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Ingenuidade ou cinismo?

Quinta-feira, 05.04.12

 

Até há dois dias atrás só conhecia um Peter Weiss. Era ele o dramaturgo que, entre muitas outras coisas, escreveu o Marat-Sade e, vejam lá, beliscando-nos nas nossas pretensões colonialistas, também “A balada do fantoche lusitano”. Só o conhecia a ele e o prazer era todo meu.

 

Mas este, como é sabido, é um mundo não só de desenganos como de irremediáveis contrastes. Assim, com o nome do notável dramaturgo entra-me pela casa, nas imagens azuis da sala de conferências da União Europeia, um outro Peter Weiss bem dissemelhante do primeiro. Usando o mesmo nome do dramaturgo, não duvido com total legitimidade, surge-me, na versão manga-de-alpaca atualizado e globalizado, um burocrata típico, mandatado (?) para, entre algumas ténues carícias declarativas, puxar, publicamente, as orelhas a Portugal.

 

Ao que parece este Peter é funcionário da troika cuja, com juros sonantes e altíssima fatura de pagamento de serviços, presta “ajuda” ao País. Certo, certo, deixámo-nos chegar a tal ponto que sem este dinheiro estaríamos, provavelmente, em palpos de aranha, não pagaríamos ordenados nem pensões, etc… etc… e ainda etc… Mas isso são histórias para outros capítulos que não este. Aqui, o interessante é notar como aquele mero funcionário ousou indicar, a toda a gente, que os subsídios, roubados a tantos portugueses, não voltariam a ser repostos. Foi a bomba atómica. O nosso governo entrou em pânico e os ministros entregaram-se a uma diarreia de declarações garantindo que, em tempos e modos diferentes, conforme o ministro, tais remunerações voltariam a constar dos nossos recibos. Era tal superiormente garantido pelo Tribunal Constitucional em douto acordo que permitia quebrar, sem sanções para o incumpridor, o contrato de seguro social estabelecido entre o Estado e cidadãos, pago por estes, todos os meses, ao longo da sua vida de trabalho. Estranhamente – isto sou eu a destilar veneno e maledicência – tal parecer não era válido para quebras de contrato similares com empresas majestáticas. Mistérios… Sigamos adiante. A verdade só foi reposta com a intervenção do primeiro-ministro garantindo o recomeço do pagamento lá para 2015 mas gradualmente e integrado em doze vencimentos. Estão a ver, assim do género, os crocodilos voam, mas baixinho.

 

No entanto, contra a opinião geral, eu acredito que sim, que algo será reposto. É que, não esqueçam, por esses anos estaremos em eleições e, nessas alturas, aparecem sempre uns sacos azuis onde, por magia, se vai buscar o que antes não existia. Depois, com a integração, fácil será fazer desaparecer num ano o que no anterior se concedeu. Estratégias!

 

Passemos este interlúdio e voltemos ao nosso Peter. Creio que após o rebuliço criado ele foi chamado à pedra pelos chefes por ter cometido tão nefasta inconfidência. “Então homem, com tantos anos de serviço e ainda não aprendeu que há coisas só para fazer, nunca para dizer?” Compungido, de cabeça baixa e olhos procurando poeira no chão lá deve ter feito o seu ato de contrição e levado - só por esta vez e tome cuidado com o que diz -  a alta clemência de tão grandes potestades. É que ele, passado este deslize, apresentou, com ternurenta candura e grande compenetração, a estupefação da troika, da Europa, do Mundo por, não obstante o insano labor desses iluminados, o desemprego estra a crescer geometricamente no país. Ora pois, como é que tal poderia acontecer de modo tão surpreendente? Afinal, apenas tinham sido diminuídos vencimentos, aumentado alimentos, combustíveis e transportes, crescido a inflação e facilitados os despedimentos em tempos de recessão. Quem seria tão superiormente esclarecido que, neste cenário, viesse a pensar, nem que fosse por um instante, que o desemprego haveria de crescer? Ingenuidade ou cinismo? Deixem-me contar uma brincadeira dos meus tempos de rapaz, calhada aqui a propósito. É só um epitáfio que reza assim “aqui jaz jeremias papo-seco/ que num dia ventoso e seco/ acendeu um fósforo/ para ver se o depósito tinha gasolina.

 

Foi isto que fez o senhor Peter Weiss, com os resultados que se veêm!

 

 

 

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 14:44


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