia da inauguração, impante, garbosamente fardado, dentro de um cubículo de vidro, o meu barbeiro recebera a importante missão de cobrar os pagamentos e passar talões aos utentes do novíssimo parque.

E a estória poderia por aqui ficar, com honra, glória e proveito para todos se, no meio da felicidade do meu barbeiro, não caísse a dúvida cruel de um futuro ameaçado. É que, não nos podemos esquecer, vivemos numa época de grandes e progressivas mudanças e o nosso presidente é dinâmico, homem de larga visão do futuro e sobretudo muito viajado. Assim, dissertando sobre melhorias e desenvolvimento, por mero descuido próximo ao recém reciclado barbeiro, comentou, para a sua comitiva, que um parque assim tão moderno, dentro de todas as convenções das normas europeias, não ficaria completo sem um actualizado sistema de cobranças e controlos automáticos. Era assim que se fazia lá fora...

Vocês bem vêem, isto de ter uns velhotes caquécticos nas portagens de instalações tão modernas não dá lá muito bom aspecto...

Por isto ter ouvido é que o meu barbeiro, quando lhe fui dar os parabéns pela resolução dos seus problemas de emprego, esboçou um esforçado sorriso e disse:

Não sei bem... não sei bem...

...deixando que duas pequeninas lágrimas ensombrassem a luz daquele grande dia.
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publicado por Carlos Alberto Correia às 19:16

rostos

Sábado, 19.05.07






para o adriano correia de oliveira


I

pelos interstícios da razão
vislumbra-se a paixão do racíocinio

o horizonte fundido sobre a rota dos barcos
escapa dentro do texto que se julga
sempre a caminho do mar

a neblina colcha de torrente
comanda-me a voz
em prosas no olhar

pela altura da vaga
mede-se a esperança

à janela do tempo
acrescento qualidades
às minhas sensações

um homem
com os dias azulinos sobre o mar
traça o curso das querenas

II

eram tão poucos os rostos
franjados de presságios
para os árduos barcos
que o sonho requeria

entre enganos e dias
restolhavam vozes
cobertas de noite
onde o silêncio
começava a existir

mas eram tão poucos
a mondar nos trigos dos critérios
o gorgulho dos prantos

ausentes da revolta
agora vamos sozinhos

os deuses são abismos do futuro

III

alguns barcos encalham e apodrecem
dentro dos rios crescem as barragens
balanço de metáforas transformação de cidades

nas máscaras do grito espia-se o grito
neste país de fronteiras sem vizinhos as borboletas das noites de agosto
turbilhonam sentidos que não sabemos

perguntado ao rio qual o caminho
o bafo das neves sem repouso
remete ao local sonolento dos pricípios

a voz a pedra a tensão do futuro
contra o tempo

ícaro promete despertar
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publicado por Carlos Alberto Correia às 21:51

Uma flor para Helena

Quinta-feira, 17.05.07
Ilustração: Pedro Correia


















O telefone ribombou por volta das duas da manhã. Caí do sono, como da cama, numa perturbação redonda. Presságios de coisa má correram ao meu encontro. Eu galguei, aflito, para o telefone.

-Olá, estás bom? O raio de uma voz de quem não precisa de dormir esvaía-se pelo auscultador leve e risonha.

-Está, quem fala?

- Então não me reconheces? Sou o “Povo”, pá!

Não, não fiquem a pensar que estou aqui a tramar alguma figura de estilo com esta coisa de ter o “Povo” do outro lado da linha num telefone que ainda por cima, por portátil, não tem linha nenhuma. Era mesmo o “Povo” e queria falar comigo. Às duas da manhã! Este “Povo” nunca teve modos. Foi sempre impetuoso e inconveniente, quase a roçar o malcriado e pelos vistos continua.

Reconheci, através de anos de distância, a voz que me falava. Vieram-me à memória o fim dos anos sessenta, as cargas da polícia na universidade, a libertação luminosa de Abril e o meu companheiro constante dessas eras e lutas.

