Não irei bater palmas a Lula
Com muita, mesmo muita pena, não irei, no dia da Liberdade, saudar a presença, do Presidente do Brasil em terra Lusa, nem na Assembleia da República.
Claro que não estou esquecido de como, no seu primeiro Governo retirou milhões de brasileiros das garras da fome, nem de como, num continente semeado de ditaduras foi a luz da esperança democrática. Também não me tentem colocar no rol dos seus acusadores de extrema-direita, nem do lado do execrável Bolsonaro, ou mesmo sugiram fazer de mim um apaniguado da vontade imperialista dos Estados Unidos.
Se o fizerem não só estarão completamente errados, como não perceberão nada de quanto, neste momento, se joga no mundo. Tento apenas ser coerente na defesa das liberdades a que cada ser humano, cada país tem direito.
Como se diz no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas:
“NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservarmos as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso económico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR OS NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS”.
Por isso a minha deceção ao ouvir as declarações de Lula da Silva no seu périplo entre a Rússia e a China. Esperava dele, sim, mesmo sabendo o esforço de fazer dos BRICs um ator maior na partilha dos poderes mundiais, uma posição coerente com a Carta das Nações Unidas e não foi isso que ouvi.
Falou de paz, falou, mas com boca de mentira! Esqueceu-se de referir quem a quebrou, de que modo e com que objetivos o faz e, além disso culpou os Estados Unidos, e com ele todos os países ocidentais de, ao proporcionarem meios de defesa ao atacado, serem eles os fautores da guerra, esquecendo que as posições de agressor e vítima não são correspondentes, nem iguais. O que ele disse ao falar em paz foi simplesmente - sem a hipocrisia de estar a defender o indefensável - deixem o agressor conseguir as suas pretensões, ainda que para isso seja necessário assistir ao esmagamento de um povo no mesquinho interesse de uma potência (que já não o é) mas pretende continuar a dominar e exterminar povos.
Eu sei que é doloroso por na boca de Lula da Silva a crueza destas palavras, o nefando desta posição, mas foi o que ele fez ao falar numa paz que apenas beneficiará o agressor e que, a ser conseguida, será o estímulo suficiente para continuar a guerra contra outras nações independentes, até que um perigoso maníaco consiga refazer um império no qual só ele e os seus próximos acreditam, têm esperanças e confiam.
Por isso a minha consternação, por isso a tristeza de mais uma desilusão e a certeza de que por esta “real politik” me será impossível congratular com a visão de Lula da Silva na casa da Democracia.
A vida prega-nos partidas destas e, contristado, profundamente magoado, não irei dizer, como desejava:
Bem-vindo Presidente Lula!
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Descontam-me no IRS?
Em primeiro lugar confesso a minha simpatia pelo Papa Francisco, assim como a tive também por João XXIII. Já João Paulo II e Bento XVI não recolhem nem um pouco da minha afabilidade. Não que isto lhes importe ou incomode, é apenas para me situarem no campo a que pertenço e não haja dúvida sobre o que digo e da posição onde me coloco. Devo, no entanto, formular uma declaração de interesses mais clara. Sou agnóstico e recorrendo a uma síntese de extraordinária elegância, da autoria de Mário Soares, sou republicano, socialista (creio que um pouco mais que ele) e laico.
Assim, mesmo os papas com quem mais simpatizo têm algo em que não me revejo: uma crença e uma doxa. Julgo que as religiões, pregando paz e concórdia têm contribuído ao longo dos tempos, na defesa de regras e interesses próprios, para o aumento da discórdia e a diminuição da paz. Mas, como diz o outro, isto sou eu a pensar. Já agora acrescento que não pugno contra nenhuma religião, respeito as escolhas de cada um, assim como espero que respeitem as minhas. Aclarados estes princípios, vamos ao que interessa. É isso mesmo. Os, não sabemos quantos milhões, que irão ser gastos para um evento – do qual não descuro a importância – organizado por e para uma crença, neste caso a católica.
É bom que nos lembremos que somos um estado laico, tendo por obrigação não discriminar, nem privilegiar, qualquer religião. Se eu pertencesse a qualquer culto que quando decide fazer uma convenção, ou qualquer especial ajuntamento de fiéis, se vê compelido a esportular os custos de aluguer de recinto e outros, sentir-me-ia tentado, com base na Constituição, a apresentar as faturas ao Governo para ele as pagar. Embora discordasse disto, perante o presente financiamento do encontro da juventude católica, ver-me-ia forçado a reconhecer-lhes a razão.
Por outro lado observámos o júbilo com que o nosso Presidente aceitou a realização deste evento no nosso País. Todos sabíamos, portanto, que ele se iria realizar e quando. Estaríamos pois à espera que os responsáveis religiosos e governamentais, em tempo, discutissem e alinhassem programas e custos. E o que vimos? Mesmo estando em Portugal algo de inacreditável. Nada se pensou, discutiu ou planeou em todos esses anos e, repentinamente, a poucos meses do evento, surgem-nos com planos mirabolantes, com custos astronómicos, tão em cima do acontecimento que só as adjudicações diretas (com toda a carga de oportunismo e desconfianças) poderiam responder à urgência dos trabalhos. “Oh! Bálha-me Deus”! Então eu que não vou estar no evento, que não tenho culpa nenhuma de negligências, interesses, incapacidades, oportunismos e muito mais coisas que me ocorrem e que não vou escrever, vou ter de pagar, com os meus impostos, toda esta carga de incoerências? Ah! Já me vieram descansar. As infraestruturas servirão para o futuro bem-estar das populações e haverá um forte retorno financeiro trazido pelos visitantes que irá superar o investimento. Tal como na Expo, não é verdade???!!!
