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A propósito de pirâmides

Sábado, 14.02.15

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Os rios de tinta que já correram a propósito de pirâmides! Vão desde os estudos e descrições geométricas e volumétricas, até às mais elaboradas teorias de conspiração, encaixando magias e extraterrestres. É um fartote!

 

Apesar disso decidi meter a colherada entrando, desta vez, por terrenos vagamente psicossociais e políticos. Já estou a ouvir o pessoal a murmurar, lá está este parvo a juntar mais ruído à confusão existente. Isto sem ainda vislumbrarem ser o meu oculto desígnio cortar na Europa e, porque não, no Euro.

 

Mas como o outro dizia comecemos pelo princípio. A primeira coisa a notar é que há pirâmides por todo o mundo, construídas em épocas diferentes. Parece que, se não foram os extraterrestres a levar a técnica de um continente para o outro, teria havido um contingente de arquitetos e engenheiros, dispondo de meios de transportes desconhecidos, a jornadearem de um lado para o outro durante séculos. Admirável! Ou tinham uma longevidade extraordinária – seriam da estirpe de Matusalém? – ou conseguiram uma descendência e transmissão de conhecimentos não só exata mas, ao nível do maravilhoso.

 

Pouco dado a crenças e outras atitudes dispensadoras de comprovação, detenho-me em leve sorriso sobre tais façanhas e, começo por perguntar: porquê pirâmides e porquê em todo o mundo? Logo duas prováveis explicações, uma mental e outra técnica, me ocorrem à mente.

 

O Homem, como outros animais sociais, é um construtor de hierarquias. Juntem um bando de putos desconhecidos num recreio, façam-nos pensar que estão sem vigilância e vão notar diversas estratégias de definição de posição no grupo. Uns tentarão impor-se pela força, outros comprando aliados, outros trabalhando em segundo plano coligações deslizantes mas eficazes. Ao fim de algum tempo veremos formarem-se vários grupos, com estratégias diferenciadas mas, todos organizados de forma a haver um chefe, lugares tenentes e, para facilitar e não prolongar demasiado a parlenda, uma ampla base de servidores. Ficámos com um ou mais grupos sociais definidos e, horror! todos com a forma mental de uma pirâmide.

 

Pois, caros senhores é essa pirâmide espiritual que alojamos em nós – estruturante e estruturadora de sociedades e religiões – que transportamos para a construção dos monumentos em referência. Tornamos assim evidente e material uma estrutura profunda, talvez instalada nos genes ou no cérebro reptileano.

 

Se aceitaram o meu pressuposto psíquico, façam o favor de terem um pouco de paciência e de me aguentarem mais um niquinho, porque iremos passar a demonstrar, no terreno, essa representação. Em primeiro lugar observaremos que os construtores não dispunham de materiais leves e resistentes. Ou eram leves e não poderiam consubstanciar-se numa estrutura pesada, ou eram resistentes e tinham demasiado peso para se aguentarem em construção desafiadora da gravidade. Aqui, sobretudo sobre os materiais de construção, lá se vai a esperanças dos génios extraterrestre. Tão evoluído, tão sabedores e, vejam lá, só conheciam materiais de construção brutos e primários. Nem sequer inventaram o betão! Também, tanto como a arqueologia parece demonstrar, não possuíam máquinas automóveis e, lá pelas Américas, apesar de o círculo ser conhecido, nem sequer a roda era utilizada.

 

Aqui chegado insinua-se uma dúvida e uma consequência. Segundo Durkheim, o que o homem adora no tóteme é a imagem da sua organização social, porque é ela que lhe permite ser homem, adaptar-se e sobreviver. Então, extrapolemos este conhecimento para as grandes Civilizações a quererem-se representar não só a si mesmas mas, como espelhamento dos céus, das potências sagradas que dominam o universo e a humanidade. Se este pensamento é dúvida, a consequência, voltando a Durkheim, será que tentariam representar a sua ideia de cosmos, traduzir e consubstanciar tal ordem para as organizações humanas. Dava um jeitão do caraças explicar assim a razão pela qual uns deveriam mandar e a maioria obedecer. O divino tal exigia.

 

No entanto, voltemos à construção piramidal, apenas dispunham do material bruto da pedra. Não tinham máquinas de elevação, apenas possuíam forças de tração. Como representar o estereótipo interno e organizativo? Fazendo uma pirâmide, está claro! Era, além do símbolo mais profundo o de mais fácil construção com os meios e materiais possuídos. Tentemos um exemplo.

 

Como se constrói uma pirâmide? Fazendo uma primeira plataforma larga e regular. Depois, uma rampa de terra permitiriam arrastar os materiais de construção para uma outra mais pequena, cavalgando a anterior e assim, passo por passo, com muito esforço e tempo, erguer-se-ia, perante os olhos das gentes, a personificação do poder divino, da sociedade e do rei.

 

Agora, perguntam-me, o que é que isto tem a ver com a Europa e com o Euro?

 

Muito ou tudo, responderei eu. A Europa, pese embora o oceano de boas intenções que a criaram, parece neste momento o recreio dos putos pretensamente isolados, onde o rufião do recreio tenta impor a lei da força aos colegas mais fracos. Não quer saber se eles concordam, vivem melhor ou pior, com os seus ditames. Tudo é bom para todos desde que seja bom para o mandão. Quem não gostar leva porrada. Pessoalmente fico, neste momento, com um amargo de boca. Quando me levaram para o recreio ninguém me falou de imposições pela força. Antes me disseram tudo seria para melhorar as minhas condições de vida. Confiado nas palavras catequistas de bondade, amizade, solidariedade e outras coisas, lá fui de peito aberto. Até entreguei o meu dinheiro ao cobrador para, como ele dizia, formarmos um cofre único de onde todos poderiam beneficiar de molde a, sem considerar idades, força, tamanho ou mesmo antecedentes familiares, todos caminharmos, ajudando-nos mutuamente, pela estrada do desenvolvimento e da felicidade. O que se esqueceram de dizer-me foi, repiso Orwell, haver uns mais iguais que outros e esses encarregar-se-iam de pôr-me na base da pirâmide, suportando o peso esmagador de todos os melhores colocados, os quais haveriam de colher, só para si, os benefícios prometidos à totalidade.

 

É assim que vejo a Europa e o Euro. Um jardim de enganos de onde deveremos fugir para não sermos esmagados, ou pelo menos, não permitir que os outros cavalguem, sobre o nosso dorso, em nome de possibilidade e vias únicas, sem alternativas, que não só não nos servem, como nos irão amassando paulatinamente. As alianças só são verdadeiras quando distribuem os esforços e os proveitos por todos os elementos do grupo. Quando servem como disfarce para aumentar a subserviência e a negação de vontades legítimas, não serão alianças mas, antes, submissão.

 

A única maneira de quebrar uma hegemonia é aparecer alguém com coragem para dizer NÃO! Tal posição porá em perigo o grupo hegemónico, a sua visão do mundo. O resistente terá de conseguir alianças para aguentar os duros ataques de quem vê o seu domínio em perigo. É portanto essencial saber se estamos do lado do dominante iníquo ou do resistente. Eu não tenho dúvidas de onde estou. Partilho a frase de D. Luísa de Gusmão (mulher de D. João IV) traduzida na sua versão popular “ antes rainha por um dia que duquesa toda a vida”. E nós, nesta transição, nem sequer duques somos.

 

Reparem que em todo este texto não falei do Syriza!

 

 

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 00:25