Desenrolando a mente passo a explicar-vos os porquês do nome deste amigo. Militávamos então, furiosamente e em grupos diferentes, naquilo que, acintosamente chamavam extrema-esquerda e a que nós preferíamos chamar esquerda revolucionária. Ele estava num qualquer dos muitos partidos ML (marxistas-leninistas) que apregoavam trazer a verdade, escondida em livrinhos coloridos, pronta a ser libertada pelo toque mágico dos revolucionários (nós) contra os burgueses (por acaso os nossos pais e tios) para total e completa libertação do proletariado. Eu não vou dizer para onde se escoava a minha sanha libertária porque trabalhávamos em rede e tínhamos pacto de silêncio (que ainda mantenho). No entanto todos sabíamos, embora nunca lhe tivéssemos perguntado, o que o proletariado precisava e queria. Estão a ver a coisa?

O cognome do meu amigo, como os meus distintos leitores já se aperceberam, era o “Povo”. Resultara tal da sua forma única, pronta e arguta de resolver todas as questões ou contradições com o mote de “ o “Povo” tem sempre razão”. E pronto! Só não gostava que lhe falassem em eleições. Isso era o Diabo! Traía-se o proletário com semelhante dislate. Só a Revolução era resposta suficiente para os males sociais e a população esperava apenas que, de entre nós, o Partido e o seu Mentor se revelassem, numa palavra de ordem arrasadora e por milénios viessem instaurar a república perfeita.

- Eh! Pá! Disse eu. Pregaste-me um valente susto. Isso são horas de telefonar a alguém?

- Pois, retorquiu, pensava encontra-te acordado. Tenho de fazer-te uma confissão e não podia esperar.

O raio do homem deve estar parvo. Acordar-me assim para fazer uma confissão. Bolas, não sou padre nem polícia e o que quero mesmo é acabar o meu soninho.

-Espera…espera, resfolegou aflito. Não desligues. Acabei de ler no teu blogue que apoiavas a Helena Roseta e é sobre isso que te quero falar…

Esta é boa. Ainda vai dar-me uma desanda depois de me ter acordado a desoras. Só mesmo do “Povo” é que poderia vir uma destas. O tipo sempre tivera uma zina danada à Roseta e devia pensar que eu estava a trair todos os meus ideais ao apoiar tal pessoa.

- Sabes, ela é mesmo uma grande mulher…

Espanto meu, a boca a abrir-se-me, já não de sono, mas de estupefacção.

-…e trago um peso comigo e tenho que desabafar. Lembras-te quando a AD ganhou as eleições?

E sem me deixar confirmar:

...pois fizeram um grande desfile na avenida onde eu morava. Num dos carros abertos ia a Helena Roseta. Eu já não podia com os vivas, as buzinas e o engano que o Povo sofrera nas urnas. Quando ela passou junto ao meu prédio, deu-me uma fúria maluca, agarrei num vaso e atirei-o contra o carro onde ela ia.

Vaso ainda no ar e já eu me arrependia amargamente do impensado do meu gesto. Nesse momento até me fiz religioso e pedi: – aí meu Deus faz com a que o vaso não atinja alguém. Milagre dos milagres, entre a multidão compacta, foi estilhaçar-se com estrondo, que parou a manifestação, numa zona completamente livre de gente. Respirei aliviado e segundos depois alguém tocou à campainha da minha porta. Percebi a mensagem mas, amargurado que estava, decidi-me a enfrentar a responsabilidade. Pelo intercomunicador, perguntei quem era. Ninguém me respondeu. Desde então carrego comigo este peso…

- Certo, não sabia nada disso, mas porque é que me escolheste a mim para desabafares e a esta hora da manhã?

- Já te disse, foi o teu blogue, pá! É que agora vivo em Lisboa e quero que saibas que vou votar na Helena Roseta para a Câmara. Vou entregar-lhe a flor que faltava no vaso que lhe atirei.






Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt/

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publicado por Carlos Alberto Correia às 20:35

fobos (poema)

Terça-feira, 15.05.07
(Ilustração de Pedro Correia)


I

vinha falar do homem
signo completo a decifrar

primeiro absorve-se o
corpo os actos os fatos
pode mesmo achar-se a dominante
no corte do cabelo
na linha da boca ou
no particularíssimo modo de
estender o passo

entretece-se depois o jogo mais
perverso e subtil
do significado
produção pretensamente espontânea
transferência de gestos e semi-sorrisos
nos jogos das falas

impossível trazer à tona
todo o conhecido

II

entenda-se o homem como uma
fita vermelha embebida de azul
longe do patriotismo médio

denotação de razões
desconhecidas
jogos malabares
com que me divirto a
enxamear o papel de

situações

escuta o abismo da palavra

as palavras respiram
têm substância estalam
obscuras e viscosas e doem
irrecusáveis e ditas

as palavras são
agonias suculentas
revolvem doeres e
perceptíveis incrustam-se
nos cegos olhos das palavras

tenho um novo carregamento
por partir

abram as portas à partirnidade




III

e esta hem
esta metafísica do dizer
esta filosofia do como se diz
o porquê mais conseguido

tudo porque um homem
é o signo do seu signo universal

explicando

um homem passa do ser
à qualidade
em pura imagem se crê
plasma-se
sem contornos
na tela

é plano como o advérbio
que tanta força dá ao que se diz

verdadeira a mente
é lugar onde
se passam muitas coisas que só passam
em absoluto
ali

IV

divirto-me com o jogo

digo
com a vida

o dramático silêncio assusta-se
nas respostas

a canção chama a canção
e esses por vezes letárgicos olhos
do meu amor

respiram nas palavras
das palavras

os barcos são ainda
as catedrais onde se reza ao mar

responde o sol sobre as casas

reconstruí o molhe e o trenó
parado sobre a neve

o jogo pode regressar

V

no papel suburbano de tornear
as fronteiras do mundo
temos o teatro
de novo o jogo

cristo andou por aqui aos caídos
sem perceber o sarilho em que nos
metia

tudo na melhor das intenções

lixou-nos pronto

a malta agora que se aguente
carregue a cruz e vote tacticamente
no partido errado de todas as eleições

eu sou um cidadão cumpridor
vou ali já venho e se puder
não regresso

pois pois o sagrado amor a esta
vidinha parva a deontologia retrospectiva e católica
apesar das esfusiantes negações

platão é que a sabia toda
e não queria poetas na républica

ouve
se me deixares embarcar na utopia
fecho num cofre de banco
a multinacional da poesia

e
vou mentir contigo
a alegria maldita de não ter
que dizer e descansar
na mediocre felicidade actual

porém escuta
o homem é um signo completo

VI

nas órbitas de marte
sócrates espera-nos
na torre da cicuta
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publicado por Carlos Alberto Correia às 16:12

MADDIE/DARFUR

Domingo, 13.05.07





Duas imagens terríveis têm-se sobreposto, durante a semana, na minha mente e causado uma forte descompensação de consciência.

Uma das imagens é a de uma menina loura – agora com quatro anos de idade – bem tratada, revelando amor e desvelos em todas as fotografias que nos foram apresentadas e, entrando fulgurantemente em drama após um rapto acontecido – quanto a nós - em estranhas circunstâncias. Outra é a de uma criança, esquelética, negra, de crânio quase maior que o corpo, expirando sobre o pano azul que cobre a mãe.

Dois destinos trágicos, duas situações paralelas no horror, mas diferentes na expressão.

Ao contrário de Hermes Trimegisto que ensinava que “o que está em cima é igual ao que está em baixo” a informação e a sociedade vieram mostrar-nos coisas bem distintas. Basta que troquemos os termos cima e baixo por longe e perto, por rico e pobre, por europeu ou africano e todos os cenários se alteram, tudo toma valores distintos e nada se assemelha ou equivale.