Aqui chegados só uma esperança me resta. Nada tendo a ver com a religião que vai ser servida com tudo isto, sabendo que a constituição vai ser abalroada na igualdade de tratamento entre religiões, não querendo contribuir com o meu dinheiro para tal espavento espero, sinceramente, que a minha parte me seja devolvida no IRS.
Estamos conversados?
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Isto sou eu a dizer… Textos decetivos - 2
Como tenho escrito ao longo dos tempos, não gosto nada, mesmo nada, de maiorias absolutas. Sejam elas do partido que for.
O tipo de democracia instituído no nosso país é o representativo. Isto é, pressupõe-se que os eleitos na Assembleia, de forma genérica, representam os diversos sentires sociopolíticos das nossas gentes. Por tal é esperável que ninguém tenha a maioria absoluta e que os governos se vejam obrigados não só a consensos como aos escrutínios constante e eficazes de parceiros, ou opositores, em relação a qualquer lei ou decisão. Ora, tendo em conta os elevados níveis de absentismo nos atos eleitorais, qualquer maioria absoluta representará apenas uma minoria, qualificada para submeter as outras imensas minorias à “húbris” do partido governamental.
Esta situação conduz quase sempre à arrogância, a soluções parcelares mascaradas de maioritárias e ao exacerbamento - pela relativa ineficácia das capacidades operativas das oposições - quer de lutas internas partidárias quer da ocupação dos opositores com “casos e casinhos” transvestidos de interesses nacionais. Enfim, um atraso de vida, a pantanização da política, a dilação do desenvolvimento necessário à saúde das sociedades.
O último caso foi o já tão comentado, utilizado e manipulado da indemnização de Alexandra Reis. Falemos um pouco disso. Quando se faz um contrato de trabalho com qualquer entidade estabelecem-se as regras de remunerações, condições de trabalho e da cessação do mesmo, além de outras cláusulas específicas que, pela diversidade, nem vale a pena tentar enumerar. Portanto, sem conhecer o contrato da visada é claramente impossível afirmar se os quinhentos mil euros são um direito, ou fruto de acordos especiais para “pessoas importantes em momentos duvidosos”. E por aqui nada mais haveria a dizer.
No entanto, o caso passou-se na TAP – empresa em situação difícil, com ordenados cortados e despedimentos vultuosos – razão pela qual, no nosso rarefeito nível de vida, rebentou como escândalo ofensivo da magreza das indemnizações convencionais e dos baixos vencimentos que as determinam. Neste momento, já não estamos meramente no terreno do direito. Entra em campo a esquisitice dos comportamentos éticos e a dúvida entre o direito da ética e a ética do direito. Por outras palavras. Se tenho o direito contratual de receber uma determinada quantia devo ou não abdicar dela? Isto é, prescindir de um direito substantivo em nome de um valor abstrato? Não sei se haverá para isto uma resposta única. Direi mesmo ter todas as dúvidas do mundo, sabendo tal depender de caráter, valores, formação cívica etc., etc. e ainda etc.
Poderíamos ficar a discutir gostosamente esta questão se ela não se tivesse tornado um vendaval a cair certinho sobre a maioria Socialista. Os de sempre, no cumprimento do seu papel, vieram pedir cabeças e execuções. Os outros de sempre tornaram às cansadas justificações, saldando-se tudo isto, para já, na demissão de um Secretário de Estado e na de um Ministro sobremaneira incómodo dentro do Partido, e, sobretudo para os opositores das direitas. Tudo bem! Cada um faz, do modo que lhe apraz, o jogo que lhe convém. Mas então a TAP só tem tutela? Não tem administração? Desculpem-me a brutalidade, porém, com os erros cometidos, eu já teria mandado esta administração à vida. Mas isto sou eu a dizer que, destas coisas, cidadão normal que sou, apenas sei o transmitido pela informação social não possuindo fontes privilegiadas a sussurrarem-me ao ouvido quanto não se pode saber, mas se deve propalar.
Feita a prova dos nove, fica-me a impressão de uma maioria a desfazer-se por oposição a si mesma, por falta de capacidade de consenso interno ou com oposições credíveis, além da grande ironia de desconfiar que, com esta oportuna demissão, Pedro Nuno Santos devolveu, com juros, a humilhação que, a respeito dos aeroportos, lhe fez o Primeiro Ministro, voltando a estar na corrida para o Secretariado-Geral do Partido. Medina que se precate! A roleta voltou a mover-se.
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Fronteiras
Nunca me esqueço de duas afirmações de Carl Sagan sobre a Terra. A primeira é que, vista do espaço, a terra é um pálido (e frágil) ponto azul. A segunda e neste contexto mais importante, é que do espaço não se vêm fronteiras. E ainda, parafraseando António Sérgio – cito de cabeça – uma fronteira é o lugar mais distante a que um estado consegue levar as suas forças armadas.
Por isso, qualquer fronteira, é uma linha imaginária político-económica, mais ou menos estável, traçada segundo a força e os interesses de potências temporariamente dominantes. Recorde-se que na conferência de Berlim, decorrida entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885, foi dividida, a lápis e régua, a África pelas potências, na sua maior parte Ocidentais. Como é sabido não se tiveram em conta a geografia, as tribos e clãs locais e seculares, nem tão pouco as famílias divididas por tais traçados. Esqueceram, ou não quiseram lembrar-se, um conhecimento primordial: o mapa não é o terreno. Assim se criou a confusão, que ainda hoje reina em África, porque o traçado feito em Berlim não respeitou, de forma alguma, as realidades culturais e sociais existentes no terreno. O resultado foram a discórdia e confusões fomentadas entre povos unos, artificialmente separados. Como seria de esperar, dada a mentalidade da época, os mais prejudicados por tal repartição - os residentes nessas regiões ou colónias - nem foram ouvidos, nem tiveram um único representante na conferência.
