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O estilo brilhantina

Sexta-feira, 28.12.07





Desde que num pretérito congresso do PSD o Sr. Dr. Luís Filipe Menezes saiu em desgraça por ter invectivado os congressistas pelo horrível vício, inerente a boa parte deles, de serem “sulistas”, não perdi de vista esta prometedora personagem.

Devo dizer que muito me custou os anos de relativo apagamento que sucederam ao seu pequeno deslize político-regionalista. Rejubilei quando, através da autarquia a sua estrela recomeçou a ganhar brilho e fui impacientemente esperando que ela se levantasse no zénite e lhe proporcionasse os rasgos de indesmentível mérito a que tinha direito.

Tremi quando um indefectível sulista ameaçava, com os seus êxitos na capital, retirar-lhe o facho do mais incrível abencerragem do quadrante político do centro-direita, mas, confesso, estive perto da traição, deixando-me seduzir pela criatividade na asneira dessa figura de opereta. Muito se esforçou o inefável Santana por conservar o pódium, mas a incompreensão do povo e a força dos poderosos haveria de fazer borregar o esforço indómito do menino-guerreiro, aquele a quem todos, desde pequenote, davam com arrebatamento na tola.

Entusiasmei-me, esmoreci, deprimi-me quando o brilhantismo político de Santana e da sua corte, afastados do poder, me negaram a diversão e o insólito das broncas e do estilo cabelo puxado para trás com brilhantina, próprio para dar seriedade aos actos importantes de tão gravérrima personagem.

De qualquer modo, o crescimento da estrela sulista impedia o engrandecimento e brilho da estrela nortista. Como nada é na vida totalmente mau, o afastamento da ribalta de Santana, permitiu a abertura de espaço propício ao desenvolvimento do autarca de Gaia.

Não tendo sido criado nos princípios sábios e morais de que não se bate nos mais pequenos, o Menezes, aproveitando a vaga de descontentamento partidário e, tomando as dores de quem não queria queimar-se por afastar a destempo um chefe tido em desamor, zurziu no pequenote de voz grossa e mandou-o para casa com um cresce e aparece de indescritível superioridade, prometendo que, com ele no leme do PSD, é que o Governo Socialista iria apanhar das boas.

Houve gente que acreditou!

E lá ganhou o Menezes o palco nacional. Sob a luz forte dos holofotes perdeu rapidamente a empáfia e adoptou uma pose de estado, com brilhantina baça na voz, agora pausada e institucional, a fingir uma ponderação inexistente e cómica, revelando insegurança por todos os lados, dando a sensação de quem se meteu num sarilho e não sabe como sair dele. Algum conselheiro, que não o grama ou a soldo de potência exterior, sugeriu-lhe que, para não se sentir tão sozinho no palco do quase-poder, utilizasse os serviços do menino que não estando lá, andava por aí, aos caídos digo eu, e repescou-o para a direcção do grupo parlamentar.

Jogada de génio! Emparelhadas as estrelas, unificadas as brilhantinas, solidificado o estilo de pompa e balofa circunstância fica o ditado provado “ Deus os fez, Deus os juntou”. O problema restante é o de saber quem vai arcar com as culpas quando perderem as próximas legislativas.

A parlenda poderia parar por aqui, com o reconhecimento que estes políticos são uma verdadeira ameaça ao futuro dos Gatos Fedorentos, se o inultrapassável Menezes não se tem saído com mais um formidável arranque político, muito a propósito para o fortalecimento da democracia e da fé dos portugueses nos seus políticos e instituições.

Foi o caso, eu ouvi com estes que a terra há-de comer, da sua peremptória afirmação de que concorrendo ao BCP um presidente da área socialista, teria de ser nomeado, obrigatoriamente, para a CGD um presidente do PSD.

Assim, sem mais nem menos!

Ouvi e espantei! Não por não saber que desde há muito, no campo económico-financeiro, existe uma convenção, não escrita, de repartição de poderes pelo blocão do centro, mas sim pelo despudor do requerimento o qual, não se baseava minimamente em critérios de competência mas sim na posse do cartão do partido. Este sim era exigência indispensável. A competência, se a houvesse, viria depois.

Lindo! Admirável! Inultrapassável!

