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Eisio

Segunda-feira, 24.02.14

 

 

 

“Agradecia do fundo do coração ao diretor do Rostos onelaine se deichava passar esta nota de alegria e reconforto. Dá-se o caso de ter óvido na televisão que foi reparada uma grande injustissa. O sô Relvas está de volta. Nem sabem como fiquei feliz ao óvir isto. Um tam bom homem, tam itiligente que até nem precisou de tanto tempo para ficar dótor comós outros e em vês de lhe reconhecerem o valor todos os invejosos se viraram contra ele. Os portugueses são incapazes de dar valor a quem o tem. Mas felizmente, o sô dótor Paços Cuelho, qué homem de visão, tanto que até é o presidente do concelho de ministros já repous as coisas no lugar. Só é pena quem vês de o meter no governo lhe tenha apenas dado um posto no partido. Ele merece sem duvidas muito mais. Mesmassim não deicha de ser mais um paço para repor a justissa no seu devido lugar. O PSD merece a volta do sô Relvas e axo que se vai dar muito bem com ele. Como ouvi dizer ontem no café, estão ao nível. Também o axo!

 

Nunca será demais aproveitar todos os recursos da Nassão. Já que a maior parte dos jovens dótores não querem ficar no país porque se acham demasiado finórios para esperarem uns anitos por um emprego de ordenado mínimo e vão glutões encher a mula nos estrangeiros, ficam os bons ezemplos de patriotas com o sô Relvas que apesar de poder ganhar o que quisesse na estranja, volta para servir do modo que também sabe o seu país e o seu partido. Bem aja pois aqueles que, mesmo contra a má vontade de alguns descabeçados militantes do partido teve a corage de impor a entrada de novo na politica nacional. Dele teremos muito a esperar e a ganhar.

 

O que me deixa muito curioso é comé que se vai dar com o ministro Crato. Se calhar vai ter alguns problemas. Eu não me esqueço que foi este que aproveitou o embrulhanço das lissenciaturas  para correr com ele à má fé. Cá por mim vai pagalas todas e com juros. Pareceme que o Crato nem sequer é filiado no partido. Ainda bem se o não for. Com o lugar que vai agora ocupar o sô Relvas é bem capás de o meter em sarilhos. Também só fará bem. O Crato é muito mole. Anda sempre à rasca com os bitates que mandou fora do governo e com o que agora é a sua obrigação. Não tem feito o que devia. Os profeçores ainda são demais e continuam a ganhar muito para o que fasem. É precizo moralizar as escolas. No meu tempo aprendia-se o b a bá  e as contas e iamos à vida. Nada de andar a madraçar nos bancos da escola por mais de doze anos. Assim comé que querem que o país porgrida? Esta juventude não respeita nada e não quer fazer nenhum. O que precizam é de porrada em cima.

 

È por isso que lhe peço sô diretor para publicar esta cartinha. Pode ser que o sô Relvas a leia e me arranje um tachozinho como contínuo duma sede do partido para ajuntar à minha reforma que é muito pequenina e só a vejo diminuir. Tambem não mimportava de ir trabalhar para qualquer empresa dele ou dos seus amigo. Eu faço qualquer coisa desde que consiga arranjar dinheiro para comprar os remédios que o sô dótor psiqiuatra me receitou. Diz-me ele que sofro de quizofrenia, que tenho dificuldade em diferençar a realidade do delírio. Cá pra mim são tretas. Só me trato porque quando me dão as crises parto tudo lá em casa. Como as crises são cada vez mais repetidas já quase não tenho mobília em casa e puseram-me fora do lar. Tenho a certesa que se o sô Relvas souber disto vem a correr auxiliar-me. Ele é muito boa pessoa e nunca desampara um amigo, tenho a certeza. Veja lá se mete um empenhozinho a meu respeito.

 

Seu admirado servidor

 

Zé Tapado”

 

 

Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

 

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publicado por Carlos Alberto Correia às 15:45

O milagre económico

Terça-feira, 18.02.14

 

 

 

 

Descíamos o Chiado na hora em que o sábado se torna domingo, por entre a multidão de jovens e menos jovens, espalhados até á Rua Garrett, em demanda do Bairro Alto quando, do meio da turba, vindos de vasculhar um caixotão de lixo, frente a uma padaria, um casal de idosos me chamou a atenção. Enrugados de pele, roupas enxovalhadas deixando ainda transparecer alguns vestígios de outros tempos de melhor vida e menos humilhação, transportava, cada um deles, um atado de cartões, de que iriam fazer cama e teto, para essa noite, em qualquer local minimamente abrigado.

 

O contraste entre a turba agitada na procura do atordoamento e o passar silencioso, quase no limite da percetibilidade daquele casal, foi grito rutilante a cravar-se no coração da realidade. Fugiu-me a imaginação para os mais de oitenta anos que ambos teriam. Certamente tiveram emprego, possivelmente filhos, votaram, expenderam opiniões, ajudaram, fosse no que fosse, a construir a sociedade que agora, de tão despudorado modo, os relega para o pé de página da história. A pergunta que me surgiu de rompante foi a de como, quarenta anos após a madrugada de esperança, chegámos a isto? Veio-me à memória o tempo, ainda jovem, em que a revolta me assaltava ao ver, na soleira da porta de uma loja de luxo na Baixa, uma mulher muito velha, estendendo cartões semelhantes, num dia de forte chuva, sobre o lajedo molhados pelos pés dos transeuntes.

 

A velha agonia voltou a tomar conta de mim. Retrocedemos tanto. Não perdemos apenas bens, poder de compra. A regressão é maior, mais essencial. Em nome de interesses espúrios vamos sendo empurrados para uma perda de direitos capitais. Recordo-me de mestre Aquilino a perguntar: Quantos pobres são necessários para fazer um rico? Assalta-me a memória o aumento inusitado, no ano transato, de milionários em Portugal. Alguém aqui está interessado em transformar a nossa gente em miseráveis que vendam a força de trabalho por uma sopa aguada e um pedaço de pão. E nós não fazemos nada? Encolhemo-nos na “apagada e vil tristeza”?

 

Entenebreceu-se-me a noite até aí interessante, leve, alçada para lá do quotidiano. Bati com o corpo no chão mais duro. Os passos doíam-me ao encaminhar-me para o barco. Azar! Por cinco minutos perdi-o. Agora vou ter de esperar uma hora pelo próximo. Paciência! Que posso fazer? Resignado pus os auscultadores no ouvido. No noticiário, a voz do ministro da economia, ofensiva, vomitativa, informava-nos de que o país estava em pleno “milagre económico”. Agoniado desliguei o rádio e, por todo o tempo de espera, tentei não pensar em bombas nem em corpos dependurados dos candeeiros por uma população ofendida, famélica, sem ponta de esperança no mais distante horizonte.

 

 

Publicado in, “Rostos on-line”

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publicado por Carlos Alberto Correia às 15:26