Portanto, idealmente, as fronteiras deveriam ser inexistentes e a Terra seria posse ininterrupta da espécie humana (deixo em aberto a discussão sobre esse direito em relação à restante vida animal). Claro, tal só seria possível se a espécie humana se permitisse elidir o papel de chefias, hierarquias, domínios e sucessões a estabelecerem continuadamente interesses, limites e separações.
Chegamos, deste modo, aos problemas atuais das alterações climáticas, dos refugiados, da guerra da Rússia contra a Ucrânia, do crescimento das extremas direitas nacionalistas, de algum fascínio das massas – que não conheceram as ditaduras imperiais – pelos homens fortes, salvadores de pátrias e sempre, autoritários, a pôr em causa os avanços humanitários e democráticos, numa tendência para a barbárie a crescer quando os esforços, para fundir voluntariamente os limites territoriais dos países em confederações, mais aptas a defenderem o bem-estar das populações, pareciam estar a ganhar terreno.
E isto deixa-me perplexo.
Não vivo apaixonado por esta União Europeia, mas acredito que precisamos dela para sobreviver. Quanto a mim - embora de união tenha por vezes muito pouco e só por vezes se lembre daquilo que pretende ser, por se deixar subordinar a valores egoístas das nações mais poderosas ou de oligarquias locais – penso que, no mundo atual, as nações já não serão unidades integradoras suficientes para a geopolítica que se desenha. A traço grosseiro estamos a caminho da criação de blocos alargados, mais consentâneos com os problemas da época em que vivemos, tal como no século XIX se caminhava para a criação de nações, unindo regiões contíguas ou com desígnios socioculturais semelhantes. Estas modificações não surgem do nada, mas são consequências das alterações tecnológicas em crescimento a transformarem possibilidades, necessidades, comunicações e aceleramento nos modos de vida das sociedades humanas.
No entanto estes blocos podem ser tão antagonistas entre si, como as nações o foram, dando, no século passado, origem a duas tremendas carnificinas que nunca deveriam ser esquecidas, mas que parecem agora não lembrar a muitos nos comandos das políticas internacionais.
É aqui que se me afigura o maquiavelismo das ações de alguns centros aglutinadores dos blocos. A traço grosseiro apontaria para um bloco Sino-Soviético (talvez com a Índia à mistura); para o Ocidental (incluindo a Europa sob gestão dos Estados Unidos) e, finalmente para o religioso/ideológico dos islamismos radicais. Ora estes blocos que visam aglutinar a si diversos povos, procuram incentivar nos outros a divisão através de nacionalismos extremos, como forma de desagregação, a permitir-lhes o domínio da Nova Ordem Mundial. O problema é que qualquer deste blocos propõem modos de vida muito diferenciados. Por isso não é indiferente, embora algumas vezes a escolha amargue, a qual ofereceremos a nossa simpatia ou adesão.
Sou ocidental, lutei pela democracia e é assim que quero viver. Não me servindo esta Europa completamente, entre outras coisas pelas ideias de vencedores e falhados, provenientes do nosso antigo cérebro retilíneo, disfarçadas de livre empreendedorismo, de contínua competição neoliberal, do aumento de desigualdades sociais, não me vejo a voltar a regimes autoritários como o chinês, nem a teocracias como as islâmicas. Deste modo, exorto todos a perceberem o que está por detrás de muitos discursos nacionalistas, a não se deixarem levar no simplismo de soluções que aparentam resolver de uma penada os problemas sociais, apontando as culpas a um ou mais grupos profissionais ou de crenças, e percebam que a Democracia tem um custo e um tempo. Se a autocracia apresenta soluções imediatas, a médio prazo transforma cada cidadão em súbdito, cada direito em favor e aprofunda as injustiças através da centralização de poder e atribuição de privilégios apenas aos comparsas.
Dirão alguns: isto é o que se passa nas Democracias. Aceito que em grande parte terão razão. No entanto podem denunciá-las e, de formas várias, lutarem modificando o que é considerado como nocivo, melhorando no médio prazo. Já nas ditaduras… traçam-se fronteiras pessoais e de grupo intransponíveis, inaceitáveis e de uma rigidez que apenas, a muito longo prazo poderão ser quebradas, com muito sofrimento, sangue e revolução.
Porque as fronteiras que existem na terra partem das fronteiras criadas nos nossos cérebros e todas são limitações indevidas de algo, sou, claramente, anti-fronteiras, sabendo-me, por enquanto utópico, mas acreditando que a utopia é o lugar do futuro.
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Serviço Nacional de Saúde? Com certeza! Mas assim? Não!
Sem qualquer dúvida o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das maiores conquistas civilizacionais do nosso povo. Deverá ser acarinhado pelos utentes e estimulado pelos governantes. O serviço que presta é indispensável e, presumo, de qualidade. Deste modo há que preservá-lo, melhorá-lo e alargá-lo cada vez mais, quer em cobertura populacional, quer em especialidades e atualizações.
Posto isto, como não há bela sem senão, vou tentar relatar uma experiência recente, tencionando manter-me sereno e compreensivo, não entrando em diatribes negativas ou emocionais.
