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Entrevista publicada em "Artes e contextos"

Sexta-feira, 31.07.15

http://artesecontextos.com/2015/07/carlos-alberto-correia-conversa-sobre-o-concerto-para-sanca-joao/

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publicado por Carlos Alberto Correia às 19:13

Sejamos claros!

Domingo, 19.07.15

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Alertava Mao-Tsé-Tung para certos oportunistas que, em proveito próprio, agitavam a bandeira vermelha para lutar contra a bandeira vermelha. Também em Portugal se cantou, perante muita hipocrisia gritante, “cravo vermelho ao peito/ a todos fica bem/ sobretudo faz jeito/ a certos filhos da mãe. Vem isto a propósito de os poderes neoliberais europeus, em nome da democracia e suas regras, estarem num esforço contínuo e claro, a usar a democracia para matar a Democracia.

 

Sejamos claros. A Comunidade Europeia (CE), não é e dificilmente poderá vir a ser uma organização solidária entre estados independentes. Seria desejável, mas penso não ser exequível. Vou tentar explicar o mais claramente possível.

 

Comecemos pelo princípio. No final da Segunda Grande Guerra os recursos em carvão e aço – principais suportes da indústria pesada – estavam exauridos e era necessário descortinar um meio para a sua distribuição e utilização. Assim, tendo em vista a gestão de bens económicos raros constituiu-se a Comunidade do Carvão e do Aço. Na sua formação estiveram a Alemanha e a França, seguidas dos países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Os outros vieram a seguir e nenhum dos pequenos ou médios países do sul por lá andava. Isso veio depois.

 

O bem-estar conseguido com o Plano Marshal e, não esqueçam, o esbulho a preços da chuva dos países de África e Ásia, colónias ou independências recentes submetidas à vampirização neocolonial, permitiram que a Europa criasse o seu proletariado sobre-explorado nessas regiões, permitindo uma distribuição de riqueza menos chocante nos países da CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço).

 

Quando os povos desses países começaram a reclamar a sua parte no bolo do bem-estar todo o ouropel de boas intenções, as máscaras de aparente igualdade democrática, tiveram de ceder à realidade. Assim, ao encarecerem produtos e transportes – formas, entre outras, de maior participação das nações economicamente dominadas – teve e Europa de deixar cair a máscara e mostrar o que subjazia às aparentes igualdades de direitos.

 

Tornando-se mais difícil manter os preços baixos, não sendo possível continuar esse caminho através do preço das matérias-primas, era necessário baixar os custos de trabalho, saúde pública, reformas e etc.… exclusivas das sociedades ocidentais de bem-estar assegurado. A primeira tentativa, propiciada pelos novos meios de comunicação e transferência de dados e capitais, chamou-se “Globalização”. Nada mais era, para o caso que nos interessa, que proceder à deslocalização das fábricas para países subdesenvolvidos e colocar capitais nos locais onde eram menos onerados e que, por azar, eram os países mais desenvolvidos e os seus braços clandestinos chamados paraísos ficais. Ganhava-se assim no corte dos preços, na proximidade das matérias-primas, na acumulação de capital e conseguia-se a desvalorização dos custos de trabalho nos “países ricos”. Voltávamos à velha ordem, denunciada por Marx, de que para estabilizar e baixar custos seria necessário um exército de mão-de-obra desempregada, em desespero, disposta a vender a força do trabalho a preços, muitas vezes, inferiores à necessidade de subsistência. Porém, nem sempre tudo corre no melhor dos mundos e cedo, foram aparecendo alguns inconvenientes. A qualidade nem sempre era a reclamada, os custos de transportes oneravam os produtos, a baixa de poder de compra, nos países de onde as fábricas tinham fugido, impedia o escoamento dos bens em tempo e preços interessantes.

 

Como ultrapassar este problema?