Correndo o risco de parecer insensível ao drama individual, parece-me ser meu dever, como ser humano, demonstrar que a escala de sofrimento, visibilidade e interesse estão profundamente deslocados nestes dois casos.

Analisemos.

Estando de férias no Algarve, os pais de uma família de nacionalidade inglesa, foram jantar, a um restaurante situado a poucos metros da residência, deixando os filhos a dormir no apartamento. De vinte em vinte minutos – segundo a comunicação social – um dos pais deslocava-se à residência para observar o bem-estar dos filhos. Numa dessas deslocações, um dos progenitores, verificou a ausência da filha mais velha Madeleine, ou como diminutivo Maddie. Foi dado o alarme e imediatamente se mobilizaram meios poderosíssimos para encetar as buscas – infelizmente até agora goradas – da criança desaparecida. Todos conhecemos o circo mediático que se montou, a habitual proficiência e arrogância inglesa que antes de tudo passou um certificado de incapacidade à nossa polícia e, com um vago sentimento de superioridade e ancestral posse, considerou-nos um país atrasado e o acontecido resultado de tal estado civilizacional. Recordar que os raptos de crianças em Inglaterra são bem mais vulgares que em Portugal, foi coisa que não lhes ocorreu. Assim como não pensaram que a sua eficiente polícia não foi capaz de evitar os rebentamentos no Metro e não consegue resolver muitos dos casos de crianças, por lá, desaparecidas ou raptadas.

Ou então para quê recordar o caso do cidadão brasileiro abatido a tiro no metro apenas por ter a pele um pouco mais escura? Ou a criação desse raro fenómeno cultural que dá pelo nome de “hooligans”?

Avançando…

Ao sofrimento indizível destes pais respondeu uma forte comoção e apoios morais e sociais tanto em Portugal, como na Inglaterra. Perdidos na dor única de não saber de um filho, nunca estiveram sozinhos e sempre resta a esperança da resolução positiva do caso.

E no Darfur, a mãe que sente o seu filho morrer que esperanças tem?