Assim recebi a informação de familiar muito chegado, a sentir-se mal, comunicando-me que iria chamar o 112 para o conduzir às urgências, com a especialidade de que necessitava, porquanto, ligando para hospitais do SNS e mesmo particulares, nesse dia, sábado 29 de outubro, nenhum disponha de especialistas, nas urgências, para o seu caso. O 112 foi rápido a responder e trazia, como seria de esperar, a informação da urgência dessa especialidade, no caso vertente o Hospital de Santa Maria, para onde estava a ser dirigido.
Como penso ser normal nestas situações, meti-me no carro e rumei também para esse hospital.
Cheguei bem depois da ambulância. Após alguma tribulação para parquear o carro, dirigi-me às Urgências, uma pequena sala repleta de bombeiros e outros serviços de transporte de doente, de pessoas chegadas por meios próprios à espera de triagem e por um sem número de gente à procura de informações sobre familiares chegados às urgências. Tirei a senha conveniente para o meu fim e aguardei a chamada. Na maior parte do tempo, que me foi dado observar, apenas um dos dois guichés tinha um atendente. Raramente os dois se encontravam presentes. Como será de esperar o tempo de espera torna-se longo, pelo tempo em si e pela angústia de cada um. Mas, enfim, lá consegui ouvir chamar pelo número da minha senha. A esperança durou pouco. Apenas me confirmaram o que eu já sabia. A pessoa tinha entrado nas urgências e aguardava diagnóstico. Perguntei como, onde e quando poderia obter informações mais detalhadas e, como resposta recebi um só aqui! Espera mais uma hora, tire então nova senha e aguarde a chamada. Assim fiz. Seria pelas treze horas. Às catorze lá estava a tirar a senha e aguardar pacientemente a chamada, um tanto ou quanto desesperado porque o número de esperantes aumentava a olhos vistos e, compreensivelmente, os transportados pelos bombeiros e os que aguardavam triagem tinham natural precedência. Quando chegou, por fim a minha vez já perto das quinze horas, disseram nada ter ainda a reportar e voltasse a repetir todos estes movimentos pelas 16 horas. Assim fiz, com os mesmos resultados. Desesperado perguntei de novo se haveria outra forma de obter qualquer informação sobre o estado, necessidades e possibilidades de contactar o doente. Não senhor, não havia. Apenas daquela forma e ali, me seriam dadas quaisquer notícias. Perante a minha exclamação, ainda contida, de que esperava à quatro horas por uma simples informação, foi-me dado um conjunto de números de telefones para, só após as vinte horas, ligar, Aí teria toda a informação pretendida. Trouxe os números, mas já em mim residia alguma desconfiança. Por isso, decidi recorrer a meios de informação alternativos – em Portugal não se consegue passar disto – e lá soube estar o meu familiar nas pequenas cirurgias, já em tratamento e à espera do cirurgião. Ainda, na noite de sábado a mesma fonte informou que a intervenção correu bem e o doente ficaria até 48 horas no SO, em observação.
De qualquer modo, para testar o sistema, às 20 horas comecei a ligar para o número direto das urgências. Duas situações se punham: ou o sinal era de impedido, ou quando chamava, durante longos minutos ouvia o bip constante até que a conexão se desligava automaticamente. Usando o número geral, a voz mecânica mandava-me premir a opção 1 e com o sinal de chamada a soar esperava até que a mesma voz, como se eu tivesse ligado de novo, me mandava premir a opção 1. E isto repetia-se sem parança nem atendimento. Esta manhã voltei a tentar todos os meios indicados, com o mesmíssimo resultado.
Concluindo, não querendo atacar os funcionários assoberbados por múltiplas tarefas, alguma coisa naquela organização está mal. Se não há gente para atender os telefones, não os entreguem, semeando esperanças sem sentido. É um perfeito suplício passar horas a tentar saber umas simples informações sobre o estado de um ente querido e esbarrar na insensibilidade dos bip-bip sem resposta. Um maior respeito pelo cidadão obrigaria a organizar esses serviços de forma a obterem-se as explicações mínimas, evitando a corrida a deslocações ao serviço, só a acrescentarem caos à confusão.
Sei que é um facto menor e não tenho dúvidas de que o meu familiar foi bem cuidado, porém este sistema só cria angústia e alvoroço a toda a hora. Separem a receção de doentes das informações. Tenham alguém a atender apenas os telefonemas, que presumo serem muitos, e evitarão as confusões, aglomerações, irritações e casos a derivarem para confrontações a assaltarem quem espera, sem culpa deles e da sua ansiedade, bem como dos funcionários incapacitados de atenderem todos os casos com prontidão mínima.
É apenas um caso menor de organização dos serviços. Façam lá um esforço senhores administradores. Se calhar, um simples serviço de SMS, para pessoa indicada pelo doente, poderia resolver estes casos, com benefícios para os funcionários, os doentes, a família e para o ambiente, por menor recurso a deslocações de carros, com as suas descargas, a poluírem ainda mais o ar da cidade.
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Do fim da História à aceleração dos acontecimentos
Quando perante a queda do Muro de Berlim, Fukuyama declarava galvanizado o fim da História, isto é, a chegada da Humanidade ao objetivo maior do seu percurso, esquecia o essencial do ser humano, das sociedades e, mesmo do Universo. Deixava, orgulhosamente, de lado o conhecimento de que a mudança é a regra, o caminho de todas as coisas.
