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Foi um choque, lá isso foi

Terça-feira, 25.11.14

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Não estou habituado, neste País, a ver os poderosos serem incomodados, quanto mais presos. Já, por outro lado, me afiz a sempre que alguém com visibilidade pública é chamado a prestar contas à Justiça, que a ela seja levado no mesmo alarido em que, até aí, a sua vida decorria. Sei que este meu desconforto se afirma sobre efeitos colaterais, mas não deixa de me preocupar. É que, o ato de detenção, na forma como é mostrado à população, comporta em si um indício de condenação, anterior a qualquer julgamento com direito de defesa para o acusado.

 

Por isso, não sendo propriamente um admirador – antes pelo contrário – do ex-primeiro ministro Sócrates, não me sai da cabeça a imagem do carro negro – repetida à saciedade - furando o escuro da noite a grande velocidade, desaparecendo, metaforicamente, no distante do futuro.

 

Tenho convicções fortes sobre os atos de Sócrates e não lhe são favoráveis. Não gostei, nem apoiei a maior parte das ações próprias e dos seus ministros. Tal como Pacheco Pereira, sempre o pensei como um chico esperto, ofendia-me a sua pesporrência e, se a Justiça conseguir provar a culpabilidade nos crimes de que é acusado, acho que a pena deverá ser muito severa, agravada pela importância do cargo a partir dos quais foram cometidos.

 

Porém outra preocupação me assola. O poder dos juízes! Não contestarei o direito a vigiarem e culpabilizarem os comportamentos desviantes de governantes e governados. Aceito inteiramente – mas não acredito – na máxima de todos sermos iguais aos olhos da Justiça. Deveríamos sê-lo, mas obviamente não o somos. Foi, indubitavelmente, um avanço civilizacional a repartição dos poderes em Executivo, Legislativo e Judicial. Porém, como em qualquer obra humana, o desejado ficou muito aquém do conseguido. Por isso, se, e muito bem, ao cidadão não é permitido fazer justiça pelas próprias mãos, também deverá exigir-se que os executores do direito não possam, em arrogância inaudita, usarem esse poder para fins e de modos que o coloquem ao serviço de outros mandos, que não o estritamente decorrentes da Lei. E não venham com a velha desculpa das interpretações porque, sendo certo que existem e não podem ser ultrapassadas, têm limites além dos quais passam a pura discricionariedade. Não gostaria de trocar um dono – os políticos desonestos – por outro – o da arrogância justicialista.

A primeira obrigação de qualquer poder deveria ser o de não só respeitar, como o de proteger a liberdade de cada um.

 

Sei que o papel dos julgadores é difícil sendo uma espécie de preso por ter cão ou preso por não o ter. Qualquer medida que venham a tomar gerará sempre aplausos e apupos. Nunca agradarão a todos. Espero que não queiram agradar a alguém.

 

É provável que alguns partidos guardem nos armários esqueletos que agitam quando tal os possa servir, mesmo que daí surjam malefícios sociais. Neste barco não podem os juízes embarcar. Não sei se algum o faz ou fez, sei que muitas vezes tal assim pareceu. Nesse caso é obrigação inultrapassável da Justiça demonstrar a inanidade de tais presunções. Mostrar, pela transparência de atos e processos, apenas trilhar o caminho indicado pela lei, fora de cálculos de interesses de terceiras vontades.

 

Por isso, e continuo a apresentar-me como um adversário da governação Sócrates, não deixando de pensar que pode haver muitas razões para a sua apresentação em tribunal, não posso aceitar os processos humilhantes utilizados: informações “caídas” em ouvidos da comunicação, excesso de tempo sem informações fidedignas; propiciando um clima de boatos, permitindo a construção de um julgamento “ a priori” sem possibilidades de defesa do acusado.

 

Resta-me ainda uma outra perplexidade. Porque veio Sócrates a Lisboa? É impossível não pensar que após a detenção do amigo e do motorista não soubesse estar também em perigo. Então porque adiou várias vezes a vinda e decidiu chegar quando tudo parecia estar contra ele? Sem informações claras é impossível não entrar pelos terrenos das teorias da conspiração. Se ele o fez é porque é parvo (não acredito); pensava-se mais poderoso e seguro do que realmente era ou estava; ou terá alguma carta na manga para soltar em devido tempo?

 

Não sei, mas algo me diz que vai correr ainda muita água sob as pontes.

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 16:29