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Divórcio de conveniência

Quinta-feira, 21.05.15

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Meus queridos Leitores:

 

Desculpem dirigir-me de forma tão inusual às vossas paciências, mas tenho de desabafar senão entro em pânico.

 

Calculem que hoje fui acometido de vertigem súbita; da estranha sensação de ter sido “desmundado” ou, pelo menos, ter perdido do senso da realidade. Foi o caso de ter ouvido no noticiário da Rádio a voz irada de uma senhora, a quem dão o apodo de ministra das finanças, qual padeira de Aljubarrota, arriar forte e feio naquela instituição de auxílio público e desinteressado, que dá pelo nome de FMI. Juro-vos que fiquei siderado. De repente todas as minhas certezas ruíram e foi como se um maremoto de dúvidas me penetrasse o espírito. Podia lá ser? Eu só podia mesmo estar a emparvecer. Outra coisa não era possível. Diabo! Pensei, querem ver que estou a “alzhaimerar”?

 

E, sinceramente, não era para menos tal admiração.

 

Na dúvida fui-me ao Google, ao YouTube, a blogues de referência e, para sossego do meu coração lá estava, plasmando-se como torrente de primavera em rio de degelo, a confirmação de que eu não estava louco, desmemoriado ou em estado inicial de senilidade. O nosso primeiro Passos, o logo a seguir Gaspar e a “sucedânea” Luís, tão amigos da troika, tão chegados de pensamento e ação, tão prontos a comerem do mesmo prato, não deixavam por mãos alheias os cantos de adoração à troika. Era bem verdade, verdade, verdadinha! Se alguma nota dissonante houvesse em tais trinados tinha a ver com, na ânsia de amantes que os possuía, ser ela demasiado branda no castigo a aplicar a este bando de calões, maus pagadores, que somos, eu e Vossas Excelências incluídos.

 

Deixai de lado esses credos e abrenúncios que aquilo que acima afirmo é a mais pura verdade. Podem procurar à vontade nas revistas, nos jornais e em toda a internet, que só verão as minhas palavras corroboradas sem a mais pequena dúvida. Mais, apreciarão as juras de amor e eterna fidelidade acompanhadas do penhor de não só cumprir tudo o que a amada troika requeria, como mesmo, juravam a pés juntos, haviam, para bem daquele desentranhado amor e compreensão interpartes, de ir além do exigido, fazer muito mais e que estes olhos sejam ceguinhos se alguma vez nos ouvirem, negando os votos feitos, cometer o feio pecado da infidelidade.

Isto prometeram e, nos anos subsequentes, em públicas manifestações de carinho, todos eles se mimavam, acariciavam, apreciavam mutua e visivelmente. (ia dizer despudoradamente, mas arrependi-me.)

 

 

Pois, sim! Mas isto foi no início dos tempos (pelo menos deste governo), quando faltavam muitos anos para o próximo escrutínio, quando ainda era possível dizer “que se lixem a eleições”, quando, oh! manuais de maquiavelismo político, havia ainda um largo espaço para o nevoeiro do esquecimento se instalar, para a crostas da feridas desaparecerem e para que o povo – o sempre sem memória – olvidasse a dor das facas espetadas e voltasse a acreditar, embora toda a realidade gritasse contra, estar no melhor dos mundos, regido pelos mais sábios e justos governantes.

 

O raio do problema é que o tempo não para, as malandrices não acabaram a tempo, algumas até ficaram registadas e a porcaria dessas memórias não há borracha que as apaguem.

 

Por isso, conforme o governo descia nas sondagens, se foram levantados vozes menores ensaiando um outro cântico. Temos de nos livrar da troika, diziam. Os seus maiores calavam, não desmentiam, aquiesciam molemente. Depois de bem ensaiados fizeram seu o coro e ei-los a bramir contra a troika e quem os mandou. Desquitada, sentindo-se injustiçada, a troika replicou afirmando ter sido o governo demasiado débil, não ter feito tudo quanto ela lhe pediu e ser necessário fazer ainda mais sacrifícios.

 

A partir daqui o governo, que é patriótico e justo, disse: Aí portugueses! Deixem-nos connosco, e vá de zurzir na antiga bem-amada, de mandar-lhe as recomendações para as urtigas, de contrariar os desabusados desejos troikianos, de defender acerrimamente da morte final o debilitado corpo do País. Ah! Ganda Governo! Assim é que é. Deem-lhe no toutiço! Mostrem-lhe quem a malta é! Contem connosco, estamos ao vosso lado…

 

Aqui começa a minha grande desconfiança. É claro que vou correr o risco de passar por alarmista, por mal-intencionado, por fazedor de teorias da conspiração, mas mesmo correndo esse risco não consigo deixar de pensar que se calhar a Luís e a troika continuam de trapinhos juntos. Possivelmente estarão a representar um divórcio de conveniência. O amor, a correspondência de afetos e interesses, continua inalterável ou, quiçá, cada vez mais forte. Então, companheiros como são, podem ter acordado - isto sou eu a falar – em representarem este grande drama. Nós troika, atacamos fundo até à sem razão, vocês aparecem então a desancar-nos publicamente, a mostrarem a quebra dos nossos juramentos, a abjurar de quanto um dia nos ligou. Vão ver que os parvos comem isso como bom, como verdade. Representem bem, caustiquem-nos até ao infinito com as vossas palavras, demonstrem por nós o maior desapreço, repudiem a confiança que nos deram, mintam, mintam muito, gritem as mentiras em quantos altifalantes tiverem. Vão ver que muitos burros irão escutar-vos e, com um pouco de sorte, um tudo-nada de trabalho, muito dinheiro a correr para as carteiras certas, ainda ganham as eleições. Depois disso, iremos a Fátima juntos, pediremos perdão à Senhora e continuaremos a sacar aos de sempre para enviar para os mesmos.

 

Que Vossas excelências, queridos leitores desculpem esta forma inusual de me dirigir às vossas pessoas, bem como o tempo que lhes tomei. Mas, sabem, estou angustiado com a possibilidade destas dúvidas que me tolhem a mente poderem ser reais. Eu sei lá! Ele há gente para tudo! Por favor, reconfortem-me. Mostrem-me que estou enganado, que sou pessoa pouco fiável e de pérfidas intenções. Que tal maldade só existe no meu espírito. Ajudem-me a confiar. Eles, certamente merecem-no. Eu é que não sou capaz! “Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”!

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 11:52