Tenho escrito que o nosso tempo é uma esquina da História. Tal como quando caminhamos em qualquer rua nunca sabemos aquilo que, passada a esquina nos espera do outro lado, o mesmo se passa neste metafórico cotovelo. Podemos especular, criar hipóteses, aventar teorias, mas tudo isto não passa de um “eu penso que…”, podendo ser contraposto, com legitimidade e força, por qualquer outra afirmação por mais oposta que seja. É ainda útil acrescentar que os acontecimentos, a História em movimento, apresenta, em momentos variados, acentuadas alterações de ritmo. Vai do parecer parado das tradições – que nunca são o que eram – até à alucinante corrida em que parecemos flutuar, em risco contínuo de afogamento, nos tempos de aceleração histórica, normalmente frutos de mudanças tecnológicas a arrastarem transições sociais e económicas inesperadas as quais, realimentando as alterações tecnológicas aceleram em círculo, mais ainda, essas transformações.
Assim, neste nosso tempo, ao darmos o passo para transpor o limite da esquina de onde vínhamos e ao encarar a nova extensão do outro lado do cunhal para onde nos deslocávamos, poderemos ser atingidos por situações e acontecimentos cheios da estranheza do como é possível até à sensação fulminante do afinal já esperava isto.
É este o sentimento que nos apanha nesta vintena de anos do século XXI, quando, ao invés da paragem da História, das águas planas de um mundo unificado perante uma ideologia absolutamente vencedora, inamovível, plena, nos deparamos com crises, pandemias e guerras consideradas impossíveis a demonstrarem a imprevisibilidade dos tempos.
Ainda do lado de lá da esquina, em conversa com amigos, declarava, com a mesma empáfia de Fukuyama, que a questão de excesso de população no mundo era resolvida, por norma, de três formas: a primeira seria a de uma epidemia, a ceifar vidas e a repor níveis populacionais consonantes com os meios disponíveis para a sobrevivência dos restantes; o segundo seria a plaina da guerra com o seu exército de mortos, de refugiados, de alterações fronteiriças e, finalmente, a possibilidade sempre presente, de melhoramentos tecnológicos a permitirem a ultrapassagem do problema. Havia, porém algo que, com força, eu garantia: uma única destas três possibilidades estava “absolutamente” fora de cena. Aceitava a eventualidade de guerras, o progresso tecnológico, mas, afiançava eu, os avanços imensos da ciência médica afastavam, definitivamente, os medos de qualquer epidemia. Como todos sabemos a minha convicção foi um erro astronómico.
Ainda não recuperávamos dos efeitos pandémicos e crises económicas deles derivados e zumba!!! Cai-nos em cima uma inacreditável guerra destruindo vidas, bens e convicções, trazendo ainda com ela a possibilidade – em que continuamos a não querer acreditar – de um possível holocausto nuclear.
Era aqui que queria chegar. Parece-me impossível que qualquer ser humano, ou qualquer grupo, ou nação, sabendo não haver vencedores num tal conflito, possa para ele avançar esquecendo a doutrina da destruição mútua assegurada. Mas eu disse “parece-me”. Com os exemplos atrás apontados de erros de presunção, já não estou seguro de nada e começo a aperceber-me de que, em todo o Universo, a única coisa infinita será a loucura humana alicerçada em ambição e poder. Sonhos nefastos de propagadores de desgraças cujas certezas absolutas só trazem destruição e dor ao mundo. Sou intrinsecamente contra a pena de morte, no entanto, por vezes, dou comigo a pensar se, apesar de tudo, o mundo não seria mais seguro, ou pelo menos sereno, se certas pessoas nunca tivessem existido.
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Romance «A Caneta Infeliz», de Carlos Alberto Coreia
livros
Barreiro –
É, talvez, isso: “movemo-nos em linha de montagem”…na sobrevivência.
Um romance que permite pensar o tempo e como na vida, entre os sonhos e o real, o acaso, as circunstâncias, deixam sempre uma porta aberta para sonhar, e perante todo e qualquer libelo que silencie a memória, restarão sempre os livros, e, talvez, a poesia que ficam como um grito para além do... “não ser da eternidade”. A morte é o infinito.
«A vida engole o Álvaro. O Álvaro engole a vida.», afinal a morte é o infinito!
Romance «A Caneta Infeliz», de Carlos Alberto Coreia. Li o romance «A Caneta Infeliz», de Carlos Alberto Coreia, já lá vai algum tempo. E só hoje, optei por escrever uma nota comentário sobre o romance. Recordo, que a seu convite participei num jantar, em Junho, ali, em Casquilhos, no Restaurante «Pega e Leva», onde o meu amigo regulamente almoça com um grupo de professores e amigos. Esse encontro-jantar teve por finalidade apresentar o romance e dar um abraço a Duarte Barreiro.
Carlos Alberto Correia, na abertura do seu romance, sublinha que Duarte Barreiro, proprietário do restaurante, num desses almoços regulares, teve dificuldades em utilizar a sua esferográfica, e, nessa situação, terá utilizado a expressão: “Eta! Caneta Infeliz!”.
E, foi assim, por um mero acaso da vida, que nasceu o título do romance : “A caneta infeliz”.
Nesse jantar, de forma espontânea, no meio de palavras que se cruzavam, escrevi um texto, através do qual pretendi expressar a minha visão da leitura do romance de Carlos Alberto Correia, que tinha acabado de ler no dia anterior, e, dessa forma dar o meu abraço de gratidão ao escritor, agradecendo-lhe de forma simbólica a agradável a leitura que me proporcionou e a viagem pelas estórias que fazem a história da condição humana.
O texto que escrevi, na tolha da mesa, e ofereci ao Carlos Alberto Correia, a propósito deste seu 3º romance, foi este que transcrevo:
O Álvaro tem um sonho.
A vida é uma tragédia.
O Álvaro vende o sonho.
A vida consome o Álvaro
O Álvaro hipoteca o sonho.