Empresas privadas, empresas públicas, irmanadas na mesma luta! Para lá das diatribes sobre independência, competência, livre decisão de accionistas, mantêm-se, nestes pobres liberais, a crença profunda no amparo do Estado, a sua especial predilecção pela distribuição de benesses e pela resolução das porcarias que sem rebuço vão fazendo e que, longe da sanção justiceira que se esperava, terminam num conluio de compadres, onde o que está em jogo é a divisão da presa num ora tomas tu, ora tomo eu, em estilo brilhantinoso e cediço, que agonia o mais distraído dos cidadãos.

Será possível “dessarriscar-me” de sócio deste engordurado País, alegando o estado de vómito contínuo?



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt

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publicado por Carlos Alberto Correia às 16:29

tema de solidão IV

Quinta-feira, 20.12.07
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eu hoje andei
pelo meio de um desespero
feito de mansas saudades
perturbadas
em lágrimas suaves
onde não se sofre nada

mas acordei bisonho
e sem saber porquê
embrulhado em desejos de esquecer
o que não lembro
e já me falta e ainda me sobeja

acordei partido entre
dois mundos dois poemas
dois profundos sonhos acordados
onde o ar que respirava
era pesado

se fui poeta foi só neste acordar
entre o gelo do tempo
a degelar
e o calor de um corpo a descobrir

aqui
na velha galáxia apodrecida
entre o raiar de um outro sol de outra vida
a nova luz apenas vislumbrei

e tão intensa era
e tão distante
que sem saber porquê
num só instante
dentro de mim os anjos acordaram

…………………………………….

só eu não acordei

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publicado por Carlos Alberto Correia às 18:32

O dado e o enunciado

Quinta-feira, 13.12.07
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Reconheço! Embirro completamente com a ministra Maria de Lurdes. Detesto o seu ar lânguido, melancólico e crispado, o discurso de melífluo autoritarismo, o manifestar de intenções para as escolas a que corresponde, maioritariamente, uma prática absurda e contrária ao enunciado.

Se bem se lembram, quando a pessoa se sentou na mula do poder, afirmou o seu propósito de melhorar a imagem dos professores, reforçar o poder disciplinador e de, assumindo ser a educação o ponto fulcral para o desenvolvimento do País, vir animada da vontade de transformá-la no instrumento essencial para o salto qualitativo da Nação.

E se bem o enunciou, mal o fez.

Os principais problemas da educação estão desde há muito levantados: falta ou inadequação de equipamentos, sobrepopulação das escolas e das turmas, inexistência de locais de trabalho adequados, desinteresse e indisciplina de uma boa porção dos alunos.

Grande parte destas situações é devida à massificação do ensino, sem a outorga de meios suficientes para fazer face a tal mudança e sem terem sido traçadas perspectivas adequadas às realidades e às funções renovadas da escola. Também assistimos a um vendaval de reformas iniciadas por um governo e abortadas pelo seguinte.

Presenciámos, de bancada, o desmoronamento do edifício escolar por excesso de carga e incompetências governamentais.

Com a entrada desta ministra para o pelouro, veio um discurso de rigor no ensino e na aprendizagem, exigência de qualidade e dignificação do papel do professor. Dado o caos em que as coisas estavam não parecia difícil cumprir o enunciado. Bastaria um trabalho sério de organização, distribuindo os recursos de forma eficaz, agrupando os professores em torno de objectivos claros e atribuindo os meios para se alcançar os fins.

Fácil, não é?

O que fez a ministra?

Olhou para a escola e viu um enorme custo financeiro. Coitada, não percebe a diferença entre custo e investimento! Considerou que os maus resultados escolares eram exclusivamente culpa dos professores e abriu, contra eles, uma guerra que conduziu ao resultado inverso da enunciada política de dignificação dos docentes. Tentou, e durante algum tempo conseguiu, virar a população contra os professores, apontando-os como uma classe incompetente e de madraços, gozando privilégios excessivos. Com o pretexto de igualizar esta classe com o regime geral quebrou, de forma leonina e unilateral, o contrato de trabalho até aí existente, sem ter em conta a especificidade do acto pedagógico. Introduziu de maneira artificial a divisão entre professores concebendo, de modo arbitrário, a categoria de professor titular, inserindo no sistema uma divisão em que a qualidade pedagógica quase não foi tida em conta e onde os cargos burocrato-administrativos, desempenhados nos últimos sete anos, tinham peso determinante, alimentando, assim, uma atmosfera de mal-estar e um sentimento de injustiça generalizados.

