ocidente
Quinta-feira, 20.04.06

é meu país um movimento
é meu país coisa ficada
no entanto
em ruas dormirei de sono feito
e acordarei
no dia em que país crescendo
for interior de homens encontrados
não país quieto no movimento
onde me quedo sentado
In Silêncio Mordido, Plexo,1974
Foto: Pedro Correia

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o desporto não se mistura com política
Terça-feira, 18.04.06

ao pepe das bancadas e o coração também
o voto não
no terreno santo da concórdia
abrimos o grito em sã competição
a voz enrouquece
mas é pela nação
sem problemas de cor credo ou raça
eliminamos os dissídios de classe
e lutamos armas iguais pela vitória
- exeptuamos berlim que aí
hitler volta as costas à história -
na praça do desporto damos as mãos
na concentração de massas unicéfalas
alpinista do peão emigrantes da glória
matamos o árbitro e nesse movimento
esmagamos quem oprime - claro em pensamento
que tudo na praça do desporto tem seu preço
- como na da canção -
se um ganha outro perde nesta confrontação
cada campo é de desporto e de concentração
In silêncio mordido, Plexo, 1974
Foto : Forte de Peniche - Pedro Correia

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poema para charly
Sexta-feira, 14.04.06

tinha ossos na alma mão acilosadas
é preciso que se ame enquanto a recordação dura
e nada é frio nada são olhos de morte mãos no cérebro
à porta da decepção os átomos de carbono
acenavam lenços de assoar
e as casas grandes esmagavam o jardim
é o tempo
que chega o tempo de não chegar as televisões
gritam bombas conquista diária da morte
é preciso charly é preciso que se ame com raiva
e átomos fissionados até um inexistente
deus voltar a cara ao polígono dos dedos
em orações de corpos de mulheres ao nosso
baloiçam as pernas nas caudas dos cometas
seca a areia come-se espaços de sermos pouco
basta do tempo do nada que chega
In silêncio mordido, Plexo, 1974

Foto: Pedro Correia
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cupelon
Quarta-feira, 12.04.06

sobre a guiné havia brumas
de histórias sem regresso
na noite
em calmosas mentiras
dormiam pântanos incêndios
e dois homens mortos
em casa do grotesco
bissau quase um pouco de nada
um corpo mulato a vários níveis de crédito
convidado para o grande reveillon do fim da vida
hospital militar 241 nos braços dos helicópteros
ou a surpresa de morrer em cada manhã
um batido de política e desportos
na arquitectura de um sorriso e perfume
para depois das cinco e meia com revistas
e pin-ups e frases que colo no cérebro
máquinas de fazer milagres precisam-se
ou a cristina vai ficar se namorado
in silencio mordido, Plexo, 1974