A vida engole o Álvaro
O Álvaro engole a vida
É vida!
O romance de Carlos Alberto Correia é, na verdade, uma lição de vida, sobre a vida. A vida onde somos trucidados. A vida que erguemos sempre que desobedecemos. A vida como diz Álvaro, onde, “movemo-nos em linha de montagem”. A vida é dura. As circunstâncias. Os gritos. Os sonhos. A vida nas cidades, nas empresas, na nossa rua, em cada rua feitas de estórias e de silêncios. Escolhas. Uma sociedade que, cada vez mais nos obriga a viver o tempo do já, como Álvaro recorda a sociedade moderna, não tem tempo para leitura ou escrita – “funcionamos em circuito fechado”.
O romance «A Caneta Infeliz» fala-nos de tudo o que somos e de todos os temas que fazem o tempo que somos. Talvez, cada um de nós, se encontre, em mimesis, nos contextos, nos factos, nas memórias de antes de Abril, ou até mesmo depois de Abril. Um romance que através das circunstâncias, dos sonhos do Álvaro, ou até de projectos da comunidade, de jogos políticos, de conceitos culturais, de lutas e diálogos, os partidos, as relações humanas, o prestar serviços, a submissão, os tormentos, as depressões, as prisões, as fugas, a emigração, a clandestinidade, o amor, a memória, a consciência e outras questões, afinal, um romance onde está de forma plena, em totalidade, a vida das gentes do meu país, nesse tempo que Abril estava por nascer, e, nas conversas com palavras sussurradas, a tocar nos nervos, foram-se inscrevendo no quotidiano, ao longo do tempo e das vidas vividas e matadas, todas as sementes que continuam a germinar, nos dias de hoje, nas angústias de um Portugal por cumprir e na individualidade de cada um quando pára e pensa a busca de um sentido para a vida.
Neste romance sentimos as ideias borbulhar nas estratégias e tácticas que consomem a vida, embrulhadas em ideologias, que são meras coberturas de chocolate. Há sempre alguém que como o bolo – na resistência ou na Liberdade.
É por tudo isso que, na realidade : “A vida engole o Álvaro. O Álvaro engole a vida.”
O romance de Carlos Alberto Correia é sobre tudo isto, sobre o preço da vida, das vidas que se compram e se vendem, sobre as ideias que se esgotam nos esgotos, das quezílias barulhentas da sobrevivência, uma viagem pura e dura, por dentro da beleza dos sonhos e da tragédia da própria vida.
Um romance que permite pensar o tempo e como na vida, entre os sonhos e o real, o acaso, as circunstâncias, deixam sempre uma porta aberta para sonhar, e perante todo e qualquer libelo que silencie a memória, restarão sempre os livros, e, talvez, a poesia que ficam como um grito para além do... “não ser da eternidade”. A morte é o infinito.
«A vida engole o Álvaro. O Álvaro engole a vida.», afinal a morte é o infinito!
É, talvez, isso: «movemo-nos em linha de montagem»…na sobrevivência.
António Sousa Pereira
Nota – O romance «A Caneta Infeliz», de Carlos Correia, pode ser adquirido no Amazon.com.br https://www.amazon.com.br/Carlos-Alberto-Correia/e/B07K14R2MS%3Fref=dbs_a_mng_rwt_scns_share<br< a="" style="box-sizing: border-box;"> /></br<>
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E no futuro?
Pronto! Está feito! O PS ganhou, para espanto de muitos, eu entre eles, com maioria absoluta; o PSD, passada a girândola das sondagens portadoras de onda vitoriosa, cedeu e vai começar a enfrentar litígios internos para descobrirem o novo líder que os há de guiar à vitória; o Chega conseguiu o ambicionado terceiro lugar, mas falhou o objetivo principal, que era, como se sabe retirar o socialismo do Poder; o PCP perdeu votos, lugares e parlamentares de prestígio; o Bloco entrou em derrocada; o Livre está aí , desta vez, penso, para valer e, finalmente o PAN recolheu os frutos da ambiguidade e do autoritarismo animal.
Portanto o Mundo continua a girar. O que era viável ontem, hoje deixou de o ser, as perspetivas e expectativas alteraram-se e, neste momento, o sistema começa a reorganizar-se. Atónitos percebemos ser possível o impensável e que o futuro não existe! Melhor, teima em comparecer no presente, na maior parte das vezes de modo muito distante do que futurólogos, analistas, comentadores, cartomantes, astrólogos e outros mais sobre ele nos garantem.
Eu tenho uma teoria sobre o futuro. Ele não existe! Vai existindo! Quero com isto dizer que é verdadeiramente impossível afirmar algo de certo sobre o a vir. Pensemos um pouco. Para poder predizer o que virá a acontecer teremos de aceitar o discurso teológico de que tudo quanto venha a acontecer já estará escrito em algum lado. Esta posição traz o benefício da desculpabilização dos nossos atos porque o que tem de acontecer acontecerá e nada poderá mudar o caminho das coisas. Com pedido de desculpa para quem assim pensa, tomo a liberdade de vos dizer, estão redondamente enganados. É que, quanto a mim, o futuro vai nascendo das nossas escolhas, passadas e presentes, vai-se construindo e mudando conforme, em cada momento, tivermos uma preferência a qual irá mudar, ou condicionar, o futuro para que nos dirigíamos e que por essa e outras opções se tornou outro.