Mas fez mais. Atafulhou os professores de trabalhos administrativos, retirado ao tempo de preparação de aulas, elaboração e correcção de trabalhos, tempo de maturação e avaliação, induzindo a deterioração da qualidade pedagógica e a fabricação de dossiês demonstradores de uma qualidade meramente documental.

O ensino que devia ser criativo e interessante transforma-se, assim, num vórtice de tarefas onde a qualidade do mesmo e a atenção ao aluno são preteridas a favor de representações escriturais e de permanências alongadas e, por falta de estruturas de apoio, improdutivas.

A cerejinha no cume do bolo é, porém, a nova legislação sobre as faltas dos alunos. O seu objectivo declarado é o de “salvar” o aluno absentista e desinteressado. Como se faz? É simplérrimo, se o aluno não se interessa e não vai às aulas não chumbará por faltas. Não senhor! Qual quê? Ser-lhe-ão feitos teste de recuperação até que o discente venha a “demonstrar” um saber que não quis adquirir e não se percebe onde o irá obter.

O pensamento profundo que subjaz nestes princípios continua a ser o da guerra da ministra contra os professores. Se o aluno falta não é por sua culpa ou desinteresse, é porque o professor o não sabe cativar. Logo, castigue-se o professor!

Deste modo, de uma só penada, a querida ministra consegue destruir a possibilidade dos professores manterem alguma disciplina em turmas de trinta alunos - onde nem todos pretendem aprender - e, obrigando a passagens estatísticas compromete o futuro do País e dos educandos que parece proteger. Lá teremos de novo, como nos tempos salazarentos, um nível estatístico de literacia mais elevado que o real, lançando na vida uma quantidade de novos iletrados funcionais.

O custo desta política cega pagá-lo-á o País em termos de desenvolvimento.

Uma outra medida ministerial é a da permanência dos professores, durante três anos, na escola onde foram colocados. Se em termos de estabilidade dos estudantes podemos aceitar esta obrigação, já a forma como a mesma foi estabelecida produz, mais uma vez, resultados antagónicos aos previstos.

Senão, vejamos.


Quando qualquer empresa privada pretende deslocar um seu colaborador para local diferente daquele para onde foi contratado é, legalmente, obrigada a pagar-lhe as viagens, despesas de alimentação e alojamento e a atribuir-lhe ainda uma ajuda de custo que minore os incómodos e os acréscimos de despesas tidos com essa deslocação. Isto é normal e justo, mas não é o que se passa com os professores. Se dois professores, casados e com filhos, forem colocados em escolas distantes terão que ter, no mínimo por três anos, duas casas em locais diferentes, divisão de filhos ou entrega a avós, e despesas de manutenção acumuladas, não recebendo, em troca, nada mais que o seu salário normal.

Esta situação é injusta e inumana mas é assim que a ministra vê a aceita as coisas. Tudo em nome da dignificação dos professores, do benefício do ensino, do fortalecimento da família.

Tantas e mais malvadezas, que não cabem neste escrito, só podem resultar de uma inépcia inaudita, de um ódio cego ou de uma estratégia de desvalorização do ensino oficial.

Quanto a mim, é aqui que bate o ponto.

Criada a instabilidade emocional e profissional dos professores, relaxadas as regras de obtenção de conhecimentos e civilidade, comprometida a competência adquirida no ensino oficial, quais serão os pais que, fazendo das tripas coração, não hipotecarão as suas vidas para pagarem aos seus filhos um ensino que possibilite uma garantia de futuro? E onde o poderão fazer? No ensino particular, evidentemente!

Não é pois por pura maldade ou incompetência que a ministra age. Norteia-a o pensamento economicista e neoliberal de que não é ao Estado que cabe garantir a educação dos seus cidadãos, de modo tendencialmente gratuito, mas que tudo se mede pelo lucro imediato ou pela supressão de despesas. É a absurda noção de que a escola deverá ser gerida como uma empresa. Daí resulta que, o mesmo que um ministro de direita disse a respeito da saúde, pensa esta ministra sobre a educação:

- Quem a quiser que a pague!



Publicado in “Rostos on line” – http://rostos.pt



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publicado por Carlos Alberto Correia às 21:51