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“Me Too”, Assédio e oportunismo

Domingo, 11.02.18

 

 

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Quanto me recordo foi assediado, em toda a vida, duas vezes. Bem, não fiquem com esse ar espantado - como deve ter ficado o Deputado Morgado quando ouviu, de Natália Correia, o poema do Truca-truca - porquanto uma coisa é ser requestado (o que é ótimo) outra, bem diferente, é assediar ou ser assediado.

 

Voltemos, porém, à afirmação inicial desta crónica.  A primeira vez foi, quantos e quantos anos já passaram, quando no Metro, uma atriszeca, ao tempo em auge de fama, pequena de corpo como, mais tarde revelou, também o ser de espírito (e não esperem que divulgue o nome pois não tenho vontade nenhuma de, além de vítima de assédio sê-lo ainda de processo judicial) tentou, entre o Saldanha e a Avenida, uma visível aproximação com o ego. Começou por uns sorrisos, os quais creio considerava sedutores e a mim só pareciam repugnantes, a que não correspondi, desviando, inclusive, o meu olhar da pessoa. Se tivesse o conhecimento, que hoje tenho, de tal ser, perceberia ser essa atitude incompreensível para ela. No íntimo, talvez convencida pela fugaz notabilidade obtida, pensaria só poder ficar agradecidíssimo pela sua atenção. Por isso abandonou o lugar onde se sentava, deslocou-se para o varão onde procurava equilibrar-me, dirigiu-me uns piropos (para mim situação inédita) a deixarem-me incomodado não pelo inédito da situação, sim pela falta de hábito. Perante o meu assombro, aproveitando o tombolear da carruagem, uma das suas mãos, acompanhada de palavras pretensamente sugestivas, colocou-se sobre a minha e, para afastar quaisquer dúvidas, a outra veio, em sugestivo apertão, enclavinhar-se-me nos glúteos – forma airosa para não escrever, na crónica, rabo. Nunca, em nenhuma das situações lhe dei assentimento às manobras, sempre lhe demonstrei, com evasões e semblante, o quanto estaria desagradado. A nada ligou até que, em desespero de causa, olhando-a de cima para baixo, lhe sussurrei, cresça e vote na CDE (ao tempo estávamos em campanha eleitoral), abandonando o Metro nessa mesma estação.

 

A segunda vez passa-se no escurinho do cinema. Embrenhado no filme fui retirado do fascínio por uma leve pressão do braço por alguém que compartilhava comigo o amparo lateral direito da cadeira. Olhei! Um homem de meia-idade, fixado no ecrã fazia parecer casual o ligeiro toque. Descontraí! Pouco depois o braço chegava-se mais e a mão descaía ligeiramente para a minha perna. Aí, já sem dúvidas, murmurei-lhe ter pago um bilhete para uma cadeira inteira e que se não se apercebesse da fronteira que tal representava e estava a ser violada, se arriscava a ter de ir ao hospital para reparação do intrusivo braço. Pouco depois desandou e foi sentar-se umas filas atrás.

 

E pronto! Por aqui ficaram as cenas de assédio, de que me dei conta, a que fui submetido e garanto não me acusar a consciência de alguma vez o ter feito a alguém.

Considero que a escolha mútua de dois parceiros são o que de mais belo, grácil, poético, enformador de vida pode acontecer-nos. É um momento mágico aquele em que a escolha e o assentimento são produzidos. Enriquecem-nos enquanto seres humanos, enquanto portadores/dadores de afetos, enquanto gente que se escolhe e acolhe. Estamos entendidos?

 

Direi também que qualquer pessoa, violentada nos seus quereres e aceitações, tem o absoluto direito de denúncia e reposição. Já me “encaganita” o bestunto o facto de, na esteira de gente corajosa e de iniciativa, uns quantos oportunistas tentarem cavalgar a onda, procurando créditos imerecidos para os mais esconsos fins.

 

Quando apareceram as primeiras denúncias, no caso Weinstein, o mundo, hipocritamente, abriu a boca de admiração e escândalo, como se não soubesse, há décadas, como as carreiras se faziam na Meca do cinema – e não só aí - mas em toda a parte onde os percursos se constroem e dependem de gente (homens ou mulheres, embora em proporções diferentes) com poderes para tal.

 

Admito mesmo que alguém, sentindo-se violentado, por míngua de escolhas, possa ter encolhido a dignidade, aceitado com repulsa a imposição e, só muitos anos depois, livres do poder que o submeteu, tomasse a coragem necessária à denúncia tardia, mas vigorosa. Penso, também, que em certas coisas mais vale tarde que nunca. O que não aceito é a torrente oportunista que daí decorre. O exagero! Só para me referir a Hollywood, saliento a caterva de estrelas em perigeu e ansiosas candidatas a acorrerem ao movimento, na busca de um pouco de holofote sobre elas. É agoniativo e conduz, no limite, às barbaridades de quebras de espontaneidades e romance, em troca de contrato revisto por advogados a atestarem o que, como e quando, cada casal pode comportar-se ao efetivar as suas relações.

 

Igualmente degradante é quando outras estrelas – na maior parte europeias – relembradas da dura e longa luta de libertação sexual apontam outros caminhos, serem ofendidas por algumas furiosas dramáticas, de um feminismo de sinal semelhante ao machismo dominador –acusando-as de serem perpetuadoras da submissão feminina. É triste! É fundamentalista e todos os fundamentalismos são perigosos e autoritários. Entre eles aqueles que, vindos da Igreja, apelam ao consentimento de não se consentir sexo entre casais de segundas núpcias.

 

Tanta estupidez e oportunismo provocam-me um nó no estômago deixando-me em acentuado risco de incivilizado vómito.

 

 

Publicado em www.rostosondline 

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 00:09