Ontem, nas eleições legislativas, fizemos escolhas que irão alterar o futuro. O que vier a ser será, necessariamente diferente daquilo que seria, fossem outros os resultados deste escrutínio, resultando para cada um e todos, em consequências e satisfações diferenciados. Presumo ter conseguido expressar porque afirmo que o futuro não existe, mas se vai, passo a passo, construindo. Assim, passemos com todas as cautelas que o acima explicado exige, a aplicarmo-nos na tentativa de desvendar o que as decisões coletivas, expressas em votos no dia de ontem, me suscitam.
Escrevi, no Rostos, há dias, não gostar de maiorias absolutas. Reafirmo o meu desgosto por elas e desejaria que não tivesse acontecido. No entanto, sendo as coisas o que são, contra ventos e marés, de modo inesperado, ela aí está. Quer queiramos ou não, teremos de lidar com ela e com as suas consequências. Esperemos que a “húbris” não venha a exercer a habitual maldição sobre os desígnios humanos e o PS consiga evitar-lhe os malefícios advindos, mantendo os ouvidos atentos ao clamor dos menos protegidos, não se esquecendo da sua matriz social, agindo de acordo com ela.
Pelo lado do PSD, além da complicada internalidade, um perigo, a médio prazo se avoluma. A Iniciativa Liberal, capaz de com o seu discurso encantador para jovens ingénuos, com expectativas de se tornarem poderosos empreendedores, tomarem como boas as soluções preconizadas. Contudo se quiserem estudar um pouco de história perceberão os cantos de sereia a levá-los, não às praias de sonho, mas aos baixios do egoísmo, falta de ética e solidariedade a fazerem crescer a erva daninha da desigualdade social. Sendo desnecessário ir às origens do Liberalismo, relembro apenas dois nomes e quem quiser pode ver o resultado reais das políticas neoliberais defendidas: Reagan e Margaret Tatcher.
O Chega, apesar do desconforto causado pelo crescimento e pela posição ocupada, não me preocupa em demasia. Creio ser um epifenómeno a autodestruir-se pelas incoerências, personalidades e políticas antissociais. Além disso, como diz o meu amigo Jó, todos os países têm direito aos seus seis por cento de imbecis.
Já o Bloco me dói mais interiormente. Embora toda a sua existência tenha sido em carrossel, a hecatombe foi por demais estrondosa. Tem a ver com o chumbo do orçamento? Muito possivelmente, sim! Desaprovo que tenha tomado essa posição? Não! Na altura nem podia fazer outra coisa. Desde 2017, sensivelmente, o Bloco começou a ser marginalizado dentro da Geringonça. Não é aqui o espaço para discutir as razões de tê-lo sido, nem de como esta situação se veio agravando, sobretudo após 2019. O que podemos salientar é que foi sendo conduzido a um espaço onde fatalmente seria submerso ou rebentaria. Preferiu a segunda das escolhas. Eu também o teria feito, sabendo que o preço seria caro. Porém, não há independência sem risco e sem fatura a pagar em algum momento. Então, foi tudo culpa de outrem? Nem pensar nisso. Há culpas próprias e devem ser bem sopesadas e ultrapassadas. Caso contrário, poderá acontecer em eleições próximas, que o discurso do Livre, mais atualizado e com muito poder sobre o tipo de votantes do Bloco, venha a contribuir para a irrelevância, não desejada, deste partido.
Sobre o PCP nada de novo acrescentarei. A condenação demográfica, as mudanças de preocupações sociais, a formação de novas relações de trabalho, vão tornando o seu discurso menos atraente para as nova gerações. Poderá ultrapassar estas dificuldades? Poder, pode, mas quererá fazê-lo? A resposta definirá o caminho deste partido.
Finalizarei com a posição do PAN que irrompeu com um discurso novo a levar bastante gente a apoiá-lo. No entanto a forma autoritária como pretende afirmar as suas crenças quase religiosas, o sentimento de que pretende levar toda a gente a, queira ou não queira, compartilhar as suas convicções e modos de vida, foram criando uma antipatia generalizada pelas atuações e pretensões. Tem um problema de sobrevivência, o qual se agravará enquanto não perdem a vontade de obrigar toda a gente a almoçar seitan e a ter uma galinha como bichinho de estimação.
Pronto! Esta são as minhas previsões sobre as consequências das escolhas de ontem. Mas, como disse no início, o futuro não existe! Será criado a partir das linhas traçadas, pelas ações ou omissões, daqueles por quem ontem foi distribuído o poder representativo.
Espero ainda por cá andar para perceber se meti o pé na poça!
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Foi V. quem pediu uma maioria absoluta?
Mas que raio de absurdo vem a ser esse? Claro que não fui eu, nem tal me passaria pela cabeça. Mesmo que fosse para o seu partido, insiste! Absolutamente. Sou, em definitivo contrário a tais absurdos. Pergunta-me porquê? O amigo está cá ou anda a cirandar pelos espaços? Não faça essa cara de espanto, nem me julgue lélé da cuca. A razão porque não a quero? Simples, homem! Gosto da Democracia.
Sim, eu sei, essas maiorias não serão necessariamente antidemocráticas. Pois claro! Tem razão. Mas não me vai dizer que desconhece o perigo de tal formação governamental. Desconhece-o? Então senhor? A Democracia não é, putativamente, o governo do Povo? Veja bem, está inscrito na palavra: demos (povo); cracia (forma de governo, autoridade). Sabe, no regime democrático, pelo menos em teoria, a soberania está no Povo. As instituições de poder serão portanto emanações representativas desse povo. Vai fazer-me o favor de reconhecer que, apenas em regimes despóticos o “povo” vota a volta dos 100% no mesmo partido ou no mesmo candidato. Vê, já começa a entender-me? Explico melhor.
