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Volta Conceição. Estamos Perdoados?

Quinta-feira, 01.01.15

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Neste primeiro dia do ano de 2015, ao fazer a lista de resoluções para o novo ano – ficadas na maior parte, por culpa própria ou eventos externos no mundo dos propósitos não cumpridos – decidi revisitar os inconseguimentos de Conceição Esteves.

 

Por mais “mea-culpa” que faça sobre as gargalhadas tonitruantes soltadas pelos, como eu, detratores da linguagem da Presidente da Assembleia da República, não posso redimir-me da conclusões a que a minha reflexão me levou. Porque nos rimos do discurso? Pelas ideias traduzidas? Não! Bem observado o que a senhora exprimia eram os inconseguimentos (as falhas, as angústias, próprias, gerais) e mesmo a possibilidade de inconsequência do “soft power sagrado” da ideia europeia.

 

Vejamos então. O inconseguimento parece-me, gramaticalmente, uma palavra, neologismo é certo, perfeitamente aceitável. Antepondo à palavra conseguimento o prefixo “in”, conhecida partícula de negação, transmita ao termo a que se liga, sem qualquer dúvida, o sentido contrário àquele que correntemente designa. Pois, por aqui não andará o problema.

 

Prossigamos com o terrífico “soft power sagrado” referente aos desideratos europeus. Poderemos considerar que foi dado um salto epistemológico entre a cibernética e a política, em sentido restrito, ou com as Ciências Humanas, em sentido lato. Também isto não é novo, grandes nomes de ambas as ciências o veem fazendo desde início dos anos cinquenta e em sentido crescente. Analisando um pouco mais o “soft power” compreenderia o conjunto de determinações, regras e princípios que orientam a construção da casa europeia, vindo o sagrado – pedido emprestado à Antropologia – no sentido daquilo que se não deve perverter, está para além do imediato, detesta a banalização e ocorre como objetivo – inalcançável que seja – a prosseguir sem descanso.

 

Posto isto, é meu parecer nada haver de criticável no pensamento da Presidente da Assembleia da República. Porque então a vaiámos tanto?

 

No seguimento das doze badaladas do finado ano, alimentado pelos éteres simbólicos do evanescente espumante, iniciei, singelamente, a meditação acima descrita. Perguntei-me o porquê desta animosidade, incapaz de resistir a análise menos agonística e, pasme-se, pareceu-me compreender que as razões do gáudio no discurso eram a forma desviada de demonstrar a tristeza, a raiva, a incapacidade de, por outro modo, modificarmos um estado de coisas que nos mortifica, desagrada, mas por variadas razões, não conseguimos alterar.

 

Se é verdade que “ridendo castigat mores”, foi esse o caminho escolhido. Como costuma dizer-se, ela pôs-se a jeito. Primeiro representa um poder que dificilmente conseguimos engolir; depois o ar fresco, o sorriso aberto a chamar uma juventude que já lá vai, o requinte de corpo e véstia, o estatuto de reformada com emprego, num país onde cada vez menos esperam uma reforma atempada e digna, ou mesmo um emprego com alguma decência; a criatividade linguística, inesperada em funções plenas de clichés mil vezes repetidos, até se transformarem no botão a fazer agir as massas, de forma automática e irracional, tornaram-na o alvo ideal – se bem que desviado – sobre o qual se podia fazer fogo à vontade, esperando que dos ricochetes algum estilhaço fosse atingir o poder que lhe concedeu o estatuto.

 

Pronto, Presidente Esteves, fiz o primeiro ato de reconciliação no primeiro dia do novo ano. Não, não fique, por isso, tão entusiasmada. Quero ser justo, mas não sou parvo, nem sequer dou a outra face. Sei o que vocês fizeram, o que fazem, o que pretendem fazer. Tentarei, a todo o custo, evitar-vos a vitória. Trabalharei para que os desmandos feitos e consentidos a desfavor deste país, a favor de castas privilegiadas, percam os efeitos até agora conseguidos. Só espero que a minha vontade e a vossa “desvontade” não se transformem no “inconseguimento do soft power sagrado” dos meus ideais de justiça, igualdade e partilha.

 

Por tudo isto, volta Conceição. Estamos perdoados?

 

 

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

 

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 20:05