 

Fácil! A partir da crise dos “subprime”, já causada pelo movimento de extinção de empregos, produzido o pânico, instaurada nova pobreza, mas continuando a existir uma mão-de-obra muito qualificada, era possível levá-la a vender-se por preços muito mais baixos e nos locais onde os novos poderes as queriam. Só que tal não se poderia fazer em todos os países sob risco de explosões muito perigosas da coesão social. Assim, havia que delimitar as zonas de menos risco e fazer incidir aí os custos da decisão. O sul da Europa pusera-se mesmo a jeito. Levado nos cantos de sereia das novas prosperidades, proporcionadas pela Comunidade Europeia e pelo Euro, tinham sido induzidos a endividarem-se e, alegremente fizeram-no, ficando, pela dívida, nas mãos dos países credores, aparecidos como uma espécie de irmão mais rico interessado em elevar os padrões de vida dos manos menos favorecidos.

 

A isto juntaram uma nova e bem premeditada fraude. O mito do crescimento contínuo. Rezava o discurso que as nações seriam pobres por serem preguiçosas, não desenvolverem as capacidades criativas, enfim, não conseguirem a “produtividade” correta para o seu desenvolvimento, enquanto, paulatina e contraditoriamente, através de subsídios e outras manigâncias, se ia destruindo a agricultura, as pescas e a indústria desses países, bases mínimas quer para a sobrevivência quer para manter o equilíbrio da Balança de Pagamentos. Para além dos efeitos psicológicos e sociais advindos destas perigosas conceções, criou-se uma cortina de fumo para que os mais distraídos não percebessem o ludíbrio das possibilidades de tal crescimento. A pergunta simples, que deixo à consideração dos meus amigos, é tão-somente esta: como crescer contínua e imparavelmente num planeta que tem recursos limitados? É, desculpem-me a pobre comparação, como querer tirar de um ordenado pequeno e fixo, todos os meses, uma verba maior que a permitida. O resultado é criar dívida que nunca poderá pagar e depois entregar aos credores dedos e anéis. Como por cá fazemos com a colaboração de uns quantos seguidores destas políticas, bem pagos pelos patrões, estando-se nas tintas para os miseráveis que serão a quase totalidade dos seus povos, bem como para as provações que o futuro lhes guarda.

 

Por estas e muito mais razões, eu, europeu por geografia e nascimento, antigo defensor da Europa Unida e da moeda única, olho hoje para mim e para o parvo que fui ao acreditar que algo, nascido de interesses de países dominantes, pudesse alguma vez servir para ajustar desigualdades, diminuir diferenças, aportar justiça, eliminar fronteiras sociais.

 

Se alguma dúvida me restasse sobre o real estado das coisas, a recente humilhação da Grécia ter-me-ia tirado todas. A Democracia é, ficou provado pelo papel do Eurogrupo e o apagamento das instituições europeias, incompatível com o Euro. Neste momento só o poder financeiro tem voz ativa. Os governos democraticamente eleitos não têm qualquer poder de decisão nas coisas que realmente contam. A Alemanha abriu o terceiro conflito europeu, por via financeira e a partir das pontas mais fracas – Grécia e Portugal – pretendendo o regresso aos países da Comunidade do Carvão e do Aço, mesmo que para tal seja necessário vergar pela fome e pelas mais terríveis convulsões sociais os países destinados a servir os desígnios das grandes corporações económico-financeiras.

 

Uma Europa assim não me serve, uma moeda como esta não quero. Não colaborarei mais na farsa democrática das eleições para irrelevantes órgãos transnacionais. Deixarei de votar para qualquer eleição europeia e defenderei a nossa saída deste euro e desta Europa com os custos que tiver. Se a escolha for morrer de repente em liberdade ou de lento sufocamento na opressão atual, preferirei, de longe, a primeira hipótese.

 

Apenas como exercício fundador do breve apanhado aqui descrito recordo um pensador muito esquecido, António Sérgio, o qual definiu uma fronteira como o local mais distante onde uma classe dominante consegue deslocar o seu exército. Ou, digo eu, as suas novas armas de destruição maciça: o poder financeiro libertado de qualquer regra ou ética.

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publicado por Carlos Alberto Correia às 18:53