As sociedades atuais são muito heterogéneas. Para tudo, até para a mais simples escolha, aparecem sempre uma multitude de opiniões divergentes. É natural! A diversidade de gentes, culturas, hábitos e inserções sociais, faz variar os pontos de vista e as escolhas. Concorda? Bem, então avancemos. A nossa Democracia denomina-se representativa, certo? Se aceita, por favor, siga o meu raciocínio. Sendo representativa os seus órgãos, mormente o Parlamento, deverão refletir, o mais possível, a variedade de perceções sociais. Concorda com o pressuposto? Sim, é de preclara simplicidade. Estou de acordo. Portanto, se a instituição política não representar essas diferenças entrará em débito democrático. Está bem, reconheço o valor da maioria. Longe de mim elidir tal conceito e valia. No entanto já pensou que as maiorias conseguidas são muito relativas – pense só no universo votante e na abstenção – e pergunte-se se numa maioria absoluta estarão representados todos os quereres de uma população? Evidentemente! Os valores dominantes, e de muito difícil alteração, serão os dessa maioria que, mesmo com as melhores intenções, irá considerar bom para todos o que, em último caso, apenas será aceitável para ela. Pois é, amigo. As Democracias sérias têm de contar também com, pelo menos, alguns desejos das minorias. Começa a ver o problema?
O Poder é uma coisa perigosa de apetites insaciáveis. Eu sei! Existem mecanismos para contrabalançar o desejo sôfrego de crescer que o domínio exerce sobre todos nós, mortais. É dos livros! Deste modo e considerando que a Democracia não se faz com decisões unívocas, que é diferença e conflito, a melhor maneira de evitar sujar uma alma democrática chegada ao poder, é não dar azo a que, por falta de força de oposição, esteja livre para acreditar que todas as decisões que vier a tomar serão intrinsecamente democráticas. Aliás, prevendo inteligentemente isso, os nossos constitucionalistas introduziram na Constituição alguns entravezitos à possibilidade de se formarem maiorias absolutas. E olhe que não eram nada parvos! Conheciam os perigos dos desvios totalitários, esses fungos dos governantes democráticos quando, limitados, por arrogâncias várias, à sua visão restrita, perdem a noção de a sociedade ser muito mais complexa que os pensamentos, mesmo que bem intencionados, das suas cortes.
Olarela! É como lhe digo. No melhor pano cai a nódoa e vale mais prevenir que remediar. Ainda não percebeu que para quem governa uma maioria absoluta é um descanso que, no mínimo conduz à preguiça, ao adormecimento? Está lá a oposição? Pois está, mas se a maioria for absoluta bem pode pregar ao vento. Os votos permitirão a passagem de quase tudo. Tudo, isto é, o que interessar a esses maioritários. Bem vê, lidamos com homens, não com anjos. O melhor é dar-lhes o desgosto de se verem obrigados a negociar os seus intentos ainda que reconheça a legitimidade de, muitas vezes, fazerem valer as suas posições. Para tal foram votados, mas, mais uma vez lhe digo, mesmo a maior maioria absoluta não representará a diversidade da nação. A não ser, claro, na Democracia de qualquer Coreia do Norte.
Fiz-me entender?
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Palavras para um jornal que ainda o é!
Não há época onde os meios de informação sejam tantos e mais acessíveis, nem há tempo em que a desinformação seja de tão grandes proporções. Parece que uma coisa contraria a outra, porém tentarei deslindar, na medida do possível, este imbróglio.
Durante muitos anos apenas a imprensa escrita era a fonte noticiosa por excelência. Sofria porém de uma grave menoridade em termos democráticos. O custo de produção do Jornal subordinando-o a quem o sustentava. Precisava de máquinas, de jornalistas, de investidores, instalações e até dos pobres ardinas que, além dos quiosques, faziam a distribuição e divulgação dos periódicos. Isto, sendo exercício de grandes cabedais, acrescentado do baixo nível de instrução dos povos, tornavam o acesso à informação iguaria a ser servida apenas a uns quantos privilegiados.
Parecia - com a multiplicação de meios, rádio, televisão, internet, e não menos importante da muito maior literacia da população - que a informação se iria democratizar, chegar a toda a gente, ganhar credibilidade. Por motivos vários que esta pequena nota não pode comportar, a perversidade das coisas (monopólios de comunicação, centros de desinformação de interesses vários) fez com que o crédito da informação se fosse degradando e, hoje, o panorama geral é o de à riqueza e diversidade de meios corresponder a pobreza, repetitividade e desconfiança popular sobre as notícias difundidas.
É pena que assim seja, contudo as coisas são o que são!
Então e nada há onde possamos repousar a curiosidade sem medo de sermos enganados? Felizmente ainda podemos encontrar ilhas de crédito neste cenário desconfortável e sombrio. Locais onde a ética é superior aos interesses parciais de gentes e grupos de pressão, onde o desaguar da informação é límpido e temos a segurança de que a democracia existe e permite a voz a todas as partes interessadas.
É por isso, e porque sei os custos pessoais que tal atitude comporta que me junto aos inúmeros votos de parabéns enviados ao Rostos e ao seu Diretor Sousa Pereira, por, contra tudo e contra muitos, fazerem avançar num tenebroso mar de iniquidades a força e a luz de um jornalismo sem patrões, aberto à notícia, atento à sociedade e aos seus movimentos.
Mais uma vez, e não é despiciendo repeti-lo muitos e muitos parabéns pelos teus 20 anos, pela maioridade e independência de que, justamente te orgulhas e, sei, irás manter enquanto durar a tua vida.
Obrigado Rostos! Obrigado Sousa Pereira!