Recebi no dia 7 de Maio um e-mail remetido por pessoa amiga, emanado pelo “Collectiff Urgence Darfour”, http://photos.blogger.com/www.europetition-darfour.fr
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Outra é a de uma criança, esquelética, negra, de crânio quase maior que o corpo, expirando sobre o pano azul que cobre a mãe.<br /><br />Dois destinos trágicos, duas situações paralelas no horror, mas diferentes na expressão.<br /><br />Ao contrário de Hermes Trimegisto que ensinava que “o que está em cima é igual ao que está em baixo” a informação e a sociedade vieram mostrar-nos coisas bem distintas. Basta que troquemos os termos cima e baixo por longe e perto, por rico e pobre, por europeu ou africano e todos os cenários se alteram, tudo toma valores distintos e nada se assemelha ou equivale.<br /><br />Correndo o risco de parecer insensível ao drama individual, parece-me ser meu dever, como ser humano, demonstrar que a escala de sofrimento, visibilidade e interesse estão profundamente deslocados nestes dois casos.<br /><br />Analisemos.<br /><br />Estando de férias no Algarve, os pais de uma família de nacionalidade inglesa, foram jantar, a um restaurante situado a poucos metros da residência, deixando os filhos a dormir no apartamento. De vinte em vinte minutos – segundo a comunicação social – um dos pais deslocava-se à residência para observar o bem-estar dos filhos. Numa dessas deslocações, um dos progenitores, verificou a ausência da filha mais velha Madeleine, ou como diminutivo Maddie. Foi dado o alarme e imediatamente se mobilizaram meios poderosíssimos para encetar as buscas – infelizmente até agora goradas – da criança desaparecida. Todos conhecemos o circo mediático que se montou, a habitual proficiência e arrogância inglesa que antes de tudo passou um certificado de incapacidade à nossa polícia e, com um vago sentimento de superioridade e ancestral posse, considerou-nos um país atrasado e o acontecido resultado de tal estado civilizacional. Recordar que os raptos de crianças em Inglaterra são bem mais vulgares que em Portugal, foi coisa que não lhes ocorreu. Assim como não pensaram que a sua eficiente polícia não foi capaz de evitar os rebentamentos no Metro e não consegue resolver muitos dos casos de crianças, por lá, desaparecidas ou raptadas.<br /><br />Ou então para quê recordar o caso do cidadão brasileiro abatido a tiro no metro apenas por ter a pele um pouco mais escura? Ou a criação desse raro fenómeno cultural que dá pelo nome de “hooligans”?<br /><br />Avançando…<br /><br />Ao sofrimento indizível destes pais respondeu uma forte comoção e apoios morais e sociais tanto em Portugal, como na Inglaterra. Perdidos na dor única de não saber de um filho, nunca estiveram sozinhos e sempre resta a esperança da resolução positiva do caso.<br /><br />E no Darfur, a mãe que sente o seu filho morrer que esperanças tem?<br /><br />Recebi no dia 7 de Maio um e-mail remetido por pessoa amiga, emanado pelo <em>“Collectiff Urgence Darfour”</em>, <a href="http://photos.blogger.com/www.europetition-darfour.fr" rel="noopener">http://photos.blogger.com/www.europetition-darfour.fr</a><a href="http://photos.blogger.com/%3chttp://www.europetition-darfour.fr/%3e" rel="noopener"><http:></http:>, visando recolher, até 1 de Junho, um milhão de assinaturas para obrigar a ONU a enviar uma força de interposição que evite o genocídio que ali, quase invisivelmente, decorre desde 2003. A enormidade do desastre mede-se nos 400.000 mil mortos e nos 2 milhões de refugiados contados até ao momento.<br /><br />Mede-se também no desespero da UNICEF que necessitando de 89 milhões de dólares apenas conseguiu 11 milhões e que sem esse dinheiro deixará de imunizar <strong>meio milhão de crianças</strong>, ficará impossibilitada de fornecer água potável a uma população de cerca de seis milhões de habitantes e assistirá impotente à condenação à morte, pela fome, de muitos outros milhares de crianças perante o impressionante pacto de silêncio que parece ter sido estabelecido entre a imprensa, a televisão e os governos do mundo.<br /><br />Eu sei que o conflito no Darfur, região situada na parte Ocidental do Sudão, é um caso complicado da geoestratégia do petróleo. Mesmo assim não deixa de ser curioso que o dinheiro que falta para salvar pessoas nunca falte para o aumento contínuo do armamento de origem chinesa e russa que alimenta há anos esta guerra.<br /><br />É aqui que reside a minha dor de consciência. Não sou desumano, não sei que horrores está a sofrer a pobre Maddie, reconheço, sem qualquer esforço, o tremendo drama dos pais, mas pergunto:<br /><br />É aqui que deve parar a nossa solidariedade humanitária? <em>“E às crianças”</em> do Darfur, “<em>senhor? Porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim!”<br /></em><br /><br /><br /><br /><br />Publicado in “Rostos on line” – <a href="http://rostos.pt/" rel="noopener">http://rostos.pt/</a> <div style="CLEAR: both"><a href="http://picasa.google.com/blogger/" target="ext" rel="noopener"><img style="BORDER-RIGHT: 0px; PADDING-RIGHT: 0px; BORDER-TOP: 0px; PADDING-LEFT: 0px; BACKGROUND: 0% 50%; PADDING-BOTTOM: 0px; BORDER-LEFT: 0px; PADDING-TOP: 0px; BORDER-BOTTOM: 0px; -moz-background-clip: initial; -moz-background-origin: initial; -moz-background-inline-policy: initial" alt="Posted by Picasa" src="http://photos1.blogger.com/pbp.gif" align="middle" border="0" loading="lazy" /></a></div></a>