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Não te esquecerei nunca
Terça-feira, 04.04.06
Cumprir-se-ão 32 anos, no próximo dia 25 de Abril, que no meio dos acontecimentos que revolucionaram o País, saiu, discreto, para a luz do dia um pequeno livro de poesia com o nome de Silêncio Mordido.
Foi o meu primeiro livro editado e, no dia da sua saída, ficou por completo abandonado, mesmo por mim, porque aquilo que este livro denunciava e atacava, acabara de ruir sem honra nem glória.
Com o avassalar de acontecimentos quer o lançamento, quer a distribuição do livrinho ficaram muito comprometidos e se despercebido nasceu, despercebido continuou até que um dia, passados muitos anos, um amigo me disse, meio envergonhado, que numa banca de alfarrabista, no Parque Mayer, estavam, a preços da chuva, alguns quilos do meu Silêncio Mordido.
Corri ao alfarrabista e por tuta-e-meia comprei as centenas de exemplares à venda.
E aí lhe fiz correr o destino entregando-o a leitores seleccionados, que sabiam muito sobre as suas circunstâncias.
Explico.
O livro trás a seguinte dedicatória:
“À memória de MANUEL JOÃO
Alentejano. Mineiro em S. Domingos ceifeiro em Baleizão. No dia 7 de Abril morreu. Na linha de Cascais, sob um comboio. NÃO FALOU. “
O Manuel João tinha mais de cinquenta anos nessa altura e estava quebrado pela dureza da vida e pela prisão política. Tinha os cabelos fartos e brancos e uma voz de quem pede desculpa. No entanto espantava tanto por tantas coisas que um dia, um administrador da empresa onde ambos trabalhávamos comentava comigo em jeito de admiração: Sabe que o Manuel João lê o Alves Redol??!! Um contínuo a ler…!!!
Sabia e sabia muito mais. Que dava apoio e guarida em casa a gente perseguida pela PIDE e que, na Sexta-Feira ante da sua morte, ao findar do dia, me revelou uma sua grande preocupação. Tinha sido levado uns dias antes à PIDE. Tinham-no interrogado brevemente e, coisa admirável, deixaram-no sair sem muitos problemas. Do seu saber arcano isto tinha-o feito desconfiar muito e percebeu que continuava a ser seguido. A preocupação que me confiou foi: - Estou velho, tenho medo de já não aguentar o interrogatório e de vir a dizer coisas que não devo.
Confortei-o conforme me foi possível mas com pouco êxito. O Manuel João lá se foi a caminho de casa e do fim-de-semana.
Nunca mais o vi.
Disse-me posteriormente o irmão que pela manhã desse sábado, na estação ferroviária de S. Domingos de Rana, esperava o comboio, perto da mulher, quando se apercebeu que a PIDE o ia prender.
Beijou-a e disse-lhe qualquer coisa como isto – Eu não falo. Adeus!
Atirou-se para baixo da composição, que passava no momento, mordendo, para sempre, os seus segredos.
Foi o meu primeiro livro editado e, no dia da sua saída, ficou por completo abandonado, mesmo por mim, porque aquilo que este livro denunciava e atacava, acabara de ruir sem honra nem glória.
Com o avassalar de acontecimentos quer o lançamento, quer a distribuição do livrinho ficaram muito comprometidos e se despercebido nasceu, despercebido continuou até que um dia, passados muitos anos, um amigo me disse, meio envergonhado, que numa banca de alfarrabista, no Parque Mayer, estavam, a preços da chuva, alguns quilos do meu Silêncio Mordido.
Corri ao alfarrabista e por tuta-e-meia comprei as centenas de exemplares à venda.
E aí lhe fiz correr o destino entregando-o a leitores seleccionados, que sabiam muito sobre as suas circunstâncias.
Explico.
O livro trás a seguinte dedicatória:
“À memória de MANUEL JOÃO
Alentejano. Mineiro em S. Domingos ceifeiro em Baleizão. No dia 7 de Abril morreu. Na linha de Cascais, sob um comboio. NÃO FALOU. “
O Manuel João tinha mais de cinquenta anos nessa altura e estava quebrado pela dureza da vida e pela prisão política. Tinha os cabelos fartos e brancos e uma voz de quem pede desculpa. No entanto espantava tanto por tantas coisas que um dia, um administrador da empresa onde ambos trabalhávamos comentava comigo em jeito de admiração: Sabe que o Manuel João lê o Alves Redol??!! Um contínuo a ler…!!!
Sabia e sabia muito mais. Que dava apoio e guarida em casa a gente perseguida pela PIDE e que, na Sexta-Feira ante da sua morte, ao findar do dia, me revelou uma sua grande preocupação. Tinha sido levado uns dias antes à PIDE. Tinham-no interrogado brevemente e, coisa admirável, deixaram-no sair sem muitos problemas. Do seu saber arcano isto tinha-o feito desconfiar muito e percebeu que continuava a ser seguido. A preocupação que me confiou foi: - Estou velho, tenho medo de já não aguentar o interrogatório e de vir a dizer coisas que não devo.
Confortei-o conforme me foi possível mas com pouco êxito. O Manuel João lá se foi a caminho de casa e do fim-de-semana.
Nunca mais o vi.
Disse-me posteriormente o irmão que pela manhã desse sábado, na estação ferroviária de S. Domingos de Rana, esperava o comboio, perto da mulher, quando se apercebeu que a PIDE o ia prender.
Beijou-a e disse-lhe qualquer coisa como isto – Eu não falo. Adeus!
Atirou-se para baixo da composição, que passava no momento, mordendo, para sempre, os seus segredos.