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Quem irei bombardear na próxima semana?

Domingo, 15.04.18

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Toda esta confusão que vai pelo mundo, mormente no oriente vizinho, é muito simples. No entanto, além de me sentir meio perdido em toda ela, abomino que joguem comigo, com a informação e contra informação, de molde a fazerem-me sentir perdido, estúpido.

 

Senhores mandantes do mundo, não sou cretino e sei que o não sou. Por isso parem de agir como se o fosse.

 

Entre ameaças de mísseis e mísseis ameaçadores, passámos a última semana. Ouvi declarações, acusações, defesas de toda a ordem e complexidade. Li a indignação fácil e civil, de ambos os lados, nas redes sociais e vi tratarem-se assuntos, que poderão pôr a humanidade à beira da extinção, com a paixão e o nível racional postos a contestar a derrota do meu clube de futebol, apesar de no íntimo saber que foram uns nabos, que não se esforçaram, que se estiveram nas tintas para os adeptos ou, até no limite, que possam ter sido corrompidos para atingir aquele resultado. É mais fácil acusar o árbitro.

 

Porque não quero cair nesse despautério bebi um copo de água, fiz cinco respirações profundas e dediquei-me, mais calmo, a analisar os atores do evento.

 

Comecei por Assad. Concordo com Trump. Uma besta assassina! E veio-me o desconforto desta concordância. Espera lá, o Trump não tem armazenamento de gases tóxicos? Tem sim, senhor e, de certeza, muito superiores, em quantidade e toxicidade, aos existentes na Síria. Mandou destruí-los? Não! Então quere-os para usar em qualquer eventualidade? Com certeza. Nesse caso que moral tem para atacar a Síria pela posse e uso desses venenos? Usou-os contra o próprio povo! Imperdoável, sem dúvida. E Trump não o usaria caso as minorias exóticas, existentes nos Estado Unidos, pegassem em armas contra o Governo Central? Respondam vocês.

 

Então, exalta-se um amigo, justificas o ato de Assad? Porque faria tal só por chamar a atenção para a hipocrisia do senhor Trump? Claro que não justifico Assad, claro que penso que não merece continuar à frente da Síria e claro que esperei – ó primaveras árabes – que o clã dirigente fosse derrubado pelos opositores e que se instalasse uma forma de governo mais amiga dos cidadãos, de todos, não apenas dos apoiantes e beneficiários do regime, com mais justiça e igualdade. Ingenuidade minha? Talvez, mas prefiro esta ingenuidade ao cinismo do deixa ficar porque isto já sabemos o que é e desconhecemos o que virá.

 

Portanto, de uma penada, não estou do lado de Trump, nem de Assad.

 

E da senhora May? Credo! Abrenúncio! Então só porque se debate com o fracasso do Brexit, perde apoios internos, vou permitir que em imitação de Thatcher invente outras Malvinas. Que crie um inimigo externo para obnubilar debilidades internas? Ponha o mundo à beira do abismo para resolver o impasse da reunião que terá na segunda-feira e supõe lhe seja desfavorável? Uns misseisitos contra a Síria, ao lado do “amigo” Trump, se calhar poderão facilitar-lhe a vida…

 

O mesmo para Macron. Este Passos Coelho, mais poderoso e sofisticado, está a braços com a dificuldade da aplicação de “medidas estruturais”, que como se sabe, consistem essencialmente, em cortar, cortar, cortar: nos empregos, na saúde, na educação, nos vencimentos, nas reformas e ajudar, ajudar, ajudar os grandes empresários, os bancos falidos, para enriquecimento da clique que os dirige, a capacidade de fuga ao fisco, o predomínio dos “offshores”.

 

Por aqui, abreviadamente, estamos confessados.

 

E a Rússia? Perguntam-me outros amigos confiantes em que defenderei o seu papel. A Rússia o quê? A que esmagou a Tchetchénia? A que invadiu a Crimeia? A que desestabiliza a Ucrânia? A que dizendo atacar o ISIS minou a oposição a Assad?  A que já usou gases tóxicos e assiste impassível ao seu uso na Síria? Ora vão pentear macacos e pregar moral para outro lado.

 

Mas o ataque com armas químicas pode ser uma encenação! Pode com certeza! Destes tipos espero tudo. Será, aliás, suficientemente horrível para que as boas almas desejem o castigo de tão abomináveis personagens. Porém, se não tivesse havido o caso das armas de destruição maciça no Iraque, eu poderia embarcar… mas houve e tornei-me muito desconfiado. Quero provas, provazinhas… e depois a montagem desta cena não me convence.

 

Primeiro põem-nos os nervos em pé com uma situação que poderá facilmente acabar em Armagedão entre o dois Titãs do Mundo. Personalizando, Trump e Putin. Depois assistimos a qualquer coisa que me cheira a coreografia.

 

Eu explico!

 

O inefável Trump ameaça com o envio de mísseis lindos e novos. Putin, mais cauteloso, deixa falar o seu embaixador, põe um general a anunciar o derrube dos ditos mísseis e o ataque às bases de lançamento. Entretanto, como a mesma inutilidade de sempre, discute se na ONU o que fazer ou o que poderemos ou nos deixam realizar. Acusações para lá, acusações para cá. Ataco! Nem penses nisso! E os telefones dos principais atores combinam a coisa. Já fui longe demais, não posso recuar. Atreve-te e dou-te cabo do canastro. Ó pá, deixa-te de porcarias. Isto é feito para a malta ganhar e não para perder. Então avisas-me antes do ataque, com tempo suficiente para salvar a aviação do Assad, recolhendo-as nas nossas bases. Atacas alvos específicos, putativos produtores ou armazenadores de gases, mandas uma caterva de mísseis, eu derrubo uns quantos com o meu sistema antimíssil e ficamos todos a ganhar. Não só rodamos o material, como fazemos boa publicidade aos nossos produtos. Tu porque finalmente atinges os execráveis alvos, eu porque demonstro a eficácia do meu equipamento. Combinado? OK! Vamos lá a isso. Ah! Uma coisa, limita as baixas civis. Fica mal nos noticiários. Está montada a tragicomédia, vamos ligar as televisões.

 

Que querem! A maior parte dos meus amigos, de qualquer dos lados, vai ficar furiosa comigo ao ler este texto. Uns dirão que traí os ideais revolucionários, outros, lá está o esquerdalha a “barafundir” tudo. Aceito esses julgamentos, mas desde já declaro estar-me nas tintas para os “pré-conceitos” e, recuso-me a alinhar, por paixão, quando o perigo da situação exige raciocínio e ponderação. Como afirmei no princípio, toda esta confusão é muito simples. Resume-se a não acreditar em nenhum. Ninguém está inocente! Estão todos, em nome de elevados princípios, a procurar vantagens, domínios, recursos e poder. E estão a fazê-lo com um enorme risco para mim, para ti, para todos. Não vou no jogo. Não torço por nenhum deles. São todos culpados e potenciais assassinos em massa! Apetecia-me largar uma asneira que, por decência, contenho. Mas duvido muito da integridade moral das mães desses energúmenos.

 

O problema pode ser que, de encenação em encenação, de jogo de poder em jogo de poder, de expansão em expansão, acabemos um dia, por qualquer miserável descuido de qualquer deles - e não os nomeei todos –por “não acordar vivos”. Isto, sim, é algo que me chateia! À brava!

 

 

Publicado – Rostos online

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publicado por Carlos Alberto Correia às 21:06