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publicado por Carlos Alberto Correia às 22:14

paisagem com maçã rio e um carneiro adventício (poema)

Sexta-feira, 11.05.07
I

este poema é cheio de boas intenções
por isso vai em prosa
será todavia possuidor de um corpo diáfano
essencialmente virado para a poesia

por tanto este poema é de seu bastante
poético

conta-se que um investigador aventou
a hipótese mais que arrojada de ser a fome
a causa fundamental do canto do poetas

um outro
mais arguto ou menos nefelibata contrapôs
após rigorosa observação de quinze
mil gerontes esfomeados que em nenhum
estoirou qualquer pedaço
de estro poético

de aqui concluiu tal observador
a lei que passo a transcrever

"não é a fome a origem da poesia
são os actos sucessivos e poéticos
que originam a fome"

por isso

II

há uma árvore sobre um rio
um peixe perplexo
um animal de frio

confronta-se dezembro no interior das casas
insistentemente clamo pela palavra
e o pôr-de-sol
caminha pelos invernos estabelecendo os dentes
na carne das maçãs

recordo vagamente o paraíso
e as plumas cor de rosa da celestial democracia
nos meles do pleno emprego sem tensões laboriais
apenas interdita a maçons esses neo-criadores de
bicharocos esquisitos nos bestuntos de tanta gente
com dificuldades em perceber que os pedreiros possam ser
livres ou os livres possam ser pedreiros

III

a propósito de seriedade lembrei-me
de uma história onde uma criança com fome contracena com um senhor condoído


entra o senhor e diz

tens fome criança
e num repente emocionado levando a
dextra ao bolso

toma lá pinhões

e assim se percebe o longo e amoroso olhar
que el-rei dinis lançou ao seu pinhal
futuro refeitório de crianças pobres
que o nosso esmoler henrique de pé descalço
mandou descobrir por tudo o mundo onde
pudesse chegar o cheiro que as rosas do milagre
fizeram desabar nas praias da linha de cascais

IV

como é para todos perceptível este poema
é - além de sério - tremendamente moral

relembremos

há uma paisagem com rio
uma árvore uma maçã um carneiro eventual
uma criança com fome

ou como diria um provável opositor
o que sobressai é a mania de dizer mal
de uns senhores ditos intelectuais
que só servem para perturbar os momentos em
que a inspiração se furta consciente ao raciocínio
da indignação

V

a inspiração a inspiração a inspiração
uva que não é quotidiana
parra do curto-circuito da gestação do pensável
acne da terra horizonte em sentido figurado
maçã carneiro e rio ou pluma de corista

é inspiração é aspiração é sofreguidão por aspirar
a culpa a bíblia a analogia

pois fique o eufrates lá onde ficar
o que de momento mais me apoquenta
é saber que em portugal um sargento
das américas vale muito mais que um de cá
general

portanto
abaixo a américa e o custo de vida
as armas nucleares e as outras se possível
e pensemos que fazer dos tectos
da habitação e salarial

pois é assim que deve terminar um poema bom e moral

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publicado por Carlos Alberto Correia às 21:33

Helena Roseta

Quinta-feira, 10.05.07
Apenas umas breves palavras para saudar a coragem, mais uma vez demonstrada, a visão política e a entrega total a causas, desta mulher a que ninguém consegue ficar indiferente.

Não sou de Lisboa, não voto em Lisboa - e hoje tenho pena - mas o meu apoio vai desde já para esta candidatura. Este blogue, independente por natureza e escolha, tomará, sempre que necessário, as cores da bandeira que Helena Roseta ergueu por Lisboa.

Independência, capacidade, inteligência. sensibilidade e intuição.

Com Helena Roseta é Lisboa que ganha.
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publicado por Carlos Alberto Correia às 23:30


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