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Peço desculpa

Segunda-feira, 22.09.14

 

 

 

Para boa informação devo publicamente declarar que ando verdinho de inveja. Como diria uma amiga minha, de inveja mesmo, de invejazinha da boa. Reparem os meus escassos leitores como me sinto diminuído por duas ordens de razões. Primeiro tenho por tribuna um órgão de informação regional. Decente, sim, honesto também, democrático igualmente, mas regional, logo de frágeis flautas incapazes de competir com as trombetas do pleno das televisões e imprensa nacional. Depois, porque mero escriba, fosse lá eu pedir, humildemente arrogante, desculpas ou aceitar a responsabilidade política de qualquer coisa e o pessoal assobiaria para o lado, desinteressado de mim, das minhas desculpas e, oh! Cúmulo da insignificância, provavelmente das próprias culpas! É o que valho e mais não deveria reclamar, não fosse eu o invejoso aqui confessado, com rubor nas faces, olhos deslocados para o chão puxados pelo peso das minhas culpas, minhas tão grandes culpas.

 

Vem esta dolorosa confissão das confessadas fraquezas sentidas na contraluz da imensa claridade espalhada pelos nossos ministros da Justiça e Educação. O primeiro, que por acaso é a primeira, veio publicamente assumir a responsabilidade política pelo caos – desculpem-me estou a exagerar - isto é, pelos “transtornos” da imobilização da justiça, pelo extravio de uns meros três milhões de processos e pela anunciada inoperância futura de um “Citius” sem sítio onde se acolha. Sacudiu corajosamente a água do capote afirmando ter sido mal informada e, triunfante saiu em glória. É tão verdade o que a senhora disse que nem o mínimo dos mínimos aconteceu. O responsável pela má informação da senhora ministra, logo pelo descalabro, nem sequer se demitiu ou foi demitido. Perante efeito tão diminuto de tão grande causa entrou-me insidiosa a dúvida na alma. Será que a ministra mentiu e que os grandes culpados pela situação foram a ambição de ficar na história como reformadora da criticável justiça portuguesa, a pressa inusitada, perigos não acautelados, a inconsciência das perturbações de um processo radical de mudança, mesmo quando exemplarmente executado, a imensa incompetência de reformadores inábeis, incapazes, reprodutores, sem chama e estudo adaptativo, daquilo que lá fora se faz? Perplexo dei comigo a interrogar-me sobre o que será isso de responsabilidade política quando, assumida em público, não produz qualquer efeito corretivo ou sancionatório.

 

O segundo, o rigoroso ministro da Educação, homem de muitas aparições e comentários televisivos sobre rigor e facilitismo, chamando impudicamente a atenção para o gesto grandioso que representava o pedido de desculpas aos diretores das escola, aos professores e ao povo. A propósito esqueceu-se de citar os sindicatos, a Associação dos Professores de Matemática e os professores universitários, seus pares, que vieram à puridade demonstrar sem rebuços o erro grosseiro cometido pelo ministério na colocação de professores, por simplesmente se desconhecer aquilo que se aprende na primária sobre a impossibilidade de adicionar quantidades de géneros diferentes. Apesar de tal incorreção prejudicar muita gente, não terá sido demasiado grave. Apenas afetou um por cento dos docentes. Não quero parecer demasiado agressivo mas, mesmo um por cento, não serão cento e vinte professores, cento e vinte famílias com a vida em bolandas? Mesmo uma que fosse não seria já bem doloroso para quem sofre a incapacidade ou o desleixo de um ministro rigoroso? Se eu agredir ou matar alguém a partir de que quantidade de sevícias tenho de prestar contas à Justiça? De um, de vinte, de cento e vinte? De qualquer maneira fiquei mais descansado. Como previra, ao ouvir o discurso do governante, a cabeça do diretor-geral rolou, salvando o pescoço do ministro. Aliás, nada de estranhar. Quando no mesmo ministério, por confusões criadas por ordens e contra ordens ministeriais da saudosa Lurdinhas houve broncas em alguns exames, foram lépidos ao descarregarem as culpas noutro diretor-geral. Já é, portanto, costume. Sacrifica-se o sargento para salvar o oficial. Assim a culpa não morre solteira, a justiça é reposta. Ressalvo, com a devida vénia, um homem de que não gosto muito, Jorge Coelho, mas que ao assumir a responsabilidade política por um erro do seu ministério – queda dramática de ponte – fez o que tinha de fazer. Demitiu-se.

 

Para finalizar uma grande gargalhada. Reúne-se hoje, no interior, em Ansião, uma qualquer estrutura do PSD. Vão, ao que anunciam, tratar do grave problema do abandono do interior, adiantando ser a baixa natalidade o fator essencial de tal acontecimento. Acho bem! Têm toda a razão para procurar ultrapassar a pouca propensão dos portugueses para terem filhos. É, com certeza coisa difícil de entender. Ainda se se tivesse dado o caso de tais cavalheiros, o seu partido e governo terem alguma responsabilidade no agravamento das condições de vida das famílias, no corte de rendimentos, instabilidade ou ausência de emprego, fechamentos de escolas, centros de saúde, hospitais, tribunais, postos de correio etc.… poderíamos assacar-lhes responsabilidades. Mas, na verdade não foram eles, não têm culpa. Foi com certeza a troika ou uns quantos malévolos diretores-gerais. Vamos a eles, decapitem-nos, façam o que tão bem sabem senhores reunidos, façam o mal, passem a culpa e depois, peçam desculpas, ou, como eu, peçam desculpas por não pedir desculpas.